“Está difícil criar espontaneamente no Brasil, onde a arte é ligada a projetos de lei”, lamenta Silvia Machete, que, além de formar uma banda norte-americana, pretende verter algumas de suas canções para o inglês durante os shows. Os laços com o Brasil serão mantidos, conforme faz questão de ressaltar a multiartista, cujo trabalho está cada vez mais performático. “Tenho saudade de um processo criativo que não existe por aqui”, acrescenta Silvia, com conhecimento de causa.
Ao gravar a própria releitura para 'Tatuagem', de Rui Guerra e Chico Buarque, acompanhada do pianista Jason Lindner, ela teve de fazer o que chama de “dança interpretativa” da canção para que o amigo pudesse captar o que ela queria. A falta de conhecimento dele sobre a importância de Chico para o nosso cancioneiro e do peso da canção para a cultura brasileira fez com que a versão ficasse “careta”.
Resultado: ela criou uma coreografia para 'Tatuagem', que os interessados podem conferir na rede, onde um belo clipe dá a ideia da força da performance na formação de Silvia Machete. “As pessoas no Brasil são muito tradicionais. Mexer com a obra de Chico é o mesmo que mexer com fogo”, constata ela, que, para evitar mal-entendidos, contou ao amigo gringo a importância do mestre para a MPB.
De qualquer forma, em 'Souvenir', o que Silvia Machete quis foi cantar a obra de grandes contadores de história. Eduardo Dusek ('Totalmente tcha tcha tcha'), Angela Ro Ro ('Tango da bronquite') e Moraes Moreira ('Nada') são alguns dos profissionais que fizeram canções especialmente para o CD. Já Angela Ro Ro chegou, inclusive, a dividir a interpretação com Silvia no estúdio.
“Fui em busca de pessoas que contassem histórias melhor do que eu”, esclarece a cantora, lembrando que Dusek é supercarioca e irreverente, com quem sempre se identificou, e que Ro Ro “está sempre à frente de seu tempo”. A cantora é, para ela, exemplo de identidade feminista, enquanto Moraes Moreira é um contador de histórias à parte.
Não bastassem os três, encantada com a forma diferente dos portugueses escreverem, Silvia Machete ganhou de presente canções dos patrícios Sergio Godinho ('Espetáculo') e Jorge Palma ('Trapézio'), que, em sua opinião, sempre foram grandes contadores de história. Mais: Jorge Mautner e Rubinho Jacobina ('Ba be bi bo bu') e a própria Silvia ('Cachorros') também escreveram especialmente para o disco, que poderia ser muito bem puxado pela canção de Dusek, que pouco toca no rádio, mas, na opinião da cantora, é superpop e radiofônica.
Enquanto março não chega, quem sabe Silvia Machete não traz a Minas o seu 'Souvenir'. Afinal, por mais que a cena musical também esteja presa aos projetos de lei de incentivo, o público sempre quer o que há de novo. Em especial o trabalho de uma cantora que não se limita a cantar, mas a interpretar literalmente as canções, com direito a instigantes performances.