Irmãos inventam e produzem instrumentos feitos com materiais como bambu, cabaça e cerâmica

Fábio e Daniel Menighin criam as peças, que são acopladas a tubos de plástico e luvas cirúrgicas

por Eduardo Tristão Girão 25/10/2011 08:24

Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Daniel Menighin com o inusitado aeromembranofone: mecânica que lembra a gaita de foles (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
São João del-Rei – Se Daniel não usasse barba e cabelo maiores, seria praticamente idêntico a Fábio Menighin, já que usam óculos quase iguais. Não bastasse as coincidências físicas por serem gêmeos, os dois são músicos e constroem exclusivamente instrumentos de sopro. Cada um na sua linha, mas pesquisando e trabalhando juntos em São João del-Rei (região do Campo das Vertentes), aproveitando as descobertas e aperfeiçoamentos um do outro. No entanto, “instrumento de sopro” é uma expressão muito vaga se levado em conta o grau de experimentação a que chegaram com suas surpreendentes flautas e ocarinas. Um trabalho especial e ainda a ser descoberto. Conheça os instrumentos! Adeptos de materiais naturais, como bambu, cabaça e barro, os irmãos de 28 anos desenvolvem instrumentos de formato inusitado e sonoridade muito especial. Enquanto Fábio se concentra em modelos mais tradicionais e étnicos (flauta transversal de bambu, ocarinas, bansuri indiano), Daniel se aventura no desenvolvimento de itens como uma ocarina feita com três cabaças interligadas, batizada de paimu, e a mafuma, flauta quádrupla que reproduz o apito da Maria-fumaça (que inspira o nome do instrumento), utilizando cabaça e bambu. E eles não param por aí. Por trás dos belos sons há muito estudo. Ao mostrar como cada instrumento é feito, fica evidente como sabem se valer das experiências com os materiais, cálculos e ferramentas para progredir no ofício da lutheria. Os erros ajudam a tornar cada vez melhores os sopros e os acertos não apenas reforçam a qualidade do trabalho no mercado, mas abrem novas possibilidades para experimentar. Assim chegaram ao flautão de além-mar, por exemplo: comprida flauta de bambu com sonoridade próxima à de instrumentos orientais e que permite reproduzir todas as 12 notas da escala cromática (ocidental).
Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Fábio tratando bambu com maçarico: resina proveniente do calor ajuda no preparo do material (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Andes
“Cada instrumento parece ter sua própria música”, afirma Fábio, que ensinou ao irmão os princípios da construção de flautas. Nascidos em Barbacena, cidade próxima a São João del-Rei, eles não têm músicos profissionais na família, mas se interessam por som desde crianças. Ganharam violão e teclado de uma avó e estudaram música até os 13 anos. Tiveram banda de pop e rock na adolescência e, pouco mais tarde, um trio instrumental. Aos 20 anos, Fábio se interessou pelo som das flautas andinas. “Já não queria mais tocar rock e procurava algo para me satisfazer musicalmente”, lembra. Nessa época, a mãe trouxe para ele uma flauta comprada numa feira. “Meio desafinada, mas gostei”, conta Fábio, então estudante de filosofia. Foi então que ele decidiu montar um ateliê improvisado em casa com um botijão de gás, maçarico e algumas ferramentas. Daniel, que havia iniciado o curso de educação musical na Universidade Federal de São João del-Rei, logo se juntou a ele. “Piano, naquela época, já não era muito o que eu queria. Tínhamos interesse por culturas indígenas e aproveitei o conhecimento do Fábio”, relata Daniel. “Houve preconceito por parte da nossa família. Apesar de motivados, não sabíamos onde isso daria. Batemos nessa tecla e resolveram nos apoiar”, diz Fábio. Aliando prática e observação às conversas com músicos bolivianos e peruanos que passavam pela região, deram partida na produção. De 2003 a 2009, dedicaram-se ao aperfeiçoamento dos instrumentos. São muito os fatores que influenciam na qualidade da afinação e Fábio decidiu fazer um curso de flauta transversal no Conservatório Municipal Heitor Villa-Lobos, em Barbacena. Por aí Pouco a pouco, os sopros dos irmãos Menighin ganham adeptos. Montaram um site (raiarkaypora.blogspot.com) há cerca de dois meses para comercializar alguns instrumentos. Em média, são quatro encomendas por semana. Do pedido à chegada da peça na casa do freguês geralmente são 15 dias. “Já vendemos para gente de Santa Catarina e estados do Nordeste, como Ceará. São Paulo e Rio de Janeiro são os estados de onde vêm mais pedidos. Minas Gerais é para onde menos vendemos até o momento”, conta Fábio. Flautas de bambu transversais são os itens mais pedidos. Eles têm um disco lançado, Raiar (2009), com composições próprias interpretadas em instrumentos andinos construídos no próprio ateliê. No momento, a oficina ocupa pequeno espaço no casarão onde funciona o Centro Cultural da Orquestra Popular Livre. Por falar em orquestra, Daniel e Fábio estão montando a sua própria, mas só com flautas. Já são 15 integrantes e há intenção de abri-la à participação de crianças carentes da região. E ainda é preciso sobrar tempo para andanças pelas estradas e matas da região, de onde retiram o bambu.

 

Aeromembranofone

Duo de flautas dos irmãos Menighin

Flauteado cabloco
Fujara de PVC
Ocarina de cabaça grave
Ocarina dupla de cabaça

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