'Wilson Baptista: urbano fotográfico' é a primeira publicação da obra do fotógrafo que registrou BH ao longo de 70 anos

Livro será lançado nesta terça (17) no Museu Abílio Barreto

por Márcia Maria Cruz 16/07/2018 10:13

Wilson Batista (1913-2014) trabalhava nos Correios, quando ouviu um estrondo. Na época, a empresa tinha sede no Edifício Sulacap, na Avenida Afonso Pena, com vista para o Viaduto Santa Tereza. O bonde descarrilhou, caindo do viaduto. O desastre atraiu a atenção de populares, que se debruçaram na mureta para ver a cena pouco usual nos idos de 1935.

Wilson Batista/Reprodução
Imagem de 1937: feira de amostras (foto: Wilson Batista/Reprodução )

Entre a multidão, é possível notar homens muito bem alinhados, trajando ternos e chapéus. Ainda se vê o engarrafamento dos carros parados pelo tumulto decorrente do acidente. Ao fundo, a arborização quase nada faz lembrar o Bairro Floresta de hoje.

 

A cena foi registrada pelo olhar do jovem de 21 anos apaixonado pela fotografia, que desceu para saber o que causou o barulho. É uma das centenas de fotos que Wilson produziu de Belo Horizonte, parte delas reunidas no livro Wilson Baptista: urbano fotográfico, organizado por Renata Marquez, Marconi Drummond e o filho de Wilson, Paulo Baptista.

 

A publicação será lançada nesta terça (17), às 17h30, no Museu Histórico Abílio Barreto. “Queremos trazer à luz um precioso acervo. É um processo de reconhecimento do trabalho dele” diz Marconi. Apesar da importância de Wilson Baptista como fotógrafo que acompanhou o processo de transformação urbanística da cidade – e também por todos os prêmios que recebeu em salões de fotografia ao longo da vida –, este livro é a primeira publicação dedicada, exclusivamente, ao seu acervo.

 

Outras publicações, inclusive acadêmicas, trazem fotos de Wilson, mas esse é o primeiro editado somente com suas fotos. Antes de falecer, em 13 de janeiro de 2014, Wilson participou de inúmeras exposições coletivas e individuais. Mais do que o registro de época, algo espetacular por si só, as imagens atestam uma das mais ricas obras da fotografia moderna brasileira. A última exposição em que esteve presente, Escavar o futuro, foi realizada no Palácio das Artes com curadoria de Renata Marques e Felipe Scovino, em 2013. Wilson tinha, então, 99 anos.

Sombra de um homem no Parque Municipal (1935)
Wilson Batista/Reprodução (foto: Sombra de um homem no Parque Municipal (1935))

O acervo de Wilson é de fato um tesouro, com mais de 30 mil negativos, que estão sendo garimpados pelo filho Paulo, Marconi e Renata. São preciosidades que começam a ser reveladas ao público, como a imagem de uma trupe de trapezistas Zugspitzen, que atravessa na corda bamba do Edifício Acaiaca ao do Banco da Lavoura, na Praça Sete. Parte do livro, o espetáculo aéreo fez com que muita gente se deitasse em plena Avenida Afonso Pena para ver os homens suspensos sem qualquer proteção. Numa das imagens selecionadas, Wilson compõe o quadro com os dois equilibristas e as linhas retas que cortam o céu.

Foto de 1945 retrata um amolador na Praça Rio Branco, no centro
Wilson Batista/Reprodução (foto: Foto de 1945 retrata um amolador na Praça Rio Branco, no centro)

A foto registra a grandiosidade do ato em si, mas também resulta do olhar único do fotógrafo, com composições geométricas, bem como o uso estético que faz com o contraste entre luz e sombra. Atento a toda a cena, Wilson não deixou de capturar a reação de quem observava os equilibristas. Numa foto, chama a atenção a mulher sentada no meio-fio, que, sem acreditar no que os homens faziam ou com medo de que algo pudesse ocorrer, cobre os olhos com as mãos.

 

Outra sequência da publicação mostra as obras de abertura da Avenida Amazonas, em 1941. Uma paisagem lunar que nos remete a outro tempo-espaço. As fotos foram solicitadas pelo então prefeito da capital Juscelino Kubitschek. “Encomendas daquele tipo não eram favoritas de Wilson: não pelo fator urgência, mas pelo caráter documental. Estava, desde cedo, mais interessado no que a fotografia podia dar a ver do que na tarefa, diretamente associada ao mecanismo fotográfico de documentar a realidade”, escreve Renata no ensaio que abre a publicação.

 

Já imerso na obra de Wilson para curar outras exposições, Marconi explica que o livro tem como propósito “expandir o trabalho de fotógrafo de tamanha envergadura, que tem a cidade de Belo Horizonte como o centro de sua pesquisa”. O trio está empenhado na organização, conservação física, classificação e criação de inventário cujo acesso possa ser público. Material para quem deseja pesquisar sobre uma Belo Horizonte de outro tempo. Marconi explica que as imagens permitem tanto uma imersão na arquitetura e urbanismo ao longo de décadas como também traz os modos de vida dos moradores da cidade no início do século 20.

 

“Apresenta uma cidade extinta e questionamentos sobre o que queremos dessa cidade. Wilson revela a cidade gentil, de tempo longo, em que as pessoas se encontravam”, diz. Marconi olha para as fotos de Wilson como portais que dão acesso a diversas camadas e permitem estudar a transformação da capital mineira. Paulo recorda que o pai entendia a fotografia como máquina do tempo. “Era uma forma de rever o passado, mas uma cápsula do tempo para o futuro. A imagem serve de referência para os que estão por vir.”

 

Wilson pode acompanhar toda a transformação da fotografia, do processo analógico ao digital. Em 1990, iniciou a digitalização dos negativos. Como era próprio de seu espírito inquieto, fez, ele mesmo, um escâner: usava uma câmara de gravação VHS para gravar as imagens do negativo. Conectou câmera e computador, depois que o filho trouxe dos Estados Unidos um dispositivo, que capturava frame a frame. Conseguiu separar a imagens em quadros e gravá-los no computador. Além de digitalizar, iniciou, ele próprio, o processo de catalogação minuciosa de sua obra: foram digitalizados e catalogados 7 mil negativos.

 

TRAJETÓRIA

Wilson Baptista se formou bacharel em direito, mas nunca exerceu a função como advogado. Atuou como escriturário e servidor público. Tinha na fotografia uma de suas paixões. Como Paulo se recorda, o pai sempre estava com a máquina a tiracolo. “Fotografia foi o passatempo dele que mais perdurou. Fotografou pela primeira vez com uma câmara emprestada do tio.” Modernista, conviveu com artistas, jornalistas e expoentes da cultura belo-horizontina nas décadas de 1930 e 1940. “Meu pai sempre se interessou por desenhos. Ilustrou livros de histórias contadas por ele. Sempre teve ligação estética com a imagem”, diz Paulo, professor de fotografia da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Wilson fundou e foi o primeiro presidente do Foto Clube de Minas Gerais, na década de 1950. Organizou e participou, até meados dos anos 1960, de exposições e de salões nacionais e internacionais de fotografia.

 

WILSON BAPTISTA: URBANO FOTOGRÁFICO Livro de fotografias de Wilson Baptista, organizado ´por Renata Marques, Marconi Drummond e Paulo Baptista. 112 páginas. Lançamento amanhã, às 17h30. Museu Histórico Abílio Barreto (Av. Prudente de Morais, 202, Cidade Jardim, (31) 3277-8572). Informações: mhab.fmc@pbh.gov.br. Entrada franca.

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