As mais valorizadas vêm dos bosques ao redor da cidade de Alba, na região italiana do Piemonte: são fungos que crescem no subsolo, próximos das raízes de árvores como o carvalho, e são encontrados por cães treinados exclusivamente para isso. Cidades promovem festivais para ela, leilões elevam seu preço às alturas (um comprador desembolsou mais de R$ 400 mil por um exemplar de 900g, no mês passado, em Hong Kong), turistas viajam para caçá-las e chefs as garimpam para ralar sobre massas, risotos e os tais ovos fritos. Quanto mais simples a receita, melhor. Ela deve reinar no prato.
“Com trufa, não se ganha dinheiro.
Para ele, trata-se de um ingrediente que jamais perderá sua majestade. “Os italianos não estão mais tão interessados em trufa porque está muito cara. Eles vendem mais para o exterior do que consomem.
O chef francês Julien Mercier, que atualmente comanda festival de trufa no restaurante paulistano Le Bilboquet, concorda: “Trufa é como caviar e açafrão. A menos que alguém consiga produzi-la comercialmente, como fazem com o cogumelo shiitake, por exemplo, jamais vai perder o encanto”. A casa também trabalhou com duas remessas, somando um quilo do valorizado fungo italiano. Cada prato dessa temporada especial, conta ele, leva 10g de trufa ralada por cima e sai por R$ 300 a 350 reais.
“É um preço bem barato, se você for olhar o mercado. Outros restaurantes de São Paulo estão cobrando o dobro.
BONS TEMPOS Em Belo Horizonte, o restaurante A Favorita era o último reduto da trufa fresca: o proprietário Fernando Areco, o Motta, fez festival ano passado, mas desistiu da ideia este ano. “Fora o preço da trufa em si, o mercado está retraído. Os vinhos aumentaram demais e percebemos que o cliente que tomava uma garrafa de R$ 200 deixou de pedi-la. O mercado não está para brincar de perder dinheiro. As pessoas não estão gastando”, diz. Ele calcula que, agora, um ovo frito com trufa sairia por cerca de R$ 400 e uma massa ou vitelo com ela, R$ 500.
“Antigamente, trazíamos mais de um quilo de trufa e mais de uma vez. Na época em que US$ 1 valia R$ 1, a gente vendia prato com trufa fácil, porque o preço não era tão exorbitante. O champanhe francês custava R$ 100 no restaurante, ou seja, US$ 100. Aliás, mais ou menos o mesmo preço de hoje, só que US$ 100 não são mais R$ 100. Era uma época feliz”, afirma. No passado, casas como Vecchio Sogno e Dona Derna realizavam festivais para celebrar a chegada do ingrediente à cozinha, mas há muitos anos deixaram de fazê-lo.
O chef italiano Memmo Biadi, à frente do Dona Derna, normalmente trazia dois quilos da iguaria. “Era outro público, outro preço. A última vez deve ter sido há uns 15 anos”, conta. Atualmente, usa apenas a manteiga de trufa italiana, que leva pedacinhos do fungo, mas não abandonou a ideia de retomar os festivais do tipo. Faria um este ano, que só não aconteceu porque o espaço em que seria realizado (a sobreloja do restaurante) estava em reforma. Um representante que trabalha com trufas italianas e seus derivados já está em contato com ele.
Do ano que vem, não passa, garante Biadi: “Isso acontece só uma vez por ano, vale a pena. Quem gosta e pode gastar ou vai para a Itália ou fica sem. Ainda existe público para isso, como para o foie gras e o caviar. Tem coisas que o público não vai deixar de apreciar. R$ 300 para comer um ovo frito com trufa é um absurdo, mas é uma vez por ano. É uma coisa única”.
Também deixou o festival de trufa para o ano que vem o chef Lucas del Peloso, do restaurante Villa Roberti. O motivo, explica, foi o clima de crise no país: “Faríamos viagem para Alba, este ano, para trazer trufas negras e brancas, mas repensamos”. Mesmo usando apenas azeite trufado na cozinha, ele acha importante manter pratos com o ingrediente no cardápio. “As pessoas acham bonito, o público procura. É uma questão de posicionamento, precisamos ter. Os clientes sempre pedem algo trufado”, diz.
PERFUME TRUFADO
Ao perceber o interesse do brasileiro por produtos com trufa, o italiano Stefano Piletti, que mora em Tiradentes e é apreciador da gastronomia regional, decidiu produzir não apenas os derivados mais conhecidos (manteiga, azeite e mel trufados), mas itens incomuns, como manteiga de garrafa, queijo de minas (o conceituado Catauá, no caso) e até farofa, tudo trufado. Ele usa somente trufas italianas, mas secas ou em conserva. “A trufa fresca gera bactérias e pode ser perigosa se usada em derivados como esses”, explica. No momento, ele desenvolve com restaurante da cidade histórica mineira outros dois produtos trufados improváveis, carne de lata e cachaça. “Também estou procurando um azeite nacional para trufar”, revela Piletti..