Preocupação com alimentação saudável leva chefs se especializarem em receitas que fogem dos industrializados

Vida moderna impôs hábitos alimentares indesejados e tendência é fugir disso

por Celina Aquino 27/03/2016 09:58

Quem disse que comida saudável é sinônimo de comida sem graça? A chef paranaense Iracema Bertoco prova que é possível manter o sabor, aroma, textura e colorido dos ingredientes em receitas, bem simples, que prezam pela saúde. “Pessoas que fazem dieta são tristes, porque a sensação é de que nada podem comer. Você pode incluir no cardápio vários tipos de carnes, frutas e doces, basta saber comprar, preparar e consumir”, acrescenta. Iracema segue os princípios da cuisine santé (do francês, cozinha saudável), que valoriza pratos que fazem bem para o corpo e para o meio ambiente.

A vida moderna impôs hábitos alimentares indesejados. Com a falta de tempo, é muito mais cômodo esquentar a comida congelada ou abrir um pacote que preparar a própria refeição. O problema, na visão da chef, é que produtos industrializados contêm de substâncias químicas em excesso, como conservantes, corantes e aromatizantes, e acabam impactando a saúde. “A cuisine santé resgata a cozinha de origem. Bem no princípio, as pessoas não comiam nada processado. Cozinhavam com banha de porco e levavam uma vida muito mais saudável que hoje, com óleo refinado”, pontua.


O conceito não está restrito à comida vegetariana. Pelo contrário, as carnes são sempre bem-vindas ao cardápio. “É comprovado que, mesmo a carne vermelha, se não tiver muita gordura, traz benefício para a saúde, principalmente se você souber a procedência. O excesso é que faz mal”, esclarece Iracema. Seguindo essa lógica, adeptos da cuisine santé privilegiam carnes orgânicas, ou seja, de animais que são tratados de maneira mais natural, sendo alimentados com milho ou capim. A chef defende que, além de mais saudáveis, elas ganham em qualidade e sabor, porque não sofrem transformação. Por isso, o frango de granja é substituído pelo caipira, que não consome ração.

Outro princípio da cuisine santé é garantir o sabor e o visual atrativo dos alimentos. Em geral, o segredo está em escolher o método adequado de cocção. É mais indicado, por exemplo, assar que cozinhar os legumes na água, mesmo que seja para preparar uma salada. Iracema ensina a embrulhar a beterraba, com casca e tudo, em uma camada de papel-manteiga e outra de papel-alumínio e levar ao forno. Assim, ela fica mais saborosa, com a cor mais viva e não perde textura. Já no caso do brócolis, a dica é cozinhá-lo no vapor. “Se ele for cozido na água e passar muito tempo, vai perder cor, não fica saboroso, fica murcho. No vapor fica mais crocante e bonito”, garante.

ESPECIALIZAÇÃO


A chef defensora da cuisine santé morou muito tempo no interior do Paraná e lá criou o hábito de matar, limpar e cozinhar frango caipira, fazer pão em casa, preparar suco de acerola colhida do quintal. Depois de fazer o curso de chef de cozinha, ela continuou interessada em desenvolver receitas da forma mais saudável possível e começou a se especializar na área. Iracema trabalhou como personal chef para os clientes de uma nutricionista, até que teve a ideia de dar aulas na escola de gastronomia Centro Europeu, em Curitiba. A disciplina, que inicialmente fazia parte do curso de chef de cozinha funcional, fez tanto sucesso que, no ano passado, virou especialização.

Para Iracema, a busca por uma alimentação saudável não é modismo, e só deve aumentar, já que as pessoas percebem os benefícios para a saúde e passam a mudar os hábitos. “Não ensinamos a fazer dieta, ensinamos a comer de forma saudável e isso dá para levar para o resto da vida”, defende.

 

Não ao desperdício

Ser saudável também significa ser sustentável, conforme os princípios da cuisine santé. Com isso, os orgânicos são sempre privilegiados nas receitas, não apenas para evitar o consumo de substâncias químicas, mas para aproveitar integralmente os alimentos. “Com o talo do mamão dá para fazer um doce fantástico. Não é por economia, é uma forma de evitar que se gaste mais terra e mais água. Por isso, falo que é uma cozinha inteligente, porque ela cuida do meio ambiente.”

