Musica

Radicado na Alemanha, pianista e professor mineiro se dedica a ampliar fronteiras da música

Paulo Álvares já gravou mais de uma dezena de discos e interpretou peças dos principais autores modernos e contemporâneos do país e do exterior

Walter Sebastião


O mineiro Paulo Álvares, de 53 anos, mora na cidade alemã de Colônia. Ele gravou mais de uma dezena de discos e já interpretou peças dos principais autores modernos e contemporâneos do país e do exterior, com ênfase em obras experimentais. Paulo tocou piano com luvas brancas, no escuro, iluminado apenas pela luz negra. Interpretou composições que não têm partituras – só indicações para o instrumentista. Executou peças que somam música e projeções ou se valem de recursos eletrônicos. Tudo isso pode parecer excêntrico em se tratando de um pianista, mas é música de primeira.


“Experimentação faz parte da música. Há obras que fixam um momento estético, histórico, existencial e levam para outro patamar. Assim, abrem-se novas possibilidades, alterando ideias que temos sobre o que é música”, afirma o professor de piano e improvisação da Escola Superior de Música de Colônia. Exemplos disso podem ser as peças Pierrot lunar (Arnold Schonberg), Sagração da primavera (Igor Stravinski), Quarta sinfonia (Charles Ives) ou L’estro armonico (Vivaldi).

“Para um instrumentista que se dedica à música contemporânea, não basta ser apenas tecladista, por exemplo. O músico tem de ser harpista para tocar nas cordas do piano, como pedem alguns compositores; ser percussionista para tirar som de utensílios, como querem outros; ou atuar como ator para fazer a música que usa teatro. Ele deve ser compositor para criar música aleatória, que cobra atitude de criação do intérprete. É preciso, ainda, dominar os recursos usados pela música eletrônica”, explica.

 “A especialização é valorizada, mas a competência múltipla também é muito cobrada”, avisa Paulo Álvares. No Festival de Campos do Jordão (SP), encerrado há pouco mais de um mês, o pianista tocou pela primeira vez a peça de um compositor espanhol contemporâneo, intepretou obras de quatro modernistas históricos e fez um concerto de Mozart.

“A diversidade é muito positiva, pois exige simultaneidade histórica no ensino do instrumento, que passa a ter de envolver desde o primeiro teclado pós-renascentista até o aparato eletrônico de última geração”, afirma o professor. Para ele, isso traz a sensação de liberdade estética, estilística e profissional. Tal contexto, reforça, é um desafio a ser enfrentado pela nova geração.

Marginal Álvares avisa: a música contemporânea não ocupa posição periférica. “Na Alemanha, ela não é marginal. Pode ser menos frequentada, mas faz parte das programações oficiais. Inclusive, há concertos muito ruins. No Brasil, ela fica um pouco à margem, mas não tanto como quando comecei. Compositores modernos são mais tocados, orquestras vêm encomendando peças, há gravações e regravações”, argumenta. “Tais transformações têm criado o contexto de modernidade no mundo musical brasileiro”, acredita.


Moderno, desde sempre

 “O piano é o meu único instrumento, desde criança. Sempre fui tátil”, afirma Paulo Álvares. O primeiro contato com as teclas se deu na casa da avó. Depois, ele iniciou os estudos no conservatório de Uberlândia. “Meu interesse sempre foi a música moderna”, afirma.

Adolescente, Paulo Álvares ouvia, o dia inteiro, discos de autores ligados à música moderna na casa de uma tia, professora da Universidade Federal de Uberlândia. A admiração por Bela Bartok (1881-1945) fez com que, aos 20 anos, o mineiro fosse para a Hungria, terra do compositor, para participar de um seminário sobre o ídolo. “Bartok era diferente. E, na juventude, a gente não quer ser normal”, recorda.

 Em Belo Horizonte, Paulo Álvares estudou na Fundação de Educação Artística (FEA). Também foi aluno da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Em 1987, ele se mudou para a Alemanha, onde estudou música de câmara e composição em Colônia. A opção pela Alemanha veio do fato de o país oferecer fartura de concertos de música improvisada, antiga, moderna e contemporânea, além de jazz e ópera.

Paulo convive há décadas com obras radicais. Diz que Mozart é o autor que mais o desafia, “pela liberdade e inexplicabilidade de suas invenções”.


Tributo a Eduardo

No momento, Paulo Álvares se dedica a divulgar a obra do irmão, o compositor Eduardo Álvares (1959-2013). Recentemente, o pianista tocou Jogo de antifonias com a Orquestra Sesiminas. A partir de anotações, ele finalizou e interpretou a última composição de Eduardo, A lua do meio-dia, com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).

Em dezembro, o pianista vai apresentar várias obras do irmão na Alemanha. O arquivo de Eduardo Álvares será transferido para o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), em São Paulo. “É o modo de deixar o material acessível e protegido”, explica o pianista. E anuncia: “Muita coisa vem pela frente”. São discos, edições de partituras e concertos.

“Eduardo era um compositor de linguagem original que cultivava permanentemente a ousadia e a rebeldia. Nesse sentido, ele não integra a vanguarda ortodoxa das universidades mineiras e paulistas, que é um caminho muito fechado”, explica o pianista. “Para mim, compositor deve ter personalidade para ir além da homogeneização das escolas”, argumenta, saudando Villa-Lobos.

Paulo Álvares explica que a obra do irmão parte de Debussy, Igor Stravinski, Edgard Varese, Luciano Bério e Maurício Kagel para chegar à linguagem econômica e heterogênea pontuada por humor irreverente e teatralidade – é patente o diálogo com a literatura e o teatro.

Na opinião de Paulo, as obras mais fortes do irmão são aquelas produzidas de 2008 a 2013, como Cortejos, Fogo no canavial e Lua do meio-dia. Esses trabalhos retomam a experimentação depois do resgate de ritmo, harmonia e melodia, “sem abandonar a dissonância”, revelando o namoro com a música popular.


OS MESTRES

BELA BARTOK (1881-1945)
A admiração pela obra do compositor fez com que Paulo Álvares viajasse para a Hungria, aos 20 anos, para participar de seminário sobre o ídolo

CLAUDE DEBUSSY (1862-1918)
O compositor francês é um dos pontos de partida da obra do compositor Eduardo Álvares, irmão do pianista

IGOR STRAVINSKI (1882-1791)

Sua obra-prima, Sagração da primavera, levou a música para outro patamar, acredita Paulo Álvares

MOZART (1756-1791)
O compositor austríaco ensinou ao pianista mineiro o apreço pela liberdade e a invenção

HEITOR VILLA-LOBOS (1887-1959)
Compositor brasileiro não se deixou aprisionar pelas escolas