Sem gravar material novo em estúdio desde 2009, Reznor resgatou seu Nine Inch Nails do limbo onde hibernava para confrontar seu público com Hesitation marks (Null Corporation/Universal). Se para fãs de primeira hora a audição apressada do novo registro pode sugerir uma rendição de Reznor a um conformismo comercial quase pop, Hesitation marks haverá de soar aos mais atentos como uma espécie de revisitação – ainda que mais reflexiva e densa – ao universo infernal descortinado há quase 10 anos pelo artista em sua tresloucada obra-prima The downward spiral.
Embora a nova formação do NIN inclua instrumentistas famosos como Pino Palladino (baixista que já tocou com The Who, Jeff Beck, David Gilmour, J. J. Cale e Eric Clapton, entre outros) e os guitar-heroes Lindsay Buckingham (mais conhecido pelo serviço prestado ao Fleetwood Mac, o mesmo também emprestou seus riffs a neófitos como o indie-folk Vetiver, o pós-grunge Tantric e ao sludge/doom metal do Electric Wizard) e Adrian Belew (ex-Talking Heads, ex-King Crimson, ex-Frank Zappa), que ninguém se iluda que este é um grupo de rock convencional. NIN sempre foi – e continua a ser – uma banda-de-um-homem-só; o projeto solitário por meio do qual o totalitário Trent Reznor libera seus demônios e toda sorte de bizarras entidades biomórficas que se escondem nos pontos mais recônditos de seu inconsciente.
Mesmo elaborado com requintes tecnológicos de áudio state-of-theart no intuito de criar a ambiência de um futuro distópico, Hesitation marks não deixa de inquietar e nos assombrar com vislumbres dantescos como os de Come back hunted. Neste funk-psych-rock esquisitão, mas imperativamente dançante, seu descrente protagonista tem o azar de bater frente a frente com o Senhor das moscas; a mesma pestilenta entidade que o universo católico teme sob o nome Belzebu.
Aplicativo
Já em Copy of a – no qual ele de certa forma retoma o sarcástico aplicativo que David Bowie criou para qualquer um servir de rosto ao “anti-hero(es)” da capa do apocalíptico The next day – Reznor cria um redemoinho propulsionado a synths e percussão tribal, que eleva ao cubo a sonoridade do finado LCD System, e, en passant, forja uma réplica de si próprio – só para aplacar a sanha daquilo que o público em geral espera que ele venha a ser. E para quem teima em reclamar da sonoridade “demasiadamente frouxa” do novo NIN, sugiro a dinâmica das frequências que torna In two progressivamente ensurdecedora. Ou, quem sabe, a reapropriação que Reznor fez das mutilações glitch – ao final dos anos 90, definida como “a estética da falha” – na ruidosamente mórbida Various methods of escape.
Pop? Bem, se alguém se dignar a ouvir de novo o referencial Pretty hate machine, álbum que assinalou a estreia em CD do NIN, o que dizer dos refrões ganchudos, das estruturações versos-melodia e batidas altamente dançantes presentes em Head like a hole, Down on it ou Sin? Portanto, amantes da rigor mortis ou da catatonia cérica, tratem logo de eleger outro ídolo “radical” para sua veneração estanque.
Trentor Reznor resgata projeto notável e lança disco inédito após quatro anos
Multi-instrumentista traz de volta seu trabalho Nine Inch Nails, com primeiro disco de inéditas desde 2009. 'Hesitation marks' tem pegada pop, mas não abandona a densidade musical
No cenário eletrônico pós-contemporâneo, niilismo ainda serve de sinônimo para Trent Reznor. Desde que emergiu das vielas mais infectas de Nova Orleans para brutalizar tímpanos alheios com a música mais abrasiva e furiosa que se fez ouvir durante a década de 1990, esse multi-instrumentista e seu projeto Nine Inch Nails se notabilizaram por extravasar temas – em aclimatações sônicas techno-thrash-industriais de puro pesadelo – sobre sofrimento, dor, suicídio e confusão mental e brutalidade de natureza paroxística. De acordo, não foram poucos aqueles que enxergaram nele a encarnação rocker do alucinado e perversamente subversivo poeta uruguaio Lautreámont.