Geralmente, os cozinheiros descartam a casca e o talo dos produtos, que é onde os agrotóxicos ficam concentrados. Quando frutas, verduras e legumes são orgânicos, dá para utilizá-los por inteiro. A parte branca do maracujá pode se transformar em doce ou geleia, a casca da cebola é capaz de deixar um caldo com uma cor mais bonita e as folhas de cenoura ou beterraba caem bem em uma salada refrescante. Até casca de banana vira uma farofa que é usada no preparo de bolos.

Uma das receitas mais surpreendentes de Iracema é o doce feito com a parte branca da melancia. Segundo a chef, essa é a parte mais saudável da fruta, porque concentra uma substância chamada citrulina, que tem o poder de combater a depressão e aumentar a libido. “Rale a parte branca e leve ao fogo com açúcar, cravo e canela. Depois de cozida, ela fica transparente, com textura de doce de mamão verde, que dá para comer com queijo de minas”, ensina.

Você sabia que até a casca de ovo pode ser reaproveitada? “Aprendemos que é lixo e acostumamos a jogá-la fora, mas ela pode ser comida e é gostosa. Ela pode ser agregada à massa de bolo, panqueca ou feijão”, destaca Iracema. Antes de usar, lave bem a casca do ovo, retirando a película branca, deixe secar no forno por cinco minutos e em seguida bata no liquidificador. É recomendado coar na peneira o pó em que ela se transforma, riquíssimo em cálcio.

A chef também propõe o aproveitamento das plantas alimentícias não convencionais (Pancs), que não precisam ser cultivadas, já que nascem espontaneamente. “Como não contêm agrotóxicos e são ricas em nutrientes, elas são ótimas para a alimentação, só não costumam fazer parte dos nossos hábitos. A maioria é considerada daninha”, esclarece. Dente-de - leão, taioba a flor do ipê, capuchinha, azedinha, beldroega, maria-preta, caruru e ora-pro-nóbis são alguns dos exemplos. 

 

centro europeu/divulgação
Galinha caipira com plantas alimentícias não convencionais (Pancs) (foto: centro europeu/divulgação)

 

Galinha caipira com especiarias, cuscuz de quinoa, maria -preta e beldroega refrescante

Ingredientes

500g de coxa e sobrecoxa de galinha caipira sem pele; 30g de açúcar mascavo; 20g de cúrcuma; 20g de gengibre ralado; 1 pimenta dedo-de-moça; ½ cebola picada; 2 dentes de alho picados; ½ pimentão amarelo picado; casca de 2 maracujás em fatias finas (apenas a parte branca); 3 tomates picados; 3 colheres de coentro; 3 colheres de salsinha; sal; 30ml de óleo de girassol; 100g de quinoa cozida; 1 talo de alho-poró cortado em rodelas; 1 fatia de abóbora em cubos; casca da fatia de abóbora em tiras finas; 1 cenoura em cubos; ramas de cenoura picadas; 1/4 de cebola picada; 20g de cúrcuma; 1 pimenta biquinho picada; hortelã e manjericão frescos picados; sal; azeite; sementes de abóbora e maracujá tostadas; ½ xícara de maria-preta madura; folhas de beldroega lavadas; suco de 1 maracujá; 1 colher de azeite; 1 pitada de sal; raspas de gengibre

Modo de fazer

Deixe de molho em água, por 12 horas, as cascas de maracujá fatiadas. Refogue a cebola e o alho no óleo. Acrescente o frango e deixe dourar. Coloque açafrão, açúcar mascavo e gengibre e refogue mais um pouco. Acrescente o pimentão e os tomates, a casca de maracujá, a pimenta e o sal e deixe cozinhar em fogo baixo até o frango ficar macio. Se necessário, acrescente água quente aos poucos. Finalize com o coentro e a salsinha. Em outra panela, refogue a cebola e o alho-poró. Acrescente a abóbora, as cascas, a cenoura e a pimenta. Abaixe o fogo para que os legumes cozinhem apenas com o próprio suco. Coloque a quinoa e o açafrão. Acerte o sal. Desligue o fogo. Finalize com as sementes tostadas, o hortelã, o manjericão e a maria-preta. Coloque mais azeite, se necessário. Em outra vasilha, misture bem o suco de maracujá,
o azeite, o sal e o gengibre. Regue as folhas de beldroega com essa mistura.

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