Musica

Cantor Paulo Sérgio, que faria 70 anos em março, mantém fãs de todas as idades

Artista popular morreu aos 36 anos e vendeu 10 milhões de discos

Ana Clara Brant

Adelina mora em Itu, interior paulista. Jaqueline, no Rio de Janeiro. Enquanto Thuanny vive em Alegre, no Espírito Santo. Além de cidades diferentes, elas pertencem a gerações distintas. A primeira tem 60 anos, a segunda 42, e a terceira, apenas 16. Em comum, a paixão e a admiração pelo mesmo homem: o cantor e compositor Paulo Sérgio, que se estivesse vivo completaria 70 anos em março. Paulo Sérgio morreu em 1980, aos 36 anos.


Um dos maiores nomes da música romântica nacional, ex-alfaiate, ele permanece vivo na memória dos admiradores, amigos e familiares. Seu túmulo é dos mais visitados no Cemitério do Caju, no Rio, onde está enterrado. Jaqueline Macedo, filha do meio do artista capixaba com a também cantora Marlene Cavalcanti (Paulo teve mais dois filhos – Paula, já falecida, e Rodrigo, de outros relacionamentos), não chegou a conhecê-lo. No entanto, a artesã faz questão de ir todos os anos à sepultura do pai. “No Dia de Finados é uma loucura. Levamos cartazes, colocamos música e vem gente de tudo que é canto. Muitos fãs nem o conheceram, estão na faixa dos 20, 30 anos. Outro dia, apareceu uma menina de São Paulo, de 23 anos, que se chama Paula Sérgia. Fico muito emocionada em saber do carinho que as pessoas sentem pelo meu pai”, diz.

Jaqueline, ao lado da diarista paulista Adelina Macedo – que incorporou o sobrenome do ídolo, ajudam a manter o túmulo do cantor. Adelina é fã de Paulo Sérgio desde 1967 e se mudou de Itu para a capital paulista só para acompanhar a carreira do ídolo mais de perto. Criadora do site oficial do artista, ela transformou um dos cômodos de sua casa em uma espécie de museu de Paulo Sérgio. São fotos, objetos pessoais, revistas, jornais e preciosidades, como a última bota usada em vida por ele e o atestado de óbito original. “Como convivi com ele e com a família desde aquela época, eles se tornaram minha família também. Por isso virei um pouco a guardiã da memória do Paulo. Eu e mais outras amigas, que também são suas admiradoras, colocamos Macedo no nome, mas não oficialmente. Todos já me conhecem como Adelina Macedo”, revela.

A diarista, que também optou por essa profissão para ter liberdade de seguir Paulo em suas turnês, não se casou e dedicou sua vida ao artista. Mas não se arrepende. “Paulo Sérgio era uma pessoa iluminada. Além de ser o melhor cantor do mundo, na minha opinião, ele era simples, chegava na sua casa, tirava a panela do fogão e a colocava na mesa. Fiz todas as loucuras imagináveis por ele. E faria tudo de novo”, garante. Adelina não se ressente de nunca ter se casado e conta que os namorados morriam de ciúmes do cantor e compositor. Ela tem uma filha de criação, que se chama Jaqueline em homenagem à filha de Paulo Sérgio. “Como ela nasceu no mesmo dia da Jaqueline, 30 de setembro, sugeri colocar esse nome. Praticamente tudo que era do Paulo Sérgio está comigo. Sonho com ele e acho a minha vida muito melhor do que a de muita gente”, assegura.

