Foi só depois de ter reportagens sobre seu restaurante publicadas em jornais do Sudeste que o chef paraibano Onildo Rocha começou a receber gente da cidade para comer no Roccia, em João Pessoa.
Assim como Rocha, outros nomes nordestinos vêm desenvolvendo trabalhos significativos nos últimos anos – e tendo sempre a conquista da freguesia entre os principais desafios. Gente como o baiano Fabrício Lemos, os pernambucanos Joca Pontes e André Saburó e os alagoanos Serginho Jucá, Wanderson Medeiros e Jonatas Moreira. A vontade de inovar é o motor dessa geração, levada a pesquisas que começam no campo e terminam no prato, com surpresas que, pouco a pouco, ajudam a ampliar o mapa da nova cozinha brasileira.
O trabalho afinado que faz com as fazendas Carnaúba e Tamanduá e com o sítio do seu Dedé, por exemplo, vem ajudando a promover a Paraíba por meio do queijo de cabra, arroz-vermelho e legumes orgânicos, respectivamente.
ORGULHO
Na opinião dele, essa leva de chefs nordestinos está ajudando a fazer com que cada vez mais cozinheiros locais usem seus produtos com mais orgulho. “Esse movimento precisa se alastrar. Na Paraíba, tem mais gente, e preciso que todos apareçam mais, mostrando que não sou apenas eu a fazer esse tipo de trabalho. Já que me foi dada essa visibilidade, preciso compartilhar isso com os outros, pois não se faz um destino com uma só pessoa”, afirma Rocha.
Em ambos os projetos, aplica os conhecimentos que acumula com constantes pesquisas. “Temos cerrado, caatinga, mata atlântica, costa. A diversidade de produtos é imensa. Trabalhar com ingredientes vindos de São Paulo era caro e nem sempre chegavam com qualidade.
Exemplo é o licuri, coquinho com o qual faz farofa para acompanhar a casquinha de aratu, crustáceo local.
Além disso, trocou o cordeiro por cabrito, derrubou a “obrigatoriedade” do robalo e badejo entre os peixes brancos e passou a usar chocolate baiano – Ilhéus, no Sul do estado, produz amêndoas de cacau altamente valorizadas no exterior.
“A cozinha do Nordeste não teve a mesma exposição que a do Norte, que teve uma pessoa de fora para mostrá-la ao país. No nosso caso, nós mesmos estamos mostrando o Brasil que temos”, alfineta. Na avaliação de Lemos, ele e os colegas da região têm em comum a preocupação com a técnica na cozinha.
INGREDIENTES
Pouco a pouco, os clientes compram suas ideias no Amado, a exemplo da boa aceitação que teve a carne de cabrito. No caso de Serginho Jucá, que comanda o restaurante Sur (o nome deriva das palavras sururu e surrealismo), em Maceió, o caminho das pedras consiste em apostar nos ingredientes do cotidiano e com muita técnica. E não basta estudar os produtos regionais, como o mel de engenho e o feijão-verde: “É preciso entender do que o cliente gosta”, explica.
Na prática, exemplifica, isso significa tratar o manjado queijo coalho da praia como carpaccio, cortado fininho e tostado com maçarico, servido com castanha-de-caju-torrada e molho que remete à receita original. “O cliente é o mais importante num restaurante. Ele não é obrigado a entender da parte complicada do nosso trabalho.
“O desafio maior era fazer o alagoano comer batata- doce fora de casa. Sofremos bastante no começo”, desabafa ele. Entre as glórias, acrescenta, está a troca do azeite pela manteiga de garrafa na cozinha. Já no restaurante Ponte Nova, em Recife, o chef Joca Pontes também se mostra adepto desse tipo de mudança, embora por meio do bom e velho “jeitinho”: “No bom sentido, trabalho enrolando o cliente. No cardápio não escrevo ‘molho de acerola’, mas ‘de frutas cítricas’, e cito ‘legumes verdes’ em vez de maxixe e quiabo”.
SUCESSO EM SP
Exemplo do potencial da cozinha nordestina fora da região, o restaurante Mocotó, em São Paulo, tornou-se conhecido pelas gigantescas filas de espera, bom preço e por aprimorar receitas tradicionais. O chef Rodrigo Oliveira, que herdou a casa do pai e a levou a novo patamar, faz questão de produzir ele mesmo a carne de sol, por exemplo: ela é salgada, maturada em temperatura controlada, seca numa estufa, embalada a vácuo, cozida a baixa temperatura e finalizada no forno. Cachaças, pudim de tapioca, atolado de bode e mocofava (mocotó com favada) são outros atrativos que ajudaram a construir a fama do local, já conhecida até no exterior.