Leia Mais
Artista renegado, Itamar Assumpção tem obra em evidência uma década após a morteBanda criada por Itamar Assumpção nos anos 1980, Isca de Polícia vai lançar o primeiro álbum autoral Musical 'Sambinha' aproxima criançada de grandes nomes do sambaCarlos Careqa lança 'Palavrão - Música infantil para adultos'Madian e O Escarcéu mistura ritmos populares à música erudita em disco de estreiaAcompanhada por nomes da nova geração da cena paulista, Alzira optou por um disco sem bateria, com as cordas (guitarra, baixo, violões, violoncelo) preenchendo e sugerindo espaços. Mesmo temas já conhecidos de sua trajetória de oito discos soam atuais e renovados – caso de 'Sei dos caminhos' e de 'Já que tem que' (com citação de 'Vapor barato', de Macalé e Wally Salomão, e o sintomático verso “esta canção aqui veio pronta”).
Com participação do violão de aço de Lucinha Turnbull, 'Norte' (Alzira/ Itamar) abre o trabalho como se fosse um diálogo com 'Frete' (Renato Teixeira) e com o inaugural Lírio Selvagem, grupo que Alzira dividia com os irmãos (incluindo Tetê Espíndola), no Mato Grosso. 'Tristeza não' (Itamar/Alice) trata de beleza, criação e alegria, com a voz de Peri Pane assumindo o papel de Itamar – a semelhança é inquietante. 'Já sei' (Itamar/Alzira/Alice) brinca com a facilidade do inglês de dizer coisas em música. E crava: “você pode entender a dor/ sendo sócia do amor”. Para bom namorador, dois versos bastam.
Outro violão de aço, agora comandado por Peri, conduz 'Já que tem que' (Alzira/Itamar) com versatilidade de ritmos para uma canção que, teoricamente, nasceu pronta. 'Mesmo que mal eu diga' (Alzira/Itamar) traz alma pungente de blues, defendendo a tese de que ver bem é questão de olhar – e não de lugar.
Ironia
Composta com a filha, Iara Rennó, 'Conversa mole' tem humor sutil e demonstra a influência do parceiro na obra mais recente da Alzira. O tom permanece em 'Chuva no deserto' (Alzira/Itamar), tratando de ex-namorados com saborosa ironia. Com o irmão Joy Espíndola ajudando a compor o grupo que faz os vocais de apoio, 'Itamar é' (Alzira/Itamar) descreve a personalidade do Nego Dito, classificando sua loucura poética como... árabe. Difícil não relacioná-lo com a trajetória e a personalidade de Wally Salomão. Mesmo que nada aponte explicitamente para isso.
'Sei dos caminhos' (Itamar/ Alice) remete ao Rumo, a Luiz Tatit e ao auge da vanguarda paulista. O tom fica quase amargo em 'O que é que eu fiz de mal' (Alzira/Itamar), cheio de desencanto e choro, com o final chegando na faixa-título: as notas musicais são citadas explicitamente como condutoras de um discurso com várias boas rimas para a canção.
Depois da música, a última faixa continua com um bônus de poesia densa, incisiva, sobre fazer contos para contas... O eterno dilema do artista, entre a criação e a sobrevivência.
Saiba mais
Na vanguarda
Um dos autores mais talentosos da MPB, Itamar Assumpção (1949-2003) inovou em suas performances que misturavam música, poesia, vídeo, dança e teatro. Destaque da Vanguarda Paulistana, ele chamou a atenção ao lado de Arrigo Barnabé e dos grupos Premeditando o Breque e Rumo. Mesclando samba, reggae, rock e funk com letras marcadas pela crítica social, o “Nego Dito” lançou oito discos. Ele morreu de câncer, aos 53 anos.