Vivida, no melhor sentido do termo, a estilista Graça Ottoni esbanja habilidade criativa no território da moda. Tanto que é reconhecida desde a década de 1980 por revestir de expressão singular os tecidos, mesmo aqueles pouco valorizados pelo mercado. Desde então, lança a cada temporada coleções repletas de identidade, peças construídas a partir de processos realmente manuais que envolvem desde identificar o tecido de melhor caimento até transformá-lo em algo totalmente novo a partir de intervenções que envolvem tingimento, bordados, aplicações. “No início da carreira, transformava tecidos de segunda linha como carne seca, faillet e até pano de saco alvejado em batas, calças e vestidos”, lembra.
De lá para cá, levou a grife de mesmo nome ao Olimpo fashion, desfilou em 10 edições do já extinto Fashion Rio, participou de feiras de lançamento para o atacado, consagrou sua assinatura entre os estilistas mais inventivos do país. Chegou a ter 70 funcionários diretos. Percorreu com fôlego de atleta a maratona imposta pelo ritmo frenético da moda. Quando os dois filhos, Pedro e João, deixaram a empresa para seguir rumos próprios, Graça fez uma pausa e percebeu que o momento pedia uma reinvenção. Decidiu encerrar as vendas de atacado e voltar as atenções para uma proposta de produção mais suave, totalmente dedicada ao consumidor final, à venda de varejo.
Curadoria de inverno Desde 2012, Graça vem implementando o no novo formato. A produção desenvolvida no ateliê ainda é diversificada, cerca de 110 modelos diferentes por temporada, todos disponíveis em loja própria, no Bairro de Lourdes. Mas vai além: a esta produção, que corresponde a cerca de 50% do estoque, ela acrescenta peças de grifes que acompanha, gosta, que têm a ver com o estilo e proposta estética que aprecia. “Faço uma curadoria, elegendo marcas de vestuário, bolsas, calçados e bijuterias contemporâneas. Compro das marcas e disponibilizo aqui, até para oferecer à cliente possibilidades para uma produção. Essa oferta compõe os outros 50% do estoque”.
Na linha própria, que chama de especial, Graça se permite o prazer de trabalhar com tecidos naturais como seda, linho, algodão, os prediletos. “Investir em um tecido de qualidade já é meio caminho andado para o sucesso de uma coleção”, justifica. No entanto, adora percorrer prateleiras esquecidas nos estoques de tecidos, num garimpagem que ela chama de “achar peças inca” (brincando com o termo encalhado), valorizando uma potência criativa da matéria-prima que nem todo mundo enxerga, ou conhece.
Sem determinar um tema específico para as coleções, conta que acessa um arquivo de imagens que vai colecionando ao longo do tempo, tanto atuais quanto históricos, clássicos. Também analisa a oferta de tecidos, assiste a desfiles e percorre o ilimitado universo da Internet, campo vasto em que navega com frequência e curiosidade. Ela revela ainda que aposta em modelagens de base clássica, e modifica os modelos ao sabor das tendências, ouvindo com atenção as demandas do público, mulheres de faixa etária ampla, que valorizam o aspecto diferenciado da moda artesanal.
Neste inverno, a estilista aposta principalmente em sobreposições de texturas variadas. Trabalhou cores neutras como preto e cinza, ousou em aceso tom de açafrão, e pincelou drama em peças totalmente vermelhas. “ As texturas são importantíssimas, enriquecem a roupa, inspiram composições”, detalha. Entre os tecidos, os clássicos de fibra natural, além de malhas de algodão, modal e um “inca” de trama flanelada, dupla face.