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Moda engajada: da sala de aula para as passarelas

Turma do 24º Fumec Forma Moda apresenta coleções que são a cara dos novos tempos, com peças criadas em processos manuais, carregadas de críticas sociais, apelo inclusivo, sustentável e autoral

Laura Valente

Entre as coleções criadas pelos formandos, houve apostas em conceitos caros à realidade fashion atual, como o genderless (ou sem gênero definido) - Foto: Fernando Biagioni/Divulgação


Nada melhor para projetar o futuro da moda do que observar o comportamento e os processos produtivos de jovens criadores. Pois o desfile de formatura do curso de Design de Moda da Fumec funciona como uma mostra de perspectivas. Isso porque revela o que estão pensando os profissionais que chegam ao mercado frescos, ainda sem amarras, contratos ou briefing de coleções. Os projetos apresentados envolveram desfiles, exposição, um documentário e um editorial.


Em um bate-papo pré-apresentação, Antônio Fernando Batista dos Santos, coordenador da graduação, descreveu o que mais chama a atenção na produção do grupo. “Ao mesmo tempo em que esses jovens olham para o futuro e propõem conceitos contemporâneos, há uma preocupação geral com detalhes, requintes e acabamentos – muitos deles originários de antigos processos de produção manuais, incluindo a tecelagem -, além de um olhar que busca agradar ao consumidor particularmente. Alguma especificidade que objetiva emocionar. Cada um trabalhou isso em um sentido.Também chama a atenção a preocupação com a sustentabilidade dos processos produtivos da moda”, resume.

Conexões com o real Entre as coleções criadas pelos formandos, houve apostas em conceitos caros à realidade fashion atual, como o genderless (ou sem gênero definido), minimalismo x maximalismo, mistura de matérias-primas, estética oversized, experimentações e ressignificações, além de críticas ao establishment e mesmo a posturas e valores que se fazem presentes pós- revolução tecnológica. Mariana Lucchesi, por exemplo, criou uma coleção “liberta de estereótipos”, uma alfinetada em quem ainda insiste em dividir e segmentar o mundo em masculino e feminino.

Mariana Costa retratou a relação do corpo do morador de rua com o espaço urbano (inspirada em fotografias de Lee Jeffries) e usou matéria-prima nada convencional como sombritte. Camila Jeunon vestiu uma mulher no estilo Don Juan, que usa a roupa como arma de sedução. Olivia Curty apostou no contraste de materiais para criar texturas exclusivas. Bárbara Maldonado lançou grife própria, a Maldô, com foco no efeito trompe – l’oeil (que causa uma ilusão de ótica), além de mostrar coleção de calçados cujo conceito é “explorar formas que não existem e romper limites entre imagem e realidade”. Ana Luíza Faria, única representante do segmento moda praia do grupo, desenvolveu modelos adequados para cada tipo de corpo, discutindo os padrões de beleza vigentes.

 

Os projetos apresentados envolveram desfiles, exposição, um documentário e um editorial. - Foto: Fernando Biagioni/Divulgação
A preocupação com a sustentabilidade funcionou como fio condutor da coleção de Letícia Reis. Ela busca despertar uma mentalidade mais consciente com soluções que objetivam reduzir o impacto na indústria produtiva. Para tanto, retramou linhas descartadas e tiras de refugo têxteis desenvolvendo os tecidos manualmente. Victória Brasil também visa o consumo consciente e criou coleção que traz, entre alternativa ecológica, o tingimento de tecidos naturais como linho e seda a partir de flores, plantas e sementes. Traços orgânicos representam diferencial de Rafael Rêgo, que também trabalhou ilustrações científicas em nanquim sobre modelos em organza e zibeline, diferenciados ainda por zíperes e plissados Maria Dacal revisita o passado, as memórias e lembranças sobre uma ótica contemporânea, e propõe uma regeneração dos estilos, valorizando as origens e buscando peças com conteúdo emocional. Com isso, a coleção é baseada inteiramente no trabalho manual, em tecidos tramados no tear com lã e algodão puros, detalhes em tricô e texturas variadas..

 

Arte aplicada 

 

Processos de mutação foram retratados pela formanda Clara Andrade num desejo de criticar a exclusão. Para tanto criou construções rígidas em contraponto a estruturas delicadas, com perfurações orgânicas e propostas de ressignificação. Carla Amorminio abordou o caos, a urbanização desordenada, o emaranhado da psiquê e também propôs shapes conflitantes e mistura de tecidos: seda pura, tule illusion, renda guipiuere e plástico. Jéssica Hannuzi lançou o olhar sobre o medo da violência tão presente nos centros urbanos, e fez alusão a equipamentos de segurança trabalhando organza, suede e tiras de viés dublado presos por rebites.

Raquel Felicetti interpretou a perda e a reconstrução da identidade como processo vivido em situações extremas. Usou couro e tricô. Já Luana Coutinho apontou o tempo como luxo atual e elaborou tecidos manualmente, com atenção para o caimento e o acabamento exclusivos criados por meio de dedicação num processo delicado. Também versou sobre o tempo Paula Lopes, com coleção que critica a relação frenética das pessoas com a Internet e as redes sociais. Abusou da alfaiataria trabalhada em processos tecnológicos e manuais, com decotes e comprimentos inusitados.


Em meios que conversam literalmente com o universo das artes visuais, Mariana Figueiredo apresentou o documentário Projeto Entranhas – O Corpo Subjetivo, em que retrata indivíduos que utilizam o corpo como território existencial de forma peculiar. Já Raíssa Alves Cunha partiu da pele humana e sua relação com o estigma para desenvolver estampas e texturas orgânicas que compõem a exposição Projeto Vena – Imperfeita Pele Invisível. Natascha Schiavi produziu um editorial.
A concepção do 24º Fumec Forma Moda foi dos professores Antônio Fernando Batista dos Santos, coordenador do curso de Design de Moda, e Rosângela Brandão Mesquita. O arquiteto Alex Rousset assinou o projeto cenográfico; Rodrigo Cezário a direção dos desfiles; Cacá Zech a beleza (cabelos e make up). A produção executiva e a coordenação geral ficaram por conta da Voltz Design, representada por Alessandra Martins.

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