Ubá guarda documentos e relíquias de Ary Barroso, que morreu há 50 anos

Compositor, que morreu em um domingo de carnaval, coloriu com alegria a música brasileira

por Ana Clara Brant 09/02/2014 00:13

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Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
Cafezinho e cigarro, amigos inseparáveis do compositor, cronista, locutor esportivo e vereador pelo Rio de Janeiro (foto: Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press )
Foi exatamente num domingo, 9 de fevereiro, há exatos 50 anos, que um dos compositores mais populares da nossa música faleceu, vítima de cirrose hepática. Era carnaval, ocasião mais que propícia para a despedida de alguém que criou sambas e marchas memoráveis e falou de um “Brasil bem brasileiro”: Ary Barroso (1903-1964). O neto dele Márcio Barroso, 54 anos, responsável pela Editora Aquarela do Brasil, que administra as músicas do avô (são cerca de 450), era muito garoto na época, mas tem lembranças do dia. Toda a família (Ary, a esposa, Ivonne, os filhos, Mariúza e Flávio, com os cônjuges e os cinco netos) morava num casarão de três andares na Ladeira Ary Barroso, no Leme, Rio de Janeiro, e ele se lembra da mãe chorando pelos cantos. “Minha mãe ficou muito triste, claro, e ela tentava esquecer arrumando as coisas, para se distrair – pegou o escovão e foi esfregar o chão da sala. É uma cena que ainda está forte na minha memória. Mas o engraçado é que não me recordo do enterro, do velório nem de quando meu avô foi para o hospital. Acho que eles tentavam proteger as crianças. Mesmo assim foi um dia realmente muito triste”, conta Márcio.


Nada de especial marcará o cinquentenário de falecimento de Ary, a não ser a chegada às lojas e sites especializados da caixa Brasil brasileiro, que traz 20 CDs com 316 regravações do autor de Aquarela do Brasil, No rancho fundo e Na baixa do sapateiro, e que foi lançada pela Novodisc/Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS), em novembro.  

Arquivo Público de Ubá/Divulgação
Em Ubá, o piano e a estátua, na Praça São Januário, aguardam espaço dedicado ao compositor (foto: Arquivo Público de Ubá/Divulgação)
Idealizado pelo professor de biologia, psicólogo e pesquisador paulista Omar Jubran, o box levou 12 anos para ser finalizado. Para ele, a MPB tem três pilares fundamentais: Noel Rosa, Lamartine Babo e o próprio Ary. Segundo Jubran, eles podem até não ser os melhores compositores do Brasil mas certamente foram os responsáveis por mudar a lírica da nossa música. “Os três a tornaram mais alegre, porque a música brasileira era bem trágica, dramática. A partir de então, todo mundo bebeu dessa fonte”, diz.

Linguagem rebuscada No caso do artista mineiro, que nasceu em Ubá, na Zona da Mata, provavelmente pelo fato de ter se formado em direito, ele tinha uma linguagem bem rebuscada e acabou se tornando referência para outros artistas, caso de Tom Jobim, por exemplo. “Ary Barroso deu nova cor à música popular. Todas as boas composições brasileiras, sejam contemporâneas ou não, têm uma pitadinha tanto dele como de Noel e de Lamartine. Enquanto Noel Rosa se tornou uma espécie de repórter do Rio de Janeiro e Lamartine Babo falava por entrelinhas, Ary conciliou essas duas características e, mesmo utilizando palavras mais sofisticadas, fazia letras que eram assimiladas por qualquer pessoa. E ainda era excelente melodista. Juntou tudo isso e caiu no gosto popular”, destaca o pesquisador.

Além da caixa, que ganhou apenas 1 mil edições (e deve ser ampliada), Márcio Barroso avisa que há a intenção de fazer outras ações, como um documentário. Já que o acervo pessoal do avô (fotos, troféus, partituras, cachimbos e dois pianos) está sob a guarda da família, eles poderão até criar um museu. “No Brasil é tudo muito complicado. Quero que as pessoas voltem a se lembrar dele. É engraçado como o norte-americano sabe trabalhar isso muito bem e valoriza seus verdadeiros ícones. O brasileiro tem memória muito curta e, apesar de o nosso trabalho ser de formiguinha, vou fazer de tudo para que meu avô não seja esquecido”, enfatiza.

Márcio conta que, ainda que tivesse fama de ranzinza e mal-humorado, Ary Barroso era extremamente carinhoso em família, e não se importava com a bagunça que os cinco netos faziam, até brincava com a meninada. “Eu me lembro dele bem velhinho com um robe dentro de casa e uma das recordações mais marcantes foi uma tarde em que mamãe reuniu todos para assistir a um programa de televisão de que ele estava participando. Eu não entendia como vovô tinha ficado tão pequenino para caber dentro da TV”, diverte-se.

