As discussões – algumas já com argumento em tom definitivo, outras de ar conspiratório –, envolvem nos últimos dias donos de bares e restaurantes, blogueiros e público. Como de costume, só quando a maré baixar é que se saberá qual é o melhor e quais casas terão sobrevivido.
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Restaurante El Toro muda foco para cozinha 'latina'Fim do Ballet Jovem Palácio das Artes gera protestosComo assegurar, então, a sobrevivência num mercado como o belo-horizontino? A cidade é lendária por ser das mais complicadas do país nesse aspecto, cada vez mais aberta aos modismos gastronômicos e povoada por consumidores tradicionalistas e (teoricamente) exigentes. A Lullo tem a estratégia mais agressiva, que inclui campanha publicitária, produção ocasional de sabores fora do comum (cerveja, rapadura batida e cheesecake de queijo do Serro) e, em breve, carrinho de sorvete não apenas para servir de chamariz na porta da loja, mas também para circular em eventos. É a única comandada por brasileiros (as demais são de italianos).
Como a mais “antiga” entre as três lojas, a Mi Garba curiosamente serviu de “ponto de apoio” para as concorrentes. Luca Lenzi, seu proprietário, tinha os donos da Lullo como clientes regulares até recentemente. “Eles me pediram opiniões e dei dicas até das máquinas. Perguntaram-me se deveriam abrir mesmo uma gelateria, e eu disse que sim, que não tem erro”, conta Lenzi. Para ele, o risco desse tipo de negócio não é alto, mas o trabalho é difícil, exigindo produção diária e padronizada. “Algumas pessoas me falaram que era arriscado, que nenhuma casa do tipo tinha dado certo aqui. BH tem poder aquisitivo alto, e o paladar mineiro está começando a se abrir”, diz.
Adriano Bitti, um dos sócios da Goccia di Latte, avalia o risco como “mínimo”: “O público daqui gosta de sorvete e tinha de viajar para tomar desse tipo, estava carente. Mas não é só abrir, tem de manter. São cerca de sete horas de produção todo dia. O trabalho é pesado”. Ele diz que sua cidade natal, Alghero, tem 45 mil habitantes e pelo menos 60 sorveterias, o que o leva a crer que a tendência dos gelatos na capital mineira deverá permanecer em alta. “Cabem mais gelaterias aqui”, avalia. Acreditando na curiosidade do mineiro, ele acaba de produzir sabor incomum aqui, pinoli, cuja pasta custa cerca de R$ 1,5 mil (quilo), 50% a mais que a já caríssima de pistache.
COINCIDÊNCIAS Na Mi Garba há também picolés próprios e na Lullo, a maior variedade de sabores de chocolate (incluindo alguns de origem africana). De resto, os sabores coincidem bastante (avelã, amarena, tiramisù etc). Concorrência não parece ser algo que preocupe os proprietários dessas sorveterias. “Isso é muito positivo, pois traz a cultura do gelato para os mineiros”, afirma Laiza Machado, uma das sócias da Lullo. Os italianos, que vieram para BH por não ter identificado aqui casas do gênero pouco tempo atrás, são unânimes e acreditam que há espaço para todos e que a multiplicação das gelaterias colaboraria para a ampla aceitação do produto.
O retrospecto das tendências de consumo gastronômico na cidade demonstra que o panorama não é tão favorável assim. A voracidade com que os frozen yogurts e os temakis entraram no mercado belo-horizontino, por exemplo, sugeria que eles tomariam de assalto paladares de A a Z. Agora, no entanto, esses dois itens mais se assemelham a produtos de nicho – têm seu lugar assegurado, mas numa proporção bem menor do que a que ocuparam em sua “estreia”. E se é verdade que há tendências que se consolidam (os hambúrgueres de fabricação própria, para citar uma), existem situações desanimadoras, como a enfrentada pelos chás, produto ao qual a capital mineira insiste em não se render. As duas últimas casas dedicadas à bebida que tentaram se estabelecer por aqui fecharam as portas em pouco tempo.