O passado ainda vive
O apresentador Chacrinha comparava Paulo Sérgio a Roberto Carlos
Jaqueline Macedo não conheceu o pai em vida. A única foto que tem ao lado de Paulo Sérgio é à beira do féretro, no dia de seu sepultamento. “Tinha 8 anos e não entendia direito aquela coisa da morte, mas me lembro de vê-lo no caixão e pensar: ‘Nossa, nunca mais vou ver meu pai de pé’. A única vez que o vi foi dentro do caixão”, recorda. Quando a carioca nasceu, em 1971, Paulo já havia estourado como cantor e estava casado com Raquel Telles. Ele nunca procurou Jaqueline. Para receber a pensão alimentícia de Jaqueline, a mãe, Marlene, se viu obrigada a acionar a Justiça. No entanto, nunca forçou a aproximação de Paulo Sérgio com a filha. “Minha mãe achava que isso tinha que partir dele. E ela nunca falou mal dele. Sempre quis conhecê-lo e falava que quando completasse 15 anos iria atrás do papai. Mas, infelizmente, não deu tempo”, lamenta.

Jaqueline hoje é mãe de dois filhos e faz questão de dizer que sempre foi muito próxima da família Macedo, especialmente dos avós paternos, seu Carlos e dona Hilda. “Hoje, posso dizer que ele não foi um bom pai. Tenho, sim, uma mágoa, ainda mais depois que me tornei mãe. Não consigo entender como um pai não quer conhecer a própria filha. E foi assim também com a minha irmã mais velha, Paula. Ele não foi muito presente. Mas não o julgo. E apesar dos pesares, sou alucinada com papai. Não consigo explicar de onde vem isso. É um amor louco, desesperado. Deve ser algo de outras vidas, não tem explicação”, diz.

Assim como os irmãos, Jaqueline recebe recursos provenientes dos direitos autorais de Paulo Sérgio, mas muita coisa do patrimônio acabou se perdendo, como casas, lotes e até dois ônibus que ele possuía. A artesã, que é muito afinada, chegou a gravar um disco com gravações do pai e revela que se tivesse a oportunidade de encontrá-lo em 10 de março, quando o pai completaria 70 anos, queria apenas lhe dar um abraço de parabéns. “Tenho muita coisa para desabafar com papai, uma vida inteira. Mas não ia fazer isso agora, com ele mais velho, completando 70 anos. Se fosse há uns 15, 20 anos, aí seria outra coisa. Eu lhe falaria um monte de verdades. Mas, hoje, daria muito amor. Não adianta sofrer pelo passado. Ninguém com 70 anos merece ser julgado”, defende.

Em casa

A jovem Thuanny Nágime Mendes, de 16 anos, nem sonhava em nascer quando Paulo Sérgio morreu. Entretanto, é ela que mantém viva a sua memória no Facebook. Há um ano e nove meses, a estudante, que nasceu em Anutiba, distrito de Alegre, no Espírito Santo, mesmo local de nascimento do cantor, criou a página dele na rede social. Frequentemente, Thuanny atualiza e posta informações, vídeos, comentários e realiza enquetes. “Minha mãe é muito fã dele e sempre ouvi as músicas do Paulo em casa. Como somos da mesma cidade e há uns dois anos fizeram um tributo para ele, passei a me interessar mais, pesquisei a vida dele e aí resolvi fazer a página”, conta. São 153 seguidores, boa parte admiradores das antigas. Muitos até se espantam de uma menina tão jovem gostar do cantor. “Acho que a gente tem que valorizar as pessoas da nossa cidade. Nunca fizeram muita coisa por ele por aqui, apesar de ele sempre ter destacado Anutiba e Alegre. Curto mais pop, mas ele também tem o seu lugar”, salienta.

Artista sempre em alta


Um artista que nunca conheceu o fracasso. É assim que o jornalista, historiador e autor de Eu não sou cachorro, não e Roberto Carlos em detalhes, Paulo César de Araújo, define seu xará. Paulo Sérgio de Macedo foi um dos precursores de um estilo de balada romântica, mais tarde chamado de brega, que influenciou toda uma geração de cantores e compositores populares surgidos a partir de 1968, como Odair José, Fernando Mendes e Fredson, entre outros. O pesquisador lembra que, embora se credite diretamente ao trabalho de Roberto Carlos a existência dos artistas chamados de cafonas, houve forte influência de Paulo Sérgio nesse processo. “Dessa geração dos anos 1970, a geração AI-5, ele é um dos mais representantivos. Foi ele quem retrabalhou a fórmula da balada romântica e abriu as portas do mercado discográfico para uma nova geração de cantores populares, que começava a carreira num momento em que o ciclo da Jovem Guarda chegava ao fim, os tropicalistas estavam no exílio e o próprio Roberto estava num processo de transição. Paulo facilitou o sucesso de toda uma turma que surgia”, constata.

