Sem habilidade para a luta, investiu no teatro. Levantou-se rapidamente, jogou os cabelos pra trás e uma das pernas de lado, claramente possuída por Lara Croft (personagem icônica do jogo de videogame Tomb Raider). Sem se esquecer da inflexão de diva sobrevivente que a xará fictícia seguramente usaria na mesma situação, coroou a pose com a frase que ganharia, mais tarde, uma dimensão quase filosófica: “Já acabou, Jéssica?”.
VIROU VIRAL A cena foi performada em 16 de novembro em Alto Jequitibá, na Zona da Mata mineira, e ainda está fresca na cabeça de milhões de brasileiros. A fagulha para a viralização, é, claro, foi acesa pela companheira de classe das jovens que, tal qual induz o espírito midiático de sua geração, postou o vídeo da rusga no YouTube, que dali se espalhou com incrível velocidade: horas depois de publicado, o material já conferia à cidadezinha no rumo do Parque Nacional da Serra do Caparaó, onde o último censo do IBGE contou 8.318 habitantes, uma audiência possivelmente jamais registrada em seus 61 anos de existência.
O Twitter, termômetro virtual acurado dos assuntos que pautam rodas de conversa em todo o mundo, foi o primeiro a registrar a quentura do fenômeno. Naquela mesma segunda-feira, o episódio chegou ao primeiro lugar dos trending topics mundiais, e permaneceu na lista durante todo o dia. No Instagram, o viral já conta com mais de 8 mil posts com a hashtag #JáAcabouJéssica e, no Facebook, já nem se contam mais as páginas temáticas criadas com base no viral. A mais popular já ultrapassou 55 mil curtidas.
A mídia tradicional também se rendeu ao caso.
Jéssica é cultura pop
“Foi coisa de adolescente. Talvez tenha passado um pouco da conta. Mas não entendemos porque algo tão banal ficou tão famoso”, questiona Janice Shuab, professora de ciências da Escola Estadual Reverendo Cícero Siqueira, onde as moças estão matriculadas.
De fato, como as imagens de duas garotas se engalfinhando no interior de Minas ganharam o mundo com tanta rapidez é algo que intriga. O pesquisador em cultura digital e professor da Universidade Católica de Pernambuco Fernando Fontanella explica o fenômeno: o burburinho gerado em torno do caso Jéssica precisa ser entendido como elemento da cultura popular específico: o meme.
“Entende-se hoje que cultura não se resume a produtos culturais concretos. Está relacionada à prática das pessoas. Portanto, não é só o livro, o filme, a música, o quadro, a dança – mas a conversa gerada em torno disso tudo, a piada, a imitação, a fantasia usada num evento de cosplay, a paródia criada em cima de uma novela ou filme. O meme compreende justamente essas práticas, esclarece. “A melhor maneira de traduzir o que é, é compará-lo com uma piada de papagaio.
Mas o que faz com que a brincadeira pegue? O segredo está no que Fernando chama de repertório compartilhado. Jéssica e Lara, de acordo com o pesquisador, são ao mesmo tempo figuras locais e universais. “Do contexto brasileiro, é como se todo mundo tivesse um pouco de Lara e um pouco de Jéssica. Ou uma Lara e uma Jéssica na vida. Todo mundo já apanhou e já bateu. Todo mundo já tentou ficar por cima da carne seca depois de tomar uma surra – literal ou simbólica. Todo mundo alguma vez posou de ‘diva’ quando, na verdade, estava apanhando. Então isso gera identificação, conversa, piadas no trabalho, enfim, o que a gente chama de repertório compartilhado”, diz.
De acordo com Fontanella, quanto maior é a tribo que compartilha o repertório do meme e quanto maior sua capacidade de mutação, mais popular e longevo ele será. O elemento, contudo, só faz sentido quando encontra ressonância nas experiências que a gente tem.
Nada disso, contudo, surgiu com a internet. A cultura memética antes abarcava comportamentos particulares ou artefatos culturais, como piadas, rimas, tendências e tradições. A web, no entanto, alterou profundamente essa percepção. “A tecnologia materializa o que antes ficava na conversa. Ela oferece às pessoas, afinal, condição não apenas de publicar conteúdos com facilidade e agilidade – como também a possibilidade de criar e editar vídeos, imagens”, afirma o professor.
BASTIDORES DA CIZÂNIA
O motivo do desentendimento das meninas de Alto Jequitibá foi revelado pela reportagem do Estado de Minas no site Divirta-se em 17 de novembro: Jéssica teria avançado em Lara por ciúme de seu namorado com a garota, de quem, na verdade, é muito amiga, segundo garante a professora Janice. A amizade, felizmente, sobreviveu à briga, que não dá sinais de que se repetirá, já que o colégio é tido pela comunidade como pacífico, e, as meninas, descritas como de personalidade tranquila, sem registros de que são da turma do “te pego lá fora”. A agressividade do episódio é creditada à efervescência dos hormônios, característica da idade. As pazes foram feitas no mesmo dia, numa reunião convocada pela diretoria do colégio a que compareceram as mães das moças e o Conselho Tutelar. Choros, abraços e pedidos de desculpas foram relatados por quem participou do encontro..