 

Memorial não saiu do papel


Em Ubá, onde Ary Barroso nasceu, ainda há parentes do compositor, além de uma preciosidade: o piano em que o artista aprendeu a tocar e que pertenceu a tia Ritinha, que o criou, quando ele ficou órfão de pai e mãe. A ideia é que o instrumento, tombado, vá para um memorial a ser construído na cidade. Por enquanto, o projeto da construção do espaço está parado. Em novembro, mês de aniversário do compositor, foi inaugurada uma estátua batizada de Ary Barroso ao piano, na Praça São Januário, como parte da programação do Prêmio Ary Barroso de Música, realizado anualmente no município.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Ubá, Miguel Gasparoni, ex-presidente do Conselho do Patrimônio Cultural da cidade, é admirador do conterrâneo ilustre e lembra que, certa vez, foi até o Rio entregar uma cópia do registro original do nascimento de Ary Barroso para Mariúza, sua filha. Segundo o advogado, ela ficou tão emocionada que mostrou o enorme acervo de seu pai, a começar pelo piano onde ele compôs, em uma única noite chuvosa, Aquarela do Brasil. “Trouxemos todo esse material para Ubá, para montarmos o Memorial Ary Barroso, que seria na Praça da Estação, onde havia busto construído em homenagem a ele. Infelizmente, por falta de vontade política, até hoje o projeto não foi concretizado. Quando fui vereador e presidente da Câmara, propus a denominação da praça que se situa no trevo da rodovia Ubá-JF-Visconde do Rio Branco como Praça Aquarela do Brasil. Lá, plantamos ‘um coqueiro que dá coco’ e colocamos um monumento com a imagem em aço da Bandeira do Brasil e de um ‘mulato inzoneiro’. O espaço foi inaugurado por seu filho Flávio Rubens (já falecido)”, revela.

Gasparoni, que é amigo da família Barroso mas não chegou a conhecer o compositor e cronista, acrescenta que o relacionamento de Ary com Ubá foi muito profundo, mas ele se reservava o direito de ir à terra natal meio escondido. “Ficava em companhia dos amigos fechando todos os bares. Soube que ele era muito positivo e, se tinha que falar, ouvia quem quisesse. Ele falava o que pensava! Ubá ama e admira seu mais ilustre filho. No exterior, quando se fala em Brasil, toca-se Aquarela do Brasil. E isso nos orgulha, pois o mundo sabe que ele nasceu aqui”, celebra.

 

 

 

Ary Barroso em 10 tempos

 


Álbum de família
Ary Barroso ao lado da esposa, Ivonne, e dos netos Kátia, Ricardo e Márcio; casarão de três andares abrigava toda a família (foto: Álbum de família)
» Depois que ficou órfão, aos 7 anos, Ary Barroso foi criado por uma tia-avó, que queria torná-lo pianista de concerto ou padre. Por isso, o obrigava a estudar três horas de piano por dia. Ele costumava dizer que eram as três horas mais terríveis do dia.


» Ary Barroso demorou nove anos para se formar em direito e nunca trabalhou na área.


» Compôs Aquarela do Brasil, considerada o segundo hino nacional, numa noite do início de 1939. Quando a criou, chovia torrencialmente no Rio de Janeiro e Ary não pôde sair de casa, como fazia sempre. Na mesma noite, ele fez também a valsa Três lágrimas.


» Quem tornou a música conhecida nos Estados Unidos foi Walt Disney. Em inglês, o título de Aquarela do Brasil ficou apenas Brazil. Suas músicas também ficaram muito conhecidas na voz de Carmem Miranda. O sucesso lhe rendeu um convite de Disney para musicar o filme Você já foi à Bahia?


» O compositor foi eleito vereador pela União Democrática Nacional (UDN) em 1946, tendo recebido a segunda maior votação do Rio de Janeiro, então capital da República, ficando atrás apenas de Carlos Lacerda. O vereador mostrou visão ao propor, ainda em 1949, a criação da coleta seletiva de lixo na cidade e foi autor de manobras que foram decisivas na escolha do Maracanã como região para abrigar a construção do estádio de futebol.


» Ary Barroso ficou também famoso como locutor esportivo. Toda vez que o Flamengo, seu time de coração, marcava um gol, ele tocava uma gaitinha. Se fosse o adversário, ele virava-se de costas e dizia aos ouvintes: “Não vou nem olhar!”


» Numa viagem à Argentina, em 1937, para transmitir os jogos do Campeonato Sul-Americano de Futebol, foi protagonista de um fato que se tornou conhecido. Torcendo para o time rubro-negro mais do que narrando a partida, chegou a largar o microfone para incentivar os jogadores e cedeu sua gravata para que um jogador machucado a usasse como tipoóia. Outro fato de sua carreira como locutor esportivo se deu no ano seguinte porque, como ele era proibido de entrar no estádio do Vasco da Gama, chegou a transmitir o jogo do telhado, usando um binóculo.


» Como sabia que era bom compositor, Ary Barroso não hesitava em mudar a letra de canções compostas por outros artistas. Fez assim com Na virada da montanha, de Lamartine Babo. O resultado foi o sucesso No rancho fundo.


» Em 1940, Aquarela do Brasil não chegou a ficar entre as finalistas de concurso de sambas para o carnaval, cujo júri era presidido por Heitor Villa-Lobos. Por causa disso, Ary Barroso cortou relações com o maestro, só retomadas 15 anos depois, quando os dois receberam a Comanda Nacional do Mérito.


» Sua defesa dos direitos autorais dos compositores lhe rendeu boicote por parte da Ordem dos Músicos do Brasil, que ameaçou proibir a execução de suas composições.

Fonte: Guia dos curiosos.

 

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