Receitas italianas ganham versões inventivas e contemporâneas

Atual representante do país nas competições do Bocuse d´Or, chef formado pela escola italiana explora a criatividade com ingredientes brasileiros que conheceu na competição

por Celina Aquino 29/04/2018 17:35

Tadeu Brunelli/Divulgação
Um dos acompanhamentos do prato de salmão com molho de puxuri, apresentado na etapa das Américas do Bocuse d´Or, era tartelete de palmito pupunha (foto: Tadeu Brunelli/Divulgação)

A Itália nunca deixou de ser referência para Luiz Filipe Souza. Ao assumir a cozinha do Evvai, em São Paulo, o chef, que trabalhou por oito anos ao lado de Salvatore Loi, percebeu que era a hora de criar receitas autorais, mas sem perder de vista a sua base. Depois de vencer três seletivas do Bocuse d’Or, e com chance de conquistar uma boa colocação na final, em Lyon, ele conta que redescobriu o Brasil e já mostra no cardápio novas interpretações da comida italiana. “A pesquisa por ingredientes que representassem o país me abriu um leque de possibilidades que não enxergava antes. Aplicar técnicas italianas em produtos nacionais é um novo horizonte”, destaca.

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Leitão de pele crocante, purê de feijão-branco, uvas e radicchio grelhado (foto: Tadeu Brunelli/Divulgação)

O regulamento do Bocuse d’Or, o mais prestigiado concurso de gastronomia do mundo, sugere que os candidatos explorem a história do seu país. Por isso, Luiz Filipe acabou se aproximando dos ingredientes brasileiros, o que ele não costumava fazer no Evvai. O novo menu degustação, com sete etapas, evidencia a influência dessa competição na cozinha do chef e o público tem a oportunidade de experimentar muito do ele serviu para os jurados na seletiva das Américas, no México.
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Luiz Filipe Souza trabalhava em banco antes de descobrir a sua vocação na cozinha (foto: Tadeu Brunelli/Divulgação)

A tartelete de palmito pupunha assado com tomilho e raspas de limão, que era acompanhamento do salmão, virou protagonista da etapa do menu degustação para comer com as mãos. Em seguida, panzanella, a tradicional salada italiana com farinha de uarini no lugar do pão. O ingrediente amazônico lembra o cuscuz marroquino, só que é feito de mandioca. A carne é a mesma apresentada no México: leitão recheado com mousse de frango, lardo colognata (bacon com seis meses de maturação da região da Toscana) e trufas negras e servido com pele da barriga crocante. O sabor brasileiro está presente no molho de tucupi e pimenta-de-cheiro.


Em uma das sobremesas, tem sorvete de puxuri. “É uma semente da Amazônia que lembra noz- moscada, mas tem um lado mais amentolado. Fizemos com ela o molho do peixe”, informa.

LICENÇA POÉTICA Apesar do flerte com os ingredientes brasileiros, o chef avisa que não quer ficar apegado a regionalismos. Ele define o restaurante como italiano contemporâneo: mais da metade dos pratos são massas e risotos, mas não há nada de clássicos. “Os italianos são muito ligados à regionalidade, terroir e receitas tradicionais, mas, por ser brasileiro, tenho licença poética de usar toda a riqueza do país em pratos que abranjam mais regiões, o que é difícil de ver na Itália”, comenta. Como exemplo, burrata, queijo típico de Puglia, no Sul da Itália, com salsa verde e legumes cozidos em bagna calda (molho a base de azeite, alho e anchova), que são receitas do Norte do país.


Antes mesmo do Bocuse d’Or, Luiz Filipe já era conhecido pelo trabalho inventivo no Evvai. Normalmente, ele cria pratos a partir de um ingrediente que desperta a sua curiosidade. A massa mais aclamada do cardápio – gnochetti de sêmola e açafrão com molho de tomate com infusão de erva doce e guanciale (embutido de porco) e finalizado com queijo pecorino – ajuda a entender o seu processo criativo. “Fui estudar massas com açafrão e encontrei essa receita típica da Sardenha, de massa de sêmola e açafrão. Usei um formato clássico, mas o prato é totalmente autoral”, explica. Às vezes, acontece diferente. O chef tenta descobrir como usar uma técnica diferente em uma receita clássica italiana.

