Chef paulistana desmistifica o preparo das mais diferentes receitas

Apaixonada pela cozinha, Heloísa Bacellar utiliza o seu dom de ensinar para mostrar que nenhuma receita é tão difícil quanto parece. Tudo depende da disposição para aprender

por Celina Aquino 12/05/2019 12:30
Ana Bacellar/Divulgação
Bolo de fubá (foto: Ana Bacellar/Divulgação )
Na cozinha da Helô, receita tem sempre nome e um adjetivo inspirador. Bife enrolado delicioso, gelatina refrescante de carambola, patê de fígado de galinha bem cremoso, sorvete de baunilha de verdade, bolo de milho bem amarelinho e por aí vai. Essa é a maneira que a chef Heloísa Bacellar encontra de apresentar uma comida simples, que conforta, abraça e acolhe como a de casa. “Isso transmite o meu jeito caloroso de ser e a minha paixão pela cozinha”, diz a paulistana, que comanda o restaurante Lá da Venda e compartilha receitas no site Na cozinha da Helô.

A chef conhece bem as mais complexas técnicas de gastronomia, mas se identifica mesmo com a comida rústica e caseira. Para ela, comer envolve muito afeto. “Brinco sempre que você pode ir a um restaurante para ter uma experiência nova, comer um ingrediente diferente, mas, na vida real, ninguém tem fome de espuma ou outras coisas malucas. Todo mundo tem vontade de comer um pão gostoso ou um feijão delicioso”, defende.

Particularmente, Helô não resiste a um bolo. “Casa com cheiro de bolo é sempre melhor. Faço vários quando estou feliz, ou quando estou triste. Falo que isso para mim é uma meditação ativa”, comenta. O bolo de fubá, da sua querida avó Betty, é a receita que mais representa a sua cozinha, principalmente pela simplicidade. No site, há desde bolo rústico de limão cravo ou bolo perfumado de gengibre para tomar com café até bolo de cenoura ou de cacau e coco fresco para um dia de festa. Os bolos salgados de milho ou cogumelos, espinafre e bacon também são irresistíveis.

Helô se define como uma cozinheira incansável. Na cozinha de casa, os testes parecem não ter fim, ela gosta de fazer “mergulhos intensos” nas receitas. Mesmo que seja um simples bolo de amendoim, não faltam pesquisa na sua biblioteca (que conta com mais de três mil livros) e na internet. “Vou misturando as receitas até chegar a uma versão que acho deliciosa, perfeita, que a pessoa vai comer e achar que corresponde a tudo o que um bolo de amendoim deve ser.” O marido e a filha passaram uma semana inteira comendo purê de batata enquanto ela não se deu por satisfeita.
Ana Bacellar/Divulgação
Suflê de framboesa (foto: Ana Bacellar/Divulgação )

Não existem segredos na cozinha da Helô. A chef se propõe a compartilhar o conhecimento com o máximo de transparência. Dessa forma, as receitas são sempre muito detalhadas, inclusive com o “pulo do gato”. “Procuro explicar tudo, sem esconder nada, para que as pessoas não se sintam frustradas em casa”, pontua. No site, ela derruba a ideia de que confit de pato é um prato de restaurante francês chique, quase impossível de se fazer em casa. Uma das suas dicas para o preparo da carne é colocar uma panela grossa dentro da outra (ou recorrer ao forno) caso a chama do seu fogão seja alta demais.

DISPOSIÇÃO
Um dos esforços da paulistana é desmistificar o ato de cozinhar. Na opinião dela, conseguir ou não fazer uma receita depende da sua disposição para encarar determinado preparo. “Não acredito em receita difícil. Existem receitas que são mais trabalhosas, que vão levar mais tempo, como croissant ou massa folhada da esfirra. Mas, se você respeitar todas as etapas, vai chegar lá”, avisa. Com esse trabalho, ela espera mudar a forma como as pessoas se relacionam com a comida.

No seu primeiro livro, Helô provoca risadas ao escrever que, se o pudim quebrar, não tem motivo para se preocupar. Sirva o doce em taças e todos vão comer de colheradas. “Os chefs mais metidos querem mostrar que tudo sempre dá certo, mas isso acaba afastando o público. Quero me aproximar das pessoas, então deixo claro que na vida real a gente erra, sim”, pontua. Tanto que não se usa nenhum truque nas fotos dos pratos publicadas no site. Tudo o que se vê representa a realidade. Ou seja, a bomba vai aparecer um pouco torta, o sorvete vai derreter e a calda vai escorrer.

