Moda engajada: da sala de aula para as passarelas

Turma do 24º Fumec Forma Moda apresenta coleções que são a cara dos novos tempos, com peças criadas em processos manuais, carregadas de críticas sociais, apelo inclusivo, sustentável e autoral

por Laura Valente 19/12/2016 22:30

Fernando Biagioni/Divulgação
Entre as coleções criadas pelos formandos, houve apostas em conceitos caros à realidade fashion atual, como o genderless (ou sem gênero definido) (foto: Fernando Biagioni/Divulgação)

Nada melhor para projetar o futuro da moda do que observar o comportamento e os processos produtivos de jovens criadores. Pois o desfile de formatura do curso de Design de Moda da Fumec funciona como uma mostra de perspectivas. Isso porque revela o que estão pensando os profissionais que chegam ao mercado frescos, ainda sem amarras, contratos ou briefing de coleções. Os projetos apresentados envolveram desfiles, exposição, um documentário e um editorial.


Em um bate-papo pré-apresentação, Antônio Fernando Batista dos Santos, coordenador da graduação, descreveu o que mais chama a atenção na produção do grupo. “Ao mesmo tempo em que esses jovens olham para o futuro e propõem conceitos contemporâneos, há uma preocupação geral com detalhes, requintes e acabamentos – muitos deles originários de antigos processos de produção manuais, incluindo a tecelagem -, além de um olhar que busca agradar ao consumidor particularmente. Alguma especificidade que objetiva emocionar. Cada um trabalhou isso em um sentido.Também chama a atenção a preocupação com a sustentabilidade dos processos produtivos da moda”, resume.

Conexões com o real Entre as coleções criadas pelos formandos, houve apostas em conceitos caros à realidade fashion atual, como o genderless (ou sem gênero definido), minimalismo x maximalismo, mistura de matérias-primas, estética oversized, experimentações e ressignificações, além de críticas ao establishment e mesmo a posturas e valores que se fazem presentes pós- revolução tecnológica. Mariana Lucchesi, por exemplo, criou uma coleção “liberta de estereótipos”, uma alfinetada em quem ainda insiste em dividir e segmentar o mundo em masculino e feminino. Mariana Costa retratou a relação do corpo do morador de rua com o espaço urbano (inspirada em fotografias de Lee Jeffries) e usou matéria-prima nada convencional como sombritte. Camila Jeunon vestiu uma mulher no estilo Don Juan, que usa a roupa como arma de sedução. Olivia Curty apostou no contraste de materiais para criar texturas exclusivas. Bárbara Maldonado lançou grife própria, a Maldô, com foco no efeito trompe – l’oeil (que causa uma ilusão de ótica), além de mostrar coleção de calçados cujo conceito é “explorar formas que não existem e romper limites entre imagem e realidade”. Ana Luíza Faria, única representante do segmento moda praia do grupo, desenvolveu modelos adequados para cada tipo de corpo, discutindo os padrões de beleza vigentes.

 

Fernando Biagioni/Divulgação
Os projetos apresentados envolveram desfiles, exposição, um documentário e um editorial. (foto: Fernando Biagioni/Divulgação)

A preocupação com a sustentabilidade funcionou como fio condutor da coleção de Letícia Reis. Ela busca despertar uma mentalidade mais consciente com soluções que objetivam reduzir o impacto na indústria produtiva. Para tanto, retramou linhas descartadas e tiras de refugo têxteis desenvolvendo os tecidos manualmente. Victória Brasil também visa o consumo consciente e criou coleção que traz, entre alternativa ecológica, o tingimento de tecidos naturais como linho e seda a partir de flores, plantas e sementes. Traços orgânicos representam diferencial de Rafael Rêgo, que também trabalhou ilustrações científicas em nanquim sobre modelos em organza e zibeline, diferenciados ainda por zíperes e plissados Maria Dacal revisita o passado, as memórias e lembranças sobre uma ótica contemporânea, e propõe uma regeneração dos estilos, valorizando as origens e buscando peças com conteúdo emocional. Com isso, a coleção é baseada inteiramente no trabalho manual, em tecidos tramados no tear com lã e algodão puros, detalhes em tricô e texturas variadas..

 

Arte aplicada 

 

Processos de mutação foram retratados pela formanda Clara Andrade num desejo de criticar a exclusão. Para tanto criou construções rígidas em contraponto a estruturas delicadas, com perfurações orgânicas e propostas de ressignificação. Carla Amorminio abordou o caos, a urbanização desordenada, o emaranhado da psiquê e também propôs shapes conflitantes e mistura de tecidos: seda pura, tule illusion, renda guipiuere e plástico. Jéssica Hannuzi lançou o olhar sobre o medo da violência tão presente nos centros urbanos, e fez alusão a equipamentos de segurança trabalhando organza, suede e tiras de viés dublado presos por rebites. Raquel Felicetti interpretou a perda e a reconstrução da identidade como processo vivido em situações extremas. Usou couro e tricô. Já Luana Coutinho apontou o tempo como luxo atual e elaborou tecidos manualmente, com atenção para o caimento e o acabamento exclusivos criados por meio de dedicação num processo delicado. Também versou sobre o tempo Paula Lopes, com coleção que critica a relação frenética das pessoas com a Internet e as redes sociais. Abusou da alfaiataria trabalhada em processos tecnológicos e manuais, com decotes e comprimentos inusitados.


Em meios que conversam literalmente com o universo das artes visuais, Mariana Figueiredo apresentou o documentário Projeto Entranhas – O Corpo Subjetivo, em que retrata indivíduos que utilizam o corpo como território existencial de forma peculiar. Já Raíssa Alves Cunha partiu da pele humana e sua relação com o estigma para desenvolver estampas e texturas orgânicas que compõem a exposição Projeto Vena – Imperfeita Pele Invisível. Natascha Schiavi produziu um editorial.
A concepção do 24º Fumec Forma Moda foi dos professores Antônio Fernando Batista dos Santos, coordenador do curso de Design de Moda, e Rosângela Brandão Mesquita. O arquiteto Alex Rousset assinou o projeto cenográfico; Rodrigo Cezário a direção dos desfiles; Cacá Zech a beleza (cabelos e make up). A produção executiva e a coordenação geral ficaram por conta da Voltz Design, representada por Alessandra Martins.

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