 

História de recomeços

Luiz Filipe sempre gostou de se testar. Por isso, não se intimidou em participar do Bocuse d’Or. Em 2015, em sua primeira aparição no concurso, ele não se classificou porque uma bisnaga de molho estourou e o fez perder tempo. O chef queria provar para ele mesmo que conseguiria vencer e se inscreveu novamente. No ano seguinte, venceu a etapa regional. Logo depois, subiu ao lugar mais alto do pódio na prova nacional e mais recentemente se sagrou campeão da seletiva das Américas, garantindo vaga na final, em Lyon, marcada para janeiro do ano que vem. Para se destacar entre os competidores no México, ele teve que treinar, literalmente, o dia inteiro e se afastou por três semanas do restaurante.


A trajetória no Bocuse d’Or faz Luiz Filipe se lembrar do início da carreira. Com a morte do pai, surgiu a vontade de buscar algo que fizesse mais sentido para a sua vida e o administrador de empresas decidiu largar um emprego estável em um banco. “Sou movido a desafios. Lá atrás, a minha mãe me disse que era uma fase, que não ia continuar, e isso me fez perdurar na profissão”, analisa.


O jovem distribui um monte de currículos até ser chamado para a entrevista que definiria o seu caminho, no restaurante do Hotel Fasano. Contratado para ser ajudante de cozinheiro, ele chegou a acumular o trabalho na pia, para complementar o salário, e acabou conquistando o chef Salvatore Loi, com quem trabalhou em outras quatro casas em São Paulo. Com ele, aprendeu toda a base da cozinha italiana e se encantou tanto pelo país que até aprendeu a falar a língua.


Há um ano, Luiz Filipe encarou o desafio de substituir o italiano, considerado um pai, no restaurante Loi, que, com a mudança de comando, ganhou o nome de Evvai. “Evvai é uma interjeição muito comum no Sul da Itália, que significa ter sucesso, ir em frente. Tem muito a ver com a história do restaurante. Era um recomeço”, justifica. O chef recebeu carta branca para alterar o cardápio, que hoje conta apenas com receitas autorais. A lasanha não se parece em nada com a de Loi. Aliás, nem parece ser uma lasanha. A massa verde de espinafre, com recheio de vitelo e molho fonduta de queijo grana padano e trufa branca, é servida em cinco partes separadas.

Tadeu Brunelli/Divulgação
(foto: Tadeu Brunelli/Divulgação)
 

Gnochetti de sêmola e açafrão, pomodori pelatti, erva doce e guanciale

Ingredientes

160g de gnochetti de açafrão; 500g de molho de tomate; 30g de semente de erva doce; 50g de guanciale em cubos; 50g de bulbo de erva doce em cubos; 30g de manteiga integral gelada; quanto baste (Q.B.) de sal refinado; Q.B. de pimenta do reino; 2g de salsa picada; 2g de manjericão picado; Q.B. de pecorino romano ralado;
Q.B. de dill fresco.

Modo de preparo

Para o molho de tomate infusionado com erva doce, utilize um pedaço de tecido para fazer um sachê com as sementes de erva doce. Coloque em uma panela o molho de tomate e o sachê de erva doce e deixe ferver por 30 minutos, mexendo sempre. Tire do fogo e cubra com plástico filme por mais 30 minutos para terminar de infusionar. Retire o sachê e reserve o molho. Em uma frigideira fria, puxe o guanciale até dourar. Adicione um pouco de água e o molho de tomate. Termine o cozimento da massa por, no máximo, 1 minuto e junte ao molho. Salteie e tempere com sal e pimenta. Adicione a erva-doce em cubos, a manteiga e as ervas. Emulsione bem, salteando. Disponha no fundo do prato a massa. Decore um lado com queijo pecorino e dill fresco.

 

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