Paixão antiga
Equilibrando-se na ponta dos pés, em cima de um banquinho, a menina de seis anos viu todos os ingredientes se transformar em um molho cremoso dentro do liquidificador. Para ela, nada poderia ser mais incrível do que aprender a fazer maionese. “Se fecho os olhos, consigo me lembrar da cremosidade do molho”, conta Helô, que desde cedo vivia grudada na barra da saia da avó materna e sabia de cor as receitas dos dois livros mantidos na gaveta da cozinha. O entusiamo era o mesmo na hora de escolher o feijão do almoço, descascar abacaxi ou forrar as forminhas de empada.

Helô acabou se formando em direito, mas nunca deixou de pesquisar técnicas e receitas por conta própria. Depois de casada, ela teve a oportunidade de passar um ano na França com o marido e aproveitou para fazer um curso na Le Cordon Bleu. A experiência serviu para confirmar a sua paixão pela cozinha e descobrir o dom de ensinar. Com inglês e francês fluentes, a brasileira ajudava norte-americanas e japonesas a entender o conteúdo das aulas. “Na hora do intervalo, juntava um monte de gente na pracinha do lado da escola e explicava tudo”, relembra.

De volta ao Brasil, Helô inovou ao abrir o Ateliê Gourmand, que dava aulas para amadores de um jeito inédito: os alunos cozinhavam junto com o chef. Hoje, ela está à frente do Lá da Venda, em São Paulo, que, além de ser restaurante, tem a mesma proposta dos armazéns antigos, e do site Na cozinha da Helô, onde compartilha as suas experiências na cozinha. Ainda este mês, a paulistana pretende lançar um livro em que falará sobre as cinco regiões do Brasil, com histórias, hábitos gastronômicos dos nativos e, claro, receitas com o passo a passo completo.

Parece até pouco para uma mente tão inquieta. Não tem um único dia em que Helô fica longe do fogão. Cozinhar é mesmo paixão da vida toda. “Penso em receitas 24 horas por dia, até dormindo. Às vezes, acordo de madrugada cheia de ideias e rabisco no papel no criado-mudo”, confessa. A inspiração chega de todos os lados. O despertar para a cozinha surge quando ela vê um ingrediente no sacolão, descobre uma informação curiosa em algum dos seus milhares de livros ou come algo delicioso em um restaurante. Até quando assiste a um filme a chef se pega pensando numa receita.

Bolo salgado de cogumelos, espinafre e bacon

>> Ingredientes

2 ovos; 1 xícara de chá de leite (240ml); ½ xícara de chá de óleo vegetal (120ml); 1 xícara de chá de farinha de trigo (120g); 1 colher de sopa de fermento em pó; ¼ de xícara de chá de queijo parmesão ralado (25g); 1 colher de chá de sal; manteiga para untar; farinha de rosca para polvilhar; 100g de bacon em cubinhos; 25g de manteiga; 1 cebola pequena em cubinhos (120g); 1 dente de alho picadinho; 250g de cogumelos frescos
(paris, shimeji, portobelo ou uma mistura); 2 xícaras de chá de folhas e talos pequenos de espinafre; sal; pimenta-do-reino

>> Modo de fazer

Aqueça o forno a 180ºC (médio-alto). Unte com manteiga uma forma média para bolo inglês e polvilhe com farinha de rosca. Aqueça o bacon numa frigideira média e mantenha no fogo até que os cubinhos estejam dourados. Retire o bacon com uma escumadeira e escorra sobre um papel. Descarte a gordura, ou guarde para fazer uma farofa. Na mesma frigideira, aqueça a manteiga e doure a cebola. Junte o alho e, quando perfumar, misture os cogumelos e uma pitada de sal. Mantenha em fogo baixo até que os cogumelos estejam macios e dourados. Depois junte o espinafre e mantenha no fogo por uns 5min, até murchar. Misture o bacon, acerte o sal e a pimenta e deixe amornar. No liquidificador, bata os ovos, o leite, o óleo, a farinha, o fermento, o queijo e o sal até conseguir uma massa lisa. Despeje metade da massa na forma. Espalhe por cima o recheio e cubra com a massa restante. Asse por uns 30min, até que o bolo esteja firme, crescido e dourado (enfiando um palito no centro, ele deverá sair limpo). Deixe amornar por uns 15min, desenforme e sirva em fatias com uma salada.

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