Rituais indígenas na cozinha

Vai haver pajelança, comilança e muita pujança!

por Dilu Bartolomeo Vilela 28/07/2013 17:20
Priscila Bartolomeu/Divulgação
(foto: Priscila Bartolomeu/Divulgação)
Foram essas as palavras que me vieram à cabeça ao dar de cara com a legitima nativa Darupü’üna Tikuna dentro da minha cozinha.  Surgiram-me perguntas. Onde é a tribo? Como são os rituais? Quem é o pajé? Sim, além de pincelar o rosto e o corpo com jenipapo, urucum e carvão, a linda índia me brindou com várias pinceladas sobre o seu mundo.
Agora, é você quem deve estar se perguntando como Darupü’üna veio parar aqui. Pois bem... Tenho uma sobrinha, Priscila Bartolomeu, que além de ótima fotógrafa – e por causa da fotografia – se apaixonou pela cultura indígena. Daí, foi um pulo para se enveredar no modus vivendi desse povo legitimamente brasileiro. Foram três anos fotografando etnias pelo Brasil afora, e em cada uma vivenciava um modo de vida.


Outro dia, com a mesma naturalidade de quem conta como foi ali na esquina, Priscila me disse: “Mandei recado para várias etnias difundindo meu interesse por algo relacionado a arte e gastronomia indígena. Estão me enviando ervas, sal, bebidas, receitas e artesanato para confeccionarmos quadros e objetos de decoração”. Enquanto ela falava, criei uma fantasia... Seria difícil trazer um nativo para cozinhar aqui em casa? Priscila embarcou na minha fantasia: “Seria um aperto de mãos com a cultura indígenas. Degustar pratos genuínos e normalmente feitos apenas dentro da aldeia... Ainda mais na cozinha de Dilu”. Naquele momento, consegui imaginar a beleza dessa crônica que agora escrevo...


Darupü’üna veio compartilhar sua cultura, preparos gastronômicos e contou que todo evento indígena tem muita fartura e cada alimento apresenta um significado. Por exemplo: a pajelança é associada a rituais de grande beleza e magia, com pinturas, danças, cantos, e o uso de alimentos e vegetais, que possibilitam o transe. O brinde feito com essa inebriante bebida chamada Paijuaru, à base de cascas de banana, cana, folhas torradas e farinha de mandioca que é usada no Ritual da Moça Nova (conto no meu blog dilucious.com sobre essa longa e impressionante cerimônia). Segundo Darupü’üna, a culinária é praticada com receitas simples e curiosas... Utilizam macaco (simples?), formigas, jacaré, peixe, tartaruga, mandioca, banana e “iguarias” como as raras tanajuras que só aparecem uma vez ao ano.


Darupü’üna trouxe um pedacinho de seu mundo para dentro do meu mundo. Me deliciou com o que pode ser comparado ao nosso trivial arroz efeijão,que é a mujica. Preparou a muqueca, nome indígena do peixe na folha de bananeira. Para acompanhar, ela fez a tacate. Ainda deixou fermentandoa Paijuaru, que é a tal bebida usada nos rituais amazonenses, e segundo ela, nunca feita fora da aldeia. Olha que máximo!


Os índios contribuíram expressivamente com a nossa cultura. Hoje proponho a troca de experiências. Misturar à simplicidade e à arte dos preparos indígenas um pouco do meu jeito de cozinhar. Darupü’ünae eu plagiamos Troigois e seu “Revanche”...Rsrsrsss... Ela me autorizou a mudar procedimentos e acrescentar alguns ingredientes. Então, vamos às receitas, mas, antes, ainda gostaria de dizer: a pajelança atrai os seres da floresta e todos dançam lindamente ornamentados. No ritual, os seres e suas almas são alimentados... Que alcancemos a beleza da vida indígena e consigamos habitara a Terra, com o mesmo astral de beleza e magia da pajelança, com comilança e muita pujança!

 

 

Moqueca de Peixe na folha de bananeira


l Ingredientes


1 pirarucu ou tucunaré de mais ou menos 3 kgs / Pasta: suco de 4 unidades de Limão, 5 dentes de alho, 2 cebolas, sal e pimenta do reino moída na hora, Azeite, Cebolinha, chicória, salsinha, 1 dose de cachaça / 2 tomates e louro / folhas lavadas de bananeira sem o
caule central e papel laminado

l Modo de fazer

Limpe o peixe e corte-o de 2cm em 2cm sem chegar na espinha. Isso facilita a entrada do tempero. Macere no pilão todos os ingredientes da pasta. Esfregue o peixe, por dentro e por fora, com a pasta. Lave bem a folha de bananeira e coloque-a em um tabuleiro. Faça uma cama com rodelas de tomate e louro. Coloque o peixe e o envolva com a folha de bananeira como se fosse um envelope deixe as emendas viradas para baixo. Envolva com papel aluminio. Leve ao forno médio (180 graus), pre-aquecido, por cerca de 60 minutos. Retire do forno e retire a folha de bananeira seca e sirva o peixe
sobre uma folha nova e bonita.
Sirva com tacate.


Tacate
Banana para acompanhar o Moqueca

Ingredientes


Azeite, 2 dentes de alho e 1 cebola, 1 pimentão e 1 pimenta dedo de moça sem semente todos bem picadinhos, 1 penca de banana da terra bem verde e picada em cubos, coentro, chicória.

Modo de fazer

Deixe murchar, no azeite, o alho e a cebola. Acrescente pimentão, dedo-de- moça e banana. Sempre misturando, deixe amaciar a banana. Acrescente as ervas. Para o meu gosto, coloco uma pitada de açúcar e uma de sal.

 
Mujica
Significa algo semelhante a “o que vem do rio”.

Ingredientes

1 surubim de mais ou menos 2 kgs, sal e pimenta do reino, azeite, 2 unidades de limão. Brunoise de 1 cebola, 3 dentes de alho, 2 tomates sem pele e sementes, 1 pimenta dedo-de-moça, 1 pimentão amarelo, 1 cenoura. Louro, 4 bananas verdes ou macaxeiras, 1 dose de cachaça, 1 garrafinha de leite de coco. salsinha, cebolinha, coentro, chicória e alfavaca ou manjericão a gosto.

 
Modo de fazer

Limpe o surubim, eliminando pele e espinhas. Corte-o em cubos e tempere com sal, pimenta-do-reino, azeite e suco de limão. Faça um caldo com as espinhas e a cabeça do peixe. Coe e reserve. Rale a banana verde e reserve. Aqueça o azeite e murche a cebola e alho. Acrescente tomate, dedo de moça, pimentão, cenoura e louro. Refogue e deixe cozinhar. Acrescente a massa de banana e adicione a cachaça. Misture bem e deixe evaporar o álcool. Adicione leite de coco, tempere com sal e deixe cozinhar por uns 10 minutos. Adicione o caldo de peixe o suficiente para cobrir o preparo. Deixe ferver e coloque os cubos de peixe. Misture bem e acrescente ervas a gosto. Se necessário, coloque mais caldo. Deixe ferver por 10 minutos. Retifique o tempero e retire do fogo. Sirva em cuias ou tigelas.

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