Pois eis que Martinho da Vila surgiu na vida do cineasta. Não com suas próprias canções, mas devido a Noel Rosa, outro mestre do samba. Tomado pela interpretação do brasileiro para 'Último desejo e Coisas nossas (ou São coisas nossas)', Gachot decidiu deixar o preconceito de lado e conhecer o gênero mais popular da música brasileira. De um CD comprado de maneira descompromissada em Paris nasceu o documentário 'O samba', lançado esta semana no Festival do Rio, na capital fluminense.
Ao longo de uma hora e meia, Martinho conduz a história. Gachot apresenta um olhar sem vícios sobre a obra do compositor fluminense e a Vila Isabel, bairro carioca que o projetou. Lançado em janeiro no Festival de Biarritz, na França, o filme deve chegar aos cinemas brasileiros até o início de novembro.
“Em 2003, vim pela primeira vez ao Brasil. Demorou sete anos para entrar no mundo do samba”, afirma Gachot, que filmou com equipe majoritariamente estrangeira. “Quero corrigir a ideia que as pessoas têm sobre o samba fora do Brasil. Na Europa, não há respeito, ele é usado demais de forma comercial. Nas oficinas de turismo, você só encontra fotografias com mulheres de bunda de fora na praia e no carnaval. É insuportável, samba é muito mais do que isso”, lamenta.
Sapucaí
Gachot filmou em 2011 e 2012 – nesse último ano, a Escola de Samba Vila Isabel apresentou o enredo 'Você semba lá...Que eu sambo cá! O canto livre de Angola', que lhe deu o terceiro lugar no carnaval carioca. O documentário começa com a preparação da festa. A partir de imagens no bairro e da chegada na Sapucaí, o diretor parte para a trajetória de Martinho, da Vila Isabel e do próprio samba.
Ainda que se paute no formato convencional do gênero – depoimentos seguidos de imagens –, Gachot foge do lugar-comum e usa a música como protagonista. As canções não são meramente ilustrativas, mas atuam como narradoras. 'Mulheres' é interpretada por cantoras que se embelezam num salão na comunidade. 'Festa da pitomba' é executada por Martinho batucando numa faca, em seu sítio em Duas Barras, no interior fluminense, onde nasceu. Ao fundo, há pitombeiras. O sambista surge em Paris (gravando com a cantora Nana Mouskouri), canta em casa, grava com um time de colegas (é linda a interpretação de Ney Matogrosso para Ex-amor), vai ao campo de futebol (é vascaíno doente) e também à comunidade que abraçou na década de 1960.
A câmera de Gachot é solta, com longos planos que dão espaço para os personagens. Ainda assim, o olhar estrangeiro apresenta questões para ele inéditas, mas já conhecidas dos brasileiros. Por exemplo: fala-se da origem do samba, do preconceito sofrido por comunidades negras e da maneira como gringos veem a música em comparação com os brasileiros.
“Não gosto de saber muito sobre as pessoas antes de filmar. Não converso com elas, não marco o que quero discutir. A primeira vez que você fala com uma pessoa é mais direta, forte, espontânea. Por isso não refaço take, não repito momentos”, explica Gachot. A cena final, em que uma mulher samba sozinha ao longe, só ouvindo o som da Marquês de Sapucaí, retrata bem a maneira livre como esse franco-suíço, apaixonado pelo Brasil, vê a música produzida no país.
. A repórter viajou a convite da Oi