Outro ponto destacado por Paulo César de Araújo eram as comparações entre Paulo Sérgio e seu conterrâneo capixaba Roberto Carlos. Com timbres parecidos e, para alguns, fisicamente semelhantes, a mídia da época fez questão de apimentar a disputa. O historiador e jornalista diz que quando surgiu, Paulo imitava seu grande ídolo, Altemar Dutra, mas quando gravou o primeiro disco, em 1968, já foi no estilo do Rei. “O Roberto era a grande referência da música jovem na época. E era meio natural que quem despontasse fosse influenciado. O primeiro disco do Paulo foi na linha do Roberto e muitos o apontavam como o novo Rei. Até o Chacrinha afirmou isso”, lembra. E a própria gravadora de RC explorou a polêmica quando lançou, no mesmo ano, o LP O inimitável. “Paulo sempre disse que essa ‘imitação’ era algo natural, que não era forçada. Eles tinham vozes parecidas. Mas ele ganhou autonomia, seguiu fazendo sucesso, mas não superou o Roberto”, opina.

Morte controversa

Em 27 de julho de 1980, Paulo Sérgio fez sua última apresentação na TV, no programa de Édson Cury, o Bolinha. Logo depois do fim da atração o cantor envolveu-se num incidente que, como acreditam alguns admiradores e amigos, foi a causa de sua morte. Paulo saiu da emissora e foi cercado por fãs. Uma delas, agressivamente, começou a comentar fatos relacionados à vida íntima do cantor e de sua mulher, Raquel Telles de Macedo. Os amigos trataram de afastar Paulo do local, enquanto a moça garantia que ainda tinha muito a dizer. Nervoso, o cantor deu a partida em seu carro, mas quando manobrou o veículo foi atingido por uma pedrada no para-brisa. Fora de si, desceu do automóvel e partiu em perseguição à moça, que se refugiou no interior de um edifício, onde o zelador não permitiu que Paulo a seguisse.

Os acompanhantes do artista procuraram acalmá-lo, pois ele ainda teria de cumprir três apresentações naquele dia. Depois de dois compromissos, já em Itapecerica da Serra (SP), ele abandona o show depois de quatro músicas com muitas dores de cabeça e visão turva. Os amigos o encontraram no camarim, gemendo de dor e com tremores por todo o corpo. Ele sofreu um derrame cerebral. O cantor morreu dois dias depois. Durante a madrugada e a manhã seguinte, o corpo do artista ficou exposto para visitação no velório do Cemitério de Vila Mariana, em São Paulo. Atendendo o pedido dos pais de Paulo Sérgio, ele foi sepultado no Rio de Janeiro. Na capital carioca, o velório ocorreu no Cemitério do Caju. O artista foi enterrado ao som de seu maior sucesso, Última canção.

Dez milhões


Em seus 13 anos de carreira, Paulo Sérgio não teve fase de decadência. Estourou já no primeiro disco, gravado em maio de 1968, com o LP Paulo Sérgio, que atingiu a marca de 300 mil cópias vendidas. Várias faixas do disco entraram rapidamente nas paradas de sucesso nacional: No dia em que parti, Sorri meu bem, Se você voltar, e principalmente a balada Última canção. Paulo Sérgio lançou 13 discos e algumas coletâneas. Foram cerca de 10 milhões de discos vendidos, entre LPs e compactos.

Assista Paulo Sérgio cantando 'Última canção':