Grupo no Carlos Prates aposta no espírito coletivo para arejar produção cultural e viabilizar trabalhos

Moradores da Casa Azul dividem projetos e despesas do dia a dia

por Ailton Magioli 07/07/2013 00:13

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Maria Tereza Correia/EM/D.A PRESS
Moradores da Casa Azul e artistas com afinidades com o projeto criaram de festivais de música a ações de caráter político e cultural (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A PRESS )

A aparência simples, com a pintura desgastada pelo tempo, a princípio não revela que o sobrado de oito cômodos e um barracão, provavelmente construído entre as décadas de 1950 e 60, no Bairro Carlos Prates, abriga um coletivo artístico-cultural. Batizado de Casa Azul, diante da cor de portas e janelas, o imóvel abriga estúdio de ensaios e gravações e uma oficina de instrumentos musicais, além de projetos e sonhos de uma juventude assumidamente engajada na renovação da cena musical belo-horizontina.

O Festival Palavra Som, que já teve duas edições na Praça Floriano Peixoto, em Santa Efigênia, por exemplo, nasceu ali. Assim como a Mostra Cantautores e a Amostra Nua de Autoras (ANA). Paralelamente à criação de uma república, o cantor, compositor e violonista Leandro César buscava um local que pudesse abrigar algo mais, diante da carência de espaços para os ensaios dos grupos Urucum na Cara e Diapasão. Resultado: além da montagem de uma residência em si, com direito inclusive a cozinha, de imediato o músico começou a promover vaquinhas para a compra de material visando o isolamento e tratamento acústico do maior quarto, no andar superior.

No estúdio já foram gravados integralmente cinco discos, além de feita a pré-produção de outros quatro, enquanto mais três estão no mesmo estágio atualmente. “O primeiro gravado aqui foi Flores maçãs, de Paulo César Anjinho. Era pouca estrutura de equipamento e de conhecimento. Fizemos tudo com uma placa de som de dois canais e um único microfone”, recorda Leandro César, morador fixo da Casa Azul, ao lado do também cantor e compositor Gustavo Amaral, o Gustavito, do violonista Thiago Braz e do videoartista Marco Antônio Gonçalves, que, coincidentemente, trabalha no também coletivo Laboratório Filmes. Se os moradores da Casa Azul são apenas quatro, os visitantes são em número cada dia maior.

 “O Palavra Som, que explora a estética da canção, foi todo feito com grupos que circulam por aqui”, ressalta a cantora e multi-instrumentista Irene Bertachini, cujo recém-lançado Irene preta, Irene boa passa obrigatoriamente pelo coletivo, com o qual mantém intensa relação “A Casa Azul é mais que é um estúdio. É um ponto de encontro da cena musical de BH”, constata a jovem cantora, ressaltando que as reuniões para a criação do festival Palavra Som e da Mostra Cantautores foram realizadas no espaço. “A Amostra Nua de Autoras (ANA) também foi concebida na Casa Azul, um espaço fértil de criação, sempre aberto para as pessoas que precisam ensaiar”, repara Irene Bertachini.

ARTE E CAFÉ Apesar de próximo da região central da capital, o preço não revelado do aluguel do imóvel, que ultrapassa R$ 1 mil, é considerado baixo pelos moradores da Casa Azul, diante da forma coletiva de pagamento. “Nós, moradores, pagamos uma porcentagem, enquanto a outra parte fica por conta dos que compartilham do estúdio”, revela Leandro César, acrescentando à relação jovens músicos e artistas como Rafael Dutra, Felipe José e Cristiano Souza, além da própria Irene, entre outros.

“Há uma planilha com todos os custos da casa”, afirma Leandro. Ele lembra que, apesar do caráter cultural do espaço, a Casa Azul é uma residência normal, na qual os moradores cozinham, tomam banho e fazem café. Eventos como pré-estreias, saraus e ensaios são uma constante no imóvel do Carlos Prates, onde, para não haver conflitos, tenta-se manter uma agenda virtual, “bem organizada quanto ao horário”, de acordo com os moradores. “A demanda é respeitada e tem ainda as prioridades”, reconhece Leandro César.

Gustavo Amaral, o Gustavito, faz questão de ressaltar que, se por um lado no início ninguém vivia da música, hoje esta é uma realidade no coletivo, que acaba funcionando como estímulo para todos ficarem no clima e na frequência, sintonizados com o que ocorre na cidade. “Desde movimentos sociais, como a Praia da Estação e o Ocupa Câmara, até blocos responsáveis pelo renascimento do carnaval de rua de Belo Horizonte”, frisa o cantor e compositor.

Na Casa Azul, de acordo com Gustavito, todos acreditam na música livre. “O nosso potencial criativo não está amarrado a nenhum rótulo. Acreditamos na música como algo que não é convencional.” Na opinião do artista, há um diferencial no coletivo, porque, por mais que ele tenha surgido da necessidade de ensaios de grupos, isto se desdobrou em variadas ações.

A essência de tudo, no entanto, como faz questão de lembrar Gustavito, está na amizade. “Tanto a estrutura dos grupos quanto a da casa são muito pautadas pela amizade”, conclui. Apesar de ainda não terem uma interlocução, a relação com a vizinhança também é muito boa.


Dos modernistas aos Novos Baianos

No Brasil, os coletivos remontam aos anos 1920, quando artistas como Oswald de Andrade lideravam o Movimento Antropofágico, ao lado de escritores como Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado. Depois vieram os concretistas, os neoconcretos, Grupo Rex, A Moreninha, 3 Nós 3 e Tupi não dá, entre outros. Já nos anos 1970, quem deu uma lição de coletividade foram os músicos do grupo Novos Baianos, que, ao trocarem Salvador pelo Rio, resolveram morar todos juntos em um apartamento de quatro cômodos, o que contribuiu para o grande entrosamento dos músicos.

Formado por Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Baby Consuelo, graças ao espírito hippie de então, o grupo acabou alugando sítio no subúrbio de Jacarepaguá, apelidado de Sítio do Vovô, onde viviam de forma quase anárquica, em plena ditadura militar. Hoje, em Belo Horizonte, há até coletivos virtuais, como é o Kasa Vazia – Galeria de Arte Itinerante, que promove ocupações e exposições de arte em imóveis abandonados, tudo combinado via internet. Internacionalmente reconhecido, o artista Paulo Nazareth foi um dos integrantes do grupo.

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