Musica

Mercado fonográfico não emplacou arrasa-quarteirões, mas a oferta variada de projetos chamou a atenção

Força da internet e culto ao LP marcam o ano

Ailton Magioli Eduardo Tristão Girão

Em termos de impacto, este ano quase passou em branco para quem não está muito atento às novidades do mercado fonográfico. Forçando a cachola ou buscando as listas das mais tocadas nas rádios e bombadas na internet, dá para lembrar alguns discos bacanas gravados ao longo da temporada, mas nenhum lançamento foi tão arrasa-quarteirão assim. De relevante, ressalte-se o crescimento da MPB, com caras novas, um ou outro título de rock e a contundência do rap. De resto, hits indigentes das meninas do pop, tipo Anitta e Valesca Popozuda.


Lá fora, nada se comparou a Get lucky, que no ano passado deu todos os prêmios ao Daft Punk, Nile Rogers e Pharrell Williams. Aliás, Pharrell se saiu bem em 2014, repetindo a façanha com Happy e seu contagiante balanço, que repercutiu em comercial de TV, gerou maratona na web, teve milhões de visualizações, inspirou centenas de vídeos caseiros no YouTube e virou ringtone.

No apagar das luzes de 2014, Madonna acabou causando. Sábado, a estrela lançou seis faixas de Rebel heart, seu álbum previsto para março. Semana passada, 13 canções, chamadas por ela de “demos inacabadas”, haviam vazado na rede. A loira convocou a equipe, concluiu seis faixas e fez a “estreia” oficial em formato digital. A estratégia deu certo: um dia depois do lançamento, Madonna encabeçou as paradas de serviço de música digital em 41 países.

Cada vez mais variado e curioso, o mercado manteve tendências dos últimos anos. Muitos lançamentos sem obras fundamentais, com aumento de venda de música digital e crescimento do segmento de LPs, apesar de 60% dos compradores não terem toca-discos em casa. O vinil virou objeto de desejo.


Experiência

 



Os veteranos ajudaram a dar consistência à cena. Gilberto Gil (Sambas ao vivo), João Donato (Live jazz in Rio), Alceu Valença (Amigos das artes e Valenciana), Francis Hime (Navega ilumina), Tom Zé (Vira-lata na Via Láctea) e, principalmente, Luiz Melodia (Zerima) mostraram estar vivos e atuantes. O pop rock registrou bons retornos de Titãs (Nheengatu), Ratos de Porão (Século sinistro) e até Raimundos (Cantigas de roda). Detalhe: 2014 só não foi de Maria Bethânia porque 2015 será o ano da cantora baiana, que vai comemorar cinco décadas de carreira. Ela fechou o ano com um lançamento sui generis: o documentário Cleonice Berardinelli Maria Bethânia e a poesia de Fernando Pessoa (o vento lá fora), mergulho da cantora e da mestra em literatura na obra do poeta português.

Feito em casa

A música produzida em Minas brilhou em 2014. Começando pelas gerações mais novas, chegaram ao mercado os bons trabalhos do pandeirista Túlio Araújo (East), Alexandre Andrés (Olhe bem as montanhas), Fred Heliodoro (o EP N.A.P.A.) e do coletivo Xafu (Paredes no horizonte). Entre os veteranos, destaque para os discos Minhas canções inacabadas, no qual Tavinho Moura cantou e tocou sozinho todos os instrumentos, e 3 Brasis, que o violeiro Chico Lobo gravou com a inusitada formação de clarinete (Paulo Sérgio Santos) e violoncelo (Márcio Malard). Skank (Velocia), Pato Fu (Não pare pra pensar) e dezenas de CDs chamaram a atenção, com destaque para trabalhos de Transmissor, Câmera, Dom Pepo, Regina Souza, A Fase Rosa, Fusile, Flávio Renegado, Vander Lee e Fernanda Takai, com o solo Na medida do impossível.

Veteranos


Com o canadense Leonard Cohen (Popular problems) liderando a lista de craques internacionais, 2014 foi ano de U2 (Songs of innocence), Bruce Springsteen (High hopes), Pink Floyd (The endless river), Robert Plant (Lullaby and the veaseless roar) e Tom Petty (Hypnotic eye) dividirem atenções com os discípulos inspirados The Black Keys (Turn blue), Lenny Kravitz (Strut), St. Vincent (St. Vincent), Foo Fighters (Sonic highways), The War on Drugs (Lost in the dream), Jack White (Lazaretto), Beck (Morning fase) e o guitar hero Joe Bonamassa (Different ahades of blues). O Coldplay (Ghost stories) correu por fora. Hypados, Lana Del Rey (Ultraviolence), FKA twigs (LP1) e Ariel Pink (Pom pom) dividiram opiniões e a atenção dos modernos.

Fertilidade



A cena indie nacional é tão fértil que foi impossível ouvir tudo de tudo. Moreno Veloso (Coisa boa), Jam da Silva (Nord), Jurema (Mestiça), Juçara Marçal (Encarnado), Alice Caymmi (Rainha dos raios), Lucas Santtana (Sobre dias e noites), O Terno (O Terno), Ian Ramil (Ian) e Rômulo Froes (Barulho feio) representam bem a variedade, com a Banda do Mar (Banda do Mar) fazendo a alegria dos fãs de Mallu Magalhães e Marcelo Camelo. Na MPB teve de Mônica Salmaso (Corpo de baile) a Silêncio, tributo a João Gilberto dividido por Renato Braz, Nailor Proveta e Edson Alves. O vigor da Funky Jazz Machine, de Tuto Ferraz; o rigor interpretativo de André Mehmari (Ernesto Nazareth – Ouro sobre azul), o mix de choro e jazz de Paquito D’Rivera e Trio Corrente (Song for Maura) e Antonio Adolfo (Rio, choro, jazz) ajudam a esquecer os breganejos e as graves rimas fáceis das paradas.

 

Potência



O rap brasileiro mostrou vigor, mandando duas “pedradas” para as ruas. Depois de passar 12 anos sem lançar disco de inéditas, o Racionais MCs surpreendeu fãs, crítica e a cena hip-hop com Cores e valores. Em vez das letras quilométricas que o consagraram, as 15 faixas somam apenas 35 minutos, com batidas renovadas e discurso afiado. Há crônicas da vida loka, celebração do poder de consumo dos “ex-excluídos”, faixas autobiográficas e Mano Brown, todo romântico, assumindo seu lado B. O segundo volume vem aí. Depois do celebrado Nó na orelha (2011), Criolo traçou inspirado – e agudo – raio-x do Brasil chapa-quente em Convoque seu Buda. Rap, samba, reggae, ritmos nordestinos e MPB são mesmo a praia dele. Dois discaços.