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Proliferação de cursos de gastronomia enfraquece ideia glamourizada do chef

Formação superior acentua perfil empreendedor de quem quer comandar uma cozinha

Alunos da Estácio de Sá fotografam rocambole preparado por eles em aula de confeitaria - Foto: BETO NOVAES/EM/ D. A. PRESS Calor, barulho, confusão, gritaria, horas e horas em pé, risco de acidentes a todo momento, enorme pressão por perfeccionismo e, ao final de tudo isso, uma bela faxina para dar. Por mais que se ouça – há décadas – que trabalhar numa cozinha profissional pode ser a visão do inferno, “visionários” continuam chegando às escolas de gastronomia com suas ideias românticas da profissão. Mas isso pode estar prestes a mudar.
De 2012 para cá, três cursos superiores na área foram criados em Belo Horizonte (agora são quatro), sinalizando que a aura de glamour tende a se dissipar. Com disciplinas como antropologia da alimentação, marketing, gestão de carreira e técnicas de design e criatividade, essas escolas não formam chefs, mas empreendedores.

A Universidade Estácio de Sá, que abriu seu curso em 2004, reinou sozinha nesse mercado até a chegada das concorrentes Promove (2012), Senac (2013) e UNA (ano passado). São todas elas graduações tecnológicas com cerca de dois anos de duração, sendo que apenas a última aguarda reconhecimento do Ministério da Educação (MEC), necessário para validação nacional do diploma – isso só pode ser feito quando o curso completa 50% de sua carga horária.

O curso do Senac (reconhecido pelo MEC ontem), formou sua primeira turma nesta semana e tem alunos como Gabriela Melo, de 23 anos, que veio de Itaúna em busca da graduação superior. Além de abrir a própria confeitaria, ela sonha em dar sequência aos estudos, obter mestrado e virar professora de gastronomia. “Já fiz o curso técnico de cozinheiro da instituição e vale a pena fazer a graduação, que também foca em gerenciamento”, diz ela.

Para o coordenador do curso, o doutor em história Leandro Catão, a nova graduação “coroa a tradição” do Senac no ensino de culinária, que começou nos anos 1940. “Trouxe minha vivência com pesquisa para o curso. Não é só dar competência técnica e gerencial ao aluno, mas também a capacidade de pensar a gastronomia de forma mais ampla. Além de executar uma receita com perfeição, ele sabe conceber um estabelecimento como um todo e pode seguir carreira acadêmica”, afirma.

PERFIL O perfil do aluno que procura o curso, diz Catão, é variado: “De um menino de 17 anos a uma doutora em veterinária, passando por cozinheiros, garçons e gente que vem por deleite, sem a menor intenção de abrir um restaurante”. Em qualquer caso, os professores tratam logo de desconstruir no primeiro período a imagem romantizada da profissão. “Alguns chegam e logo fazem cartão de visita com a palavra ‘chef’”, relata.

Danilo Simões, coordenador do curso da Estácio de Sá, afirma que a grade de disciplinas do curso vem mudando nos últimos anos em razão da transformação no perfil do aluno que chega à escola. “Era altamente elitizado. Não era o primeiro curso de quase ninguém. Hoje, temos classe A e gente do ProUni. Há caso de empregada doméstica que ganhava um salário mínimo, passou por aqui e hoje ganha R$ 4 mil”, diz ele.

Simões ressalta que a entidade não forma chef, mas gastrônomo. Esse profissional tanto pode comandar uma cozinha quanto se tornar professor, empreendedor individual na área ou desenvolver produtos para a indústria alimentícia, por exemplo. Nesse sentido, analisa, há três pontos cruciais para identificar um profissional de talento: humildade, capacidade de liderança e destreza, que também chama de “mão boa”. “Tem gente que não erra, parece ser um dom. Há uma sensibilidade nisso, uma relação com a memória gustativa. Isso conta muito.”

Ele garante que a profissão é mesmo dura, mas não deixa de ser “apaixonante”, motivo pelo qual ainda é o sonho de muita gente. Segundo o coordenador do curso da UNA, Edson Puiati, “o grande desafio é fazer o cara pôr o pé no chão. Tem muita gente achando que sairá daqui como chef. Temos de baixar a bola. O talento surge aos poucos, e a pessoa precisa saber que vai trabalhar muito. Os visionários ficam pelo meio do caminho, achando que é moleza, que vão aparecer na TV e no jornal. Sem humildade, ninguém consegue”.

No entanto, há exemplos de quem se matricula num curso de gastronomia com os pés bem plantados no chão. É o caso de Renata Campolina, de 22, que estuda na Estácio de Sá, empenhada em aprimorar os produtos das padarias da família, em Esmeraldas, e o do chef Jorge Alexandre Santos, de 32, que, mesmo com 12 anos de mão na massa, não dispensou a oportunidade de ter o curso pago pelo patrão, dono de um bar na Pampulha.

Puiati percebe que alguns alunos chegam ao curso despreparados para falar em público e escrever de maneira clara, além dos que se desmancham em lágrimas diante das muitas dificuldades do ofício. Daí a aposta em disciplinas que estimulam o empreendedorismo, “vírus” que parece ter contaminado o aluno Jefferson Faria, de 23, que veio do Rio de Janeiro. Desde que chegou a BH para estudar, já fez um estágio no restaurante Alma Chef e foi indicado para estagiar no reputado D.O.M., de Alex Atala. Após a temporada paulistana, ele se deu prazo de seis anos para abrir o próprio restaurante na capital mineira.

“Acordava de madrugada para ver produtos chegando aos mercados paulistanos. Encanta esse projeto em torno do ingrediente, que começou lá e está vindo para cá. Essa inovação precisa chegar a BH. A universidade traz a técnica e não adianta querer inovar sem base. O que aprendo aqui vai ficar para toda a minha vida”, diz.

Aulas práticas convivem com as de gestão

Todos os quatro cursos superiores de gastronomia da cidade começam com disciplinas como técnicas culinárias básicas e história da alimentação, passando por empreendedorismo, legislação específica e elaboração de fichas técnicas e cardápios, além de módulos dedicados à panificação, confeitaria e cozinha francesa. Mesmo assim, há pequenas diferenças entre eles.

Enquanto a UNA prevê um semestre para técnicas de design e processo criativo – food design, o Promove oferece fotografia na alimentação no último período. “O aluno aprende conceitos básicos e até a tirar fotos com celular para pôr nas redes sociais”, diz Jackson Cabral, coordenador do Promove. Ele comenta que o curso ganhou um semestre a mais em 2013, quando foram acrescentadas disciplinas como essa e a de francês instrumental.

Já o curso superior do Senac, que tem carga horária de aulas práticas maior que a do seu curso técnico de cozinheiro, separa a panificação da confeitaria (a maioria das outras escolas oferece esses conteúdos como uma única disciplina) e, seguindo a mesma lógica, cozinha brasileira da mineira. Tanto Senac quanto Promove incluem em suas grades a disciplina planejamento físico do ambiente gastronômico, relacionada à arquitetura.

A preocupação com o desenvolvimento da parte técnica também fez com que a Estácio de Sá ampliasse as aulas práticas, que totalizam pouco mais de 60% das 1,8 mil horas que compõem o curso. De 2004 para cá, foram eliminadas aulas como as de psicologia, abrindo espaço, por exemplo, para reposicionar as disciplinas de gestão. “Sempre tivemos disciplinas voltadas à gestão, mas hoje enfatizamos aspectos que possam auxiliar o aluno em uma carreira individual nesse mercado”, afirma o coordenador, Danilo Simões.