Cardápio musical variado dá o tom aos bares de BH

10/10/2008 07:00
São casas tão identificadas com um tipo de música, que ela se torna fundamento de uma estética. Que orienta a programação do local, define a decoração do espaço e gera cardápios especiais. Só não dá para dizer que são locais dedicados exclusivamente a um gênero, porque é marca da produção atual a mistura de elementos, gerando variantes tão importantes quanto as matrizes. Mas, com facilidade, encontram-se programas ou projetos voltados para culto das manifestações “de raiz”. É só diversão, mas com estilo.

Pedro David/Esp. EM/D.A Press
A casa de shows Matriz reúne o público indie da cidade, com direito a matinês (foto: Pedro David/Esp. EM/D.A Press)
TEMPLO INDIE


Grupos de jovens, em geral de preto, estão sempre reunidos no Terminal Turístico JK, esquina de Avenida Olegário Maciel com Rua Guajajaras. A animação da turma tem motivo. Num cantinho do térreo, funciona, há nove anos, o Matriz. A programação é variada e, o local, templo de indies. Abreviatura de independentes, sinalizando facções musicais, em especial ligadas a rock diferente (mas com representantes em vários outros estilos, inclusive no samba), com som mais áspero, oposição a polimento estético, que a turma considera típico do massificado e comercial. Os números dão a dimensão da efervescência musical que rola no endereço: 100 bandas por mês, 10 delas de outros estados. Já tocaram lá, quando ainda desconhecidos, NX Zero, Fresno, o CPM22.

“Quanto mais nova é a banda, mais público tem”, afirma Edmundo Corrêa, de 46 anos, proprietário do local, veterano na noite de BH (pelo extinto Calabouço, criado por ele, passaram, em início de carreira, Zeca Baleiro e Chico César). Conta que é local freqüentado por gente “dos oito aos 80”. Por ter matinês, dedicadas aos novinhos, no fim de semana. Mas também pela programação diversificada. Noites de soul, dos anos 1970, com o DJ A Coisa, e cinqüentões, de terno, dançando James Brown. De dois em dois meses, é promovido o sarau gótico (o Just Nocdies) com poesia romântica do século 19 e teatro. Hoje tem Tributo aos 100 anos de Cartola. Amanhã é dia da festa indie, com sete bandas. Todas tocam composições próprias, das 14h às 21h.

Corrêa não esconde a satisfação por ser referência indie, alternativa, underground etc. “Cada dia que abro a casa, conheço gente nova, tendências. Você fica por dentro das mudanças de comportamento e sabendo o que está acontecendo na música”, conta, explicando que, em muitos casos, acaba se tornando amigo dos integrantes. “O Matriz é espaço cultural”, garante.

Bebida – Refrigerante (“pode parecer surpreendente, mas o pessoal quase não bebe”, observa Corrêa), cerveja, vodca ice.
Tira gosto – Salgadinhos vegetais, sem nenhum derivado animal (nem leite ou ovo).

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DJ Maurinho comanda as picapes no projeto Vinil na praça, do Dalva Botequim Musical (foto: Pedro David/Esp. EM/D.A Press)
TRIBUTO AOS CLÁSSICOS


Era uma vez um prédio antigo, no cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Afonso Pena. Até charmoso, mas, como estava abandonado, era sujo, feio, uma ruína apesar de ter história: funcionou no local a tradicional Gruta Serrana. Um dia, o sobrado, assim como a pracinha onde estava localizado, foi restaurado. E no local surgiu o Dalva Botequim Musical, homenagem a Dalva de Oliveira, aprovada pelo filho da cantora. Sucesso estrondoso e lugar fervilhante. “É ponto de encontro e paquera dos jovens, mas tem quem traga os netos”, conta Paulo Moraes, o proprietário.

A arquitetura da casa é só mais um ponto de identidade, que confirma a veneração ao samba e ao chorinho. Com shows e som mecânico (CD e até vinil), não só com música recente mas especialmente da antiga. Perfil que define a decoração do local, com retratos de heróis da MPB (Noel Rosa, Pixinguinha, Adoniram Barbosa e Ataulfo Alves, entre outros). “É como se fosse um bar da Lapa”, compara Paulo Moraes, lembrando-se do antigo bairro boêmio carioca, que foi invadido pela moçada. O Dalva já virou cenário de filme, sediou gravação do CD do Chapéu Panamá e é assediado por compositores que querem lançar discos no local. “Música popular, além de patrimônio do povo brasileiro, é a cara de Belo Horizonte”, garante Paulo Moraes, lembrando-se do Clube da Esquina e de que a capital “foi e é” terra de cantores, compositores e instrumentistas.

Bebida – Cerveja. “É bebida por excelência do brasileiro”, defende Paulo Moraes.
Tira gosto – Trio de ouro (lingüiça, torresmo e mandioca).

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Show da dupla Renan e Rafael, no Alambique (foto: Pedro David/Esp. EM/D.A Press)
SERTÃO URBANO


Sérgio Paulo Pinto é de família do interior. Há 18 anos, criou, no Estoril, o Alambique, pequena adega de 35 metros quadrados, para degustação da cachaça Germana, que produz em Nova União, a 55 quilômetros de BH. Amigos, que gostavam de tocar violão, freqüentavam o local. “Os clientes foram se acostumando e a música sertaneja foi ficando. Hoje, 99% dos shows são sertanejos”, conta. Atualmente, a casa está em terreno de 1,8 mil metros quadrados, é famosa – César Menotti e Fabiano começaram a carreira lá – , além de já ter recebido visitantes ilustres como Chitãozinho e Xororó.

“É música amorosa, dócil, com enredo e que fala o que é realmente a nossa gente. O Brasil é sertanejo”, afirma Sérgio Paulo Pinto. Uma canção que adora? “Chalana, de Almir Sater, pela poesia e sentimento”. O Alambique tem ambiente “bem fazenda, bem Minas, é casa com raiz na roça”. E, por isso recebe muitos elogios. Se os jovens foram os primeiros clientes, aos poucos eles “foram trazendo os pais, as famílias”. A comemoração de 18 anos, em novembro, tem programação de quatro grandes shows: Leonardo, Eduardo Costa, “e talvez” Rick & Rener e Marcelinho de Lima & Camargo.

Bebida – Cachaça. “Mas todas combinam com sertanejo se tomadas com limite. Sem limite, nenhuma combina com nada”, afirma Sérgio Paulo.
Tira gosto – Petiscos mineiros (torresmo, lingüiça, dobradinha etc.) e churrasco.

PRAIA NA SAVASSI

Uma fã de reggae, há 12 anos, convenceu os pais a transformar um imóvel da família, construído em 1928 e tombado pelo patrimônio, em bar identificado com a estética do gênero musical. Dito e feito, surgia o Afrodick. Mas, passados alguns anos, ela foi para Londres, fazer mestrado. Casou-se e ficou por lá. A mãe, a engenheira Elizabeth Sadi, cuja colaboração tinha sido o desenho de cadeiras de rede para o local, teve então de mergulhar nas ondas jamaicanas para conhecer melhor os artistas que fizeram da ilha caribenha uma das capitais da cultura pop. Ficou a cargo dela comprar CDs e DVDs com shows de reggae exibidos em telão, quando o local não tem música ao vivo.

“Hoje, admiro muito Bob Marley. O discurso dele sobre liberdade, união e igualdade é muito bonito”, afirma Elizabeth Sadi. Outro elemento que, para ela, faz a força do reggae é ser música de volume baixo, que não atrapalha a conversa. Frases do cantor e compositor estão nas paredes da cervejaria Afrodick, que tem decoração tropical, cara de quiosque “e passa a sensação de que o cliente está na praia”. Mineiros de volta de férias no litoral, para matar as saudades do mar, vão, direto, para ao bar.

Bebida – O coquetel Jezebel (vodca, suco de abacaxi, leite de coco, licor de pêssego e sorvete de creme).
Tira gosto – Uma bandeja com filé, lingüiça de frango, carne de sol e batata.

Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Fausto Dias Ribeiro comanda o Redentor, espaço que tem o cantinho da bossa (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
PARA OUVIR OU DANÇAR


“Redentor remete ao Rio de Janeiro, que sugere bossa nova, descontração e chope”, garante Fausto Dias Ribeiro, explicando não só o nome da casa, mas também a identidade musical. Além de o local ter como trilha sonora musical os artistas ligados ao movimento, também exibe DVDs deles. “É música com sensibilidade, sonoridade e ritmo gostoso, que tem poesia e permite relaxar”, elogia o proprietário. “E que ajuda a recordar bons momentos”, completa.

O local tem cantinho da bossa, parede com antigas capas de discos, homenageando a turma e a MPB. Fausto é também proprietário do Urca. Os nomes cariocas das casas, ele explica, remetem ao fato de que, para sua geração (ele tem 50 anos), o Rio de Janeiro sempre foi “a segunda cidade” do coração dos mineiros. “Misturamos o melhor de lá e daqui”, brinca o fã incondicional de Vinicius de Moraes – “qualquer coisa dele alegra a alma da gente”, garante.

Bebida – Chope. “No Redentor são 11 tipos, uma seleção brasileira”, observa.
Comida – Jabá porta-bandeira (carne seca refogada com cebola, farinha e manteiga de garrafa).

AGARRADINHO

Forró é… para dançar agarradinho. Quem ensina é o DJ Ricardo Barreto. Ele é um dos responsáveis pela transformação, há oito anos, do antigo Recanto da Seresta, espaço tradicional de Santa Teresa, em Forró do Recanto. A casa só abre duas vezes por semana – às quartas e sextas-feiras, para noitadas movidas a música de trios mineiros e nordestinos. É, explica, lugar simples, temático, com janelas abertas, cortinas de renda, retratos de Luiz Gonzaga e Dominguinhos (este com autógrafo do artista). “É o forró mais tradicional de Belo Horizonte”, afirma, atribuindo o sucesso do gênero à empatia de todos com o romantismo e com a sensualidade.

Belo Horizonte, conta Ricardo Barreto, não tem casas dedicadas exclusivamente ao forró. O gênero marca presença, “de segunda a segunda”, mas em projetos especiais, que ocorrem nos mais diversos locais, de academias de dança até restaurantes. “Que têm muito público. Recebemos, inclusive, gringos que ficam pedindo gravação de discos para eles”, observa. “Até o povo do trance vem ao forró”, acrescenta, lembrando-se de turma e gênero ligados a boates e música eletrônica. “Forró é movimento cultural popular”, afirma Barreto, que é responsável, ainda, pelos bailes de sábado e domingo no Lapa Multishow.

Bebida – Catuaba e xiboquinha (mistura de gengibre com canela). “Como é gente que dança, não é muito de beber”, observa Ricardo Barreto.
Tira-gosto – Cachorro-quente na saída do baile. Da carrocinha do Marquinho e do Gaúcho, dupla que acompanha os bailes de forró da cidade. O primeiro, inclusive, divulga a programação.

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