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Evento mundial, Global Game Jam tem 10 jogos criados em BH

Pela primeira vez, Belo Horizonte foi uma das sedes do evento mundial, que existe desde 2009

Marcelo Faria

Trinta participantes se dividiram em 10 grupos e, durante 48 horas, focaram apenas no desenvolvimento dos seus jogos

Apesar de terem passado as últimas 48 horas programando, desenhando e projetando um jogo, a equipe do Orbies não parecia muito cansada. Contentes pelo resultado do seu árduo esforço, o trio formado por Daniel, Davi e Sérgio estava mais preocupado em corrigir os últimos bugs do seu projeto do que em dormir. Eles eram parte dos milhares de desenvolvedores que, espalhados por 488 sedes em 71 países do mundo, participaram da Global Game Jam 2014. E o Orbies foi um dos 4.291 jogos criados durante a maratona de game design, que teve como tema a frase “Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos”, da autora Anaïs Nin.


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Pela primeira vez, Belo Horizonte foi uma das sedes do evento mundial, que existe desde 2009. E a cidade, que tem ambições de ‘polo de tecnologia e inovação’, recebeu alguns visitantes de fora do estado, como foi o caso de Daniel Bittencourt, de São Paulo. Formado em game design pela Vancouver Film School, do Canadá, ele veio para o encontro em BH e pela primeira vez trