Musica

Cantora Mariene de Castro lança o disco 'Colheita'

Repertório do novo trabalho homenageia a força da cultura popular. Zeca Pagodinho, Maria Bethânia e Rildo Hora são alguns dos convidados

Walter Sebastião

Esta baiana quando canta é luxo só: Mariene de Castro, de 35 anos. Quem duvida ou ainda não a conhece pode ouvir 'Colheita', seu novo disco. O samba se torna símbolo de algo defendido com fé: a cultura popular como a melhor tradução da alma do brasileiro. O repertório reúne 14 canções, impecáveis da interpretação aos arranjos, apresentadas por time de instrumentistas de respeito. Sem perder a harmonia, revelam-se os muitos sambas do Brasil – dos filosóficos aos brincalhões. Tudo está tão acertado que deixa a sensação de se opor, frontal e deliberadamente, a este momento em que a regra é a banalidade (até do samba).


O encanto que Mariene desperta pode ser dimensionado pelos convidados de seu quinto CD: Zeca Pagodinho, Maria Bethânia, Beth Carvalho, Hamilton de Holanda, Jacques Morelenbaum, Rildo Hora e a bateria da Portela. Entre as inéditas preciosas estão 'Colheita' (Nelson Rufino) e duas do mineiro Toninho Gerais, 'Aquarela da Amazônia' e 'Mágoa' – parcerias, respectivamente, com Toninho Nascimento e Roque Ferreira. Há clássicos antigos e contemporâneos: 'Nós dois' (Cartola), 'Retrato da vida' (Dominguinhos e Djavan) e 'Samba da bênção' (Baden Powell e Vinicius de Moraes). O batuque brincalhão vem com o pagodinho 'Me beija' (Arlindo Neto/Marquinhos Nunes/Renatto Moraes).

Mariene agradece tantos paparicos: “O disco é coletivo. Quando a gente sonha junto, as coisas ficam mais bonitas”. Chamam a atenção letras que acentuam o astral positivo de temas como fé, amor, respeito, trabalho, esperança, luz, alegria, coragem e paz. “É o que tenho para oferecer, o que desejo que as pessoas recebam em seus lares. O sentimento do disco mistura tranquilidade, maturidade e silêncios, aspectos que podem ser percebidos no meu canto”, observa.

Mariene explica que sua interpretação está mais leve e serena, “o que nunca tinha feito até agora”, mas lembra: seu canto “vem da guerreira”. Isso sinaliza tanto a admiração por Clara Nunes quanto o temperamento batalhador.

O ponto de partida do repertório veio de manifestação de afeto e respeito pela cantora. Zeca Pagodinho reuniu em estúdio 30 compositores, que passaram o dia mostrando inéditas para ela. “Parecia um sonho. Conheci os senhores do samba. O gesto de Zeca foi atitude de pai, de alguém que quer o seu bem na vida, não só para a carreira. A partir desse encontro, o sentimento de colheita se instalou”, explica Mariene. A faixa 'Balancê' veio de uma artista que a baiana admira: a cantora e compositora cabo-verdiana Sara Tavares. Outra, delicado mimo sonoro, já faz parte de seus shows: 'Impossível acreditar que perdi você' (Márcio Greyck e Cobel) ressurge em ritmo de samba.

A baiana é vaidosa com relação à banda que a acompanha, formada por Marcos Bezerra (violão), Cicinho de Assis (acordeom), Eduardo Reis (cavaquinho), Israel Ramos (baixo), e Jaime Nascimento, Fábio Cunha, Marcelo Pinho, André Souza e Iuri Passos (percussão). A turma trabalha com Mariene há cinco anos. “Todos os arranjos foram feitos pelo grupo, é trabalho de família”, conclui.

Três perguntas para
Mariene de Castro

O que traz o disco Colheita?

Vivo a minha verdade, o meu hoje, o meu momento de vida. Minha música traz as coisas que admiro, nada é ditado por outra pessoa. Tenho admiração pela cultura popular, pelo povo brasileiro. Em Colheita, conseguimos abraçar mais a cultura brasileira. É tudo muito tranquilo, leve, a água de todos os cantos do Brasil se encontrando. Esse trabalho de equipe procurou deixar a arte respirar com naturalidade, o artista ser o que ele é. Gravei com Gordinho, o surdo dele é a alma do CD. Ele é o samba em si, em pessoa. Ter oportunidade de contar com alguém assim fez o momento muito especial.

De onde vem tanta admiração pela cultura popular?
Sou fiel à minha alma. É ela quem canta. Posso falar de muitos temas, mas eles vêm sempre com sentimentos que falam muito de mim. Cheguei à gravadora com um projeto 100% cultura popular, algo muito de dentro, e fui abraçada por isso. Faço meus discos juntando coisas que acho lindas e em que acredito. Não faço música pensada, mas sentida.

O que você aprendeu sobre o samba ao gravar seus discos?
Ele é a alma da gente falando, com mistura de cores e vários espíritos da alegria. O que mais ficou para mim, depois de Colheita, foi observar o quanto o samba une dor e amor. Vinicius de Moraes, o carioca mais baiano, diz: o samba é a tristeza que balança/ e a tristeza tem sempre uma esperança/ de um dia não ser mais triste não. Isso é o Brasil falando pelo batuque que veio da Bahia. Cantando e ouvindo essa canção, que gravei com sotaque baiano, sinto que o samba carrega o sentimento do povo.

ESTREIA NA TIMBALADA

Mariene Bezerra de Castro nasceu em Salvador. Começou a estudar violão aos 12 anos e iniciou a carreira como vocal de apoio da Timbalada, grupo de Carlinhos Brown. Em 1996, estreou no projeto Pelourinho dia e noite. Produtores europeus a levaram para cantar na Europa. Em 2004, ela ganhou o Prêmio Braskem de Música, que viabilizou seu primeiro CD, Abre caminho. Recentemente, Mariene fez o papel de dona Zica, viúva de Cartola, no filme Quase samba. A baiana lançou os discos Santo de casa – ao vivo (2005), 'Tabaroinha' (2012) e 'Ser de luz' (2013).

Ouça à faixa 'Me beija', de Mariene de Castro: