Complexo de vira-latas

Chega de cuspir no prato que comemos, e vamos valorizar o que temos de bom

por Eduardo Avelar 05/05/2013 17:02
Hoje convido os mineiros a mais uma reflexão para passarmos a régua no comportamento contínuo de autoestima em baixa, e virarmos o disco para mostrar ao mundo e convencer a nós mesmos dos nossos inegáveis atributos e qualidades. Há algum tempo atrás, só assistíamos jogos de futebol do Rio de Janeiro e às vezes, por questões óbvias do Santos de Pelé. Aos domingos na TV tinha Fla-Flu, e nos cinemas o Canal 100 repetia a dose. Até bem pouco tempo tínhamos por aqui mais torcedores de times do Rio do que de Minas.

Só exaltávamos os bares de Copacabana, e o Rio de uma maneira geral. Adoro as belezas da cidade maravilhosa, mas tenho também de reconhecer a incrível capacidade de autopromoção dos cariocas, que com criatividade e irreverência conseguem colocar 100 mil expectadores no Maraca pra assistir a Botafogo e Bangu. Esse espírito de melhor do mundo faz do Rio o sucesso que é, e proporciona a imagem positiva de alegria que o Brasil tem lá fora. E nós, aqui, continuamos a menosprezar ou colocar defeito em tudo que é nosso. Se alguém de fora fala mal, viramos feras ufanistas feridas, mas ao mesmo tempo precisamos que alguém fale bem para dar o devido reconhecimento.

Estamos vivenciando uma de nossas maiores festas e provavelmente o maior cartão de visitas que BH teve nos últimos anos. A capital dos botecos tem sido exaltada e lembrada em centenas de veículos de comunicação de todo o Brasil e exterior que cobrem o Comida di Buteco nas 16 cidades em que é realizado simultaneamente, mas tem sua origem em nossa cultura, e foi criado pelo amigo Eduardo Maya, um carioca que adotou Minas. “BH não tem mar, mas tem bar”. Eu já estava pronto para escrever sobre o privilégio de ter, mais uma vez, vivenciado como jurado essa festa, super -organizada, com alto-astral e que movimenta nossa economia com bares e hotéis repletos, centenas de táxis, ônibus e vans alugadas trabalhando incessantemente para levar os visitantes e frequentadores pela via sacra da alegria.

Mas na semana passada ao abrir o jornal me deparei com uma notícia criticando a variação de preços praticados por botecos nesse evento tão importante para a cidade. Na mesma semana, mais uma matéria de capa destacando a lei de posturas sendo burlada pelos bares com mesas nas calçadas. Então, resolvi mais uma vez desabafar.

Chega de cuspir no prato que comemos, e vamos valorizar o que temos de bom! Já não basta abrir os jornais ou ligar as TVs para nos sujarmos de sangue ou dar visibilidade para tantas mazelas, mas se for o caso, os nobres colegas poderiam dar destaque a problemas mais importantes, como por exemplo, os 15 mil reais pagos aos garçons do Congresso com nosso dinheiro, os preços estratosféricos dos alimentos causados pela falta de incentivo oficial ou pela infraestrutura precária, à carga tributária assassina, etc. Tem tanta coisa que deveríamos estar divulgando para tentar reverter, como essa hipócrita lei seca, como os desgovernos na saúde, segurança, transporte e educação. E por que não valorizar os poucos eventos populares que temos? Vamos nos informar sobre os números positivos do evento para nos encher de orgulho?

Que tal deixar que a lei de mercado determine os preços praticados pelos comerciantes, que não devem explicações nenhuma aos leitores, e sim aos clientes, que, se estão frequentando seu estabelecimento [e porque estão satisfeitos com o custo/benefício dos serviços? Cadeiras nas calçadas, após as 18 horas ou nos finais de semana atrapalham tanto assim? Parabéns à prefeitura, que teve o bom senso de permitir essa prática, que já se incorporou à nossa cultura. E vou além, deveria permitir sempre, pois além de fazer parte de nossa tradição, todos gostam de ficar na “praia” e poderíamos muito bem criar regras maleáveis para diferentes locais, dias e ocasiões. Parabéns também ao nosso povo e aos nossos comerciantes de BH que abraçaram essa iniciativa vitoriosa, que traz muito mais do que alegria para todos. O Comida di Buteco traz visibilidade, marketing positivo de nossa cidade e muito dinheiro para movimentar nossa sofrida economia.

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