Deu água na boca

Livros recém-lançados oferecem informações preciosas sobre a relação do brasileiro com a alimentação. Nem garfo nem faca, de Rosa Belluzzo, traz o tema sob o enfoque da história

por Eduardo Tristão Girão 29/09/2010 11:11
Debret/reprodução
Hábitos do Brasil colônia, como Debret retratou em Um jantar brasileiro, são fonte importante para pesquisadores (foto: Debret/reprodução)
Três lançamentos da Editora Senac São Paulo jogam luz sobre a história da alimentação no Brasil, viés da maior importância não apenas para a compreensão da atual cena gastronômica no país, mas também para entender melhor o panoramana social e econômico nacional. Com atuação importante na área, a socióloga e pesquisadora paulista Rosa Belluzzo apresenta Nem garfo nem faca, no qual analisa relatos de viajantes, cronistas e jesuítas que viajaram por terras brasileiras entre os séculos 16 e 19. Além dele, Sabores do Brasil em Portugal e Dicionário do doceiro brasileiro completam a nova leva.

Há lacunas, em termos de bibliografia, na história da alimentação brasileira? “Sim. A primeira publicação desse tipo no país foi Cozinheiro imperial, que é do século 18. No século seguinte foram poucos os livros a respeito. No século 20 é que eles começaram mesmo a ser publicados. Falta história, pois livros de receita existem muitos. Falta história regional, desdobrando pesquisas. Há muito a ser explorado no Pará e no Amazonas, por exemplo, que têm comida maravilhosas. Essa pesquisa é infindável no Brasil”, responde Rosa.

Obras de Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, completa a autora, são os marcos desse tipo de literatura. Sem a pretensão de ser extremamente abrangente (como fez Cascudo no clássico História da alimentação no Brasil), ela manteve foco no que encontrou em relatos de viagens feitas da época do descobrimento ao século 19. São cerca de 20 textos repletos de citações, nas quais o leitor consegue perceber as impressões dos colonizadores no encontro com o Novo Mundo.

“A leitura desses relatos aguçou minha vontade de confrontá-los com a realidade. Europeus chegavam ao Brasil esperando encontrar o Éden e criavam visão própria dos indígenas, sem aceitar essa nova cultura. Isso continuou até mesmo entre os naturalistas do século 19. Como estou sempre caçando livros de história da alimentação, tenho contato com relatos de viajantes e, no caso do Brasil, são as únicas fontes de referência no assunto”, afirma Rosa.

Para tanto, a autora incluiu, ainda, as análises intituladas Viagens transatlânticas, A transição cultural europeia e Vida cotidiana em Portugal, que ajudam a compreender o panorama do Velho Mundo à época do descobrimento. Ao final, a autora acrescenta utilíssima bibliografia culinária composta exclusivamente por títulos brasileiros. Seu próximo livro (também sobre história da alimentação) trará análise antropológica da sociedade carioca na época de Machado de Assis, com as preferências e implicâncias culinárias do escritor.

MAIS Sabores do Brasil em Portugal, da historiadora portuguesa Isabel Braga, propõe investigar sobretudo as percepções dos portugueses em relação à cultura e a ingredientes brasileiros, bem como a chegada de tudo isso ao país europeu. Repleto de informações valiosas, tem capítulos bem interessantes, como aquele em que a autora destrincha dados de pesquisa com brasileiros residentes em Portugal, revelando suas preferências e os alimentos que mais lhes fazem falta.

Organizado pelo antropólogo e museólogo Raul Lody, Dicionário do doceiro brasileiro é reedição de livro publicado originalmente em 1892 por Antonio José de Souza Rego. Com 940 receitas variadas (bolos, tortas, coberturas, chocolates, biscoitos, balas e rocamboles, entre outros), conta com bom texto de abertura sobre a cultura do doce no Brasil, escrito pelo próprio Raul.

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