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Cacau e Tonho, os garotos da capa do disco Clube da Esquina, relembram a infância na roça

Hoje, um é "recompositor". O outro já foi jardineiro da casa de Dorival Caymmi

Ana Clara Brant
Antônio Carlos Rosa de Oliveira (Cacau) e José Antônio Rimes (Tonho) voltam à região onde foram fotografados para a capa do disco famoso - Foto: Fotos: Túlio Santos/EM/D.A Press

Filho do branco e do preto/ Correndo pela estrada atrás de passarinho/ Pela plantação adentro/ Crescendo os dois meninos/ Sempre pequeninos”. Os versos da canção Morro velho, composta por Milton Nascimento em 1967, cinco anos antes do lançamento do disco Clube da Esquina, não estão no álbum duplo, que completa 40 anos este mês. Mas fazem lembrar a história dos dois garotos que ilustram a capa do antológico LP, cuja identidade foi revelada ontem, com exclusividade, pelo Estado de Minas.

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José Antônio Rimes, o Tonho, de 47 anos, trabalha em um supermercado em Nova Friburgo, na Região Serrana fluminense. Pode parecer ironia do destino: ele diz ocupar o posto de recompositor. Antônio Carlos Rosa de Oliveira, o Cacau, de 48, é jardineiro e pintor em Rio das Ostras, na Região dos Lagos. Pode parecer ironia do destino: ele já cuidou do jardim de Dorival Caymmi.

Os dois percorreram as estradas de terra da região onde nasceram e viveram, na zona rural friburguense, a pedido da reportagem. “Isso aqui acabou. Como tá diferente.
Nossa, só vocês mesmo pra me trazerem aqui. Esse lugar era bonito demais, estou até meio decepcionado”, lamenta Cacau, que não andava por aquelas bandas há 25 anos.

Entre pó, poeira e o mato que tomam conta do Rio Grande de Cima, região onde passaram boa parte da vida, os dois relembraram causos. Mostraram onde costumavam brincar – o campinho de futebol foi invadido por uma plantação – e se emocionaram algumas vezes. Um dos momentos especiais foi a visita à Escola Municipal Luiz Mendes de Moraes Netto, onde eram colegas de turma.

Tonho e Cacau (ao fundo) na Escola Municipal Luiz Mendes de Moraes Netto - Foto: Fotos: Túlio Santos/EM/D.A Press

“O Tonho estudava mesmo, eu só ia merendar. Minha mãe, dona Zilda, trabalhava como merendeira aqui. Confesso: queria voltar a estudar. Não sei ler, só sei escrever meu nome”, revela Cacau. O amigo, que só fez até a 4ª série, também tem vontade de voltar à sala de aula. “A vida era muito difícil, mas isso aqui era muito bom. Dá saudade. Queria completar os estudos, mas não tenho tempo. Trabalho o dia todo, preciso cuidar da família”, diz Tonho, com lágrimas nos olhos.

Um aspecto interessante sobre a dupla é como a foto tirada por Cafi em 1971 conseguiu retratar a personalidade de cada um. Na capa do disco Clube da Esquina, Tonho aparece sorrindo, com cara de levado, pés descalços, calça arregaçada e sujo de terra.
Cacau, de ar desconfiado, usa Conga azul, presente da mãe, e casaco por cima da camiseta dobrada sobre os punhos. “Sempre fui friento. Gostava de roupas maiores, mais jeitosas”, lembra o jardineiro. Até hoje, a maneira de vestir dos “garotos” é a mesma, assim como o comportamento. Tonho é expansivo, alegre, bem molecão e adora contar um causo. Cacau fica na dele: reservado, chega a ser um pouco enigmático. Tem o mesmo semblante sério daquele eternizado por Cafi na famosa capa de disco. “Sou muito bicho do mato. Nem sei como estou aqui falando tanto com vocês”, revela.

Até as preferências musicais são distintas. Tonho não conhece nada do pessoal do Clube da Esquina.
Curte mesmo é Roberto Carlos, algo de Cauby Peixoto, Maria Bethânia e, principalmente, forró e sertanejo. “Lá em casa é cheio de disco de música caipira. Adoro Zezé di Camargo & Luciano e Calcinha Preta”, frisa. Por sua vez, Cacau prefere MPB e música instrumental. “Meus parentes falam que sou todo errado. Eles gostam de samba, carnaval, sertanejo, axé e do Flamengo. Por causa da minha irmã mais velha, gosto é de Elis Regina, Milton Nascimento, Caetano Veloso e do Botafogo. No máximo, escuto o Fundo de Quintal”, revela.

Baiano
Outro músico que Cacau passou a admirar é Dorival Caymmi. Curiosamente, enquanto observava o LP Clube da Esquina, reparou que havia uma foto do baiano no encarte. “Este aqui é o Dorival? Trabalhei na casa dele, em Rio das Ostras, cuidava do jardim. Gostava muito dele, lá sempre ouvia música boa”, comenta.

Nenhum dos dois conhece Minas, mas Tonho tem raízes nas Gerais. Os avós maternos e a mãe, Aparecida Portela Rimes, de 69 anos, nasceram em Porto Novo do Cunha, lugarejo em Além Paraíba. Para amigos, Cacau tem jeitão de mineiro. “Acham que sou de Minas, porque sou muito na minha, caladão. Mas a minha mãe jura de pé junto que a gente não tem nenhum parentesco por lá”, garante Antônio Carlos.

Ao recordar a infância, Tonho diz que gostaria de rever toda a vizinhança. “A vida era dura demais, mas a gente tinha muita liberdade aqui. Brincava e corria pra todo canto. Eu gostava muito de ficar mexendo nos carros, desmontando as peças”, destaca. Enfático, Cacau filosofa: “Era difícil, sim. Mas a gente ainda não sabia da bagunça que era o mundo. Sinto falta do silêncio do mato, dos rios. Busco o silêncio”.

Perfil
» Antônio Carlos Rosa de Oliveira, de 48 anos
Jardineiro e pintor em Rio das Ostras (RJ). Conhecido como Cacau, é botafoguense roxo e solteiro, mas se diz “um apaixonado”. É o quarto dos sete filhos de Zilda Correia de Oliveira, de 78 anos, e de Manuel Martins de Oliveira, o Caxinxa, já falecido – ambos de Bom Jardim (RJ). Gosta de ouvir o silêncio e de música, além de assistir e jogar futebol.

» José Antônio Rimes, de 47 anos
Funcionário de uma rede de supermercados em Nova Friburgo. Trabalha das 6h às 18h, de segunda a sexta-feira. Conhecido como Tonho, Zezinho ou Pé de Pano, é flamenguista doente e casado com Raísa, de 19 anos, com quem tem duas filhas: Isadora, de 1 ano e 8 meses, e Isabelle, 2 meses. Terceiro de cinco irmãos, é filho de Aparecida Portela Rimes, de 69 – mineira de Porto Novo da Cunha, lugarejo em Além Paraíba –, e de Laerte Rimes, já falecido, natural de Nova Friburgo. Gosta de futebol, de jogar sinuca, de encontrar com os amigos para tomar cerveja e de ficar com a mulher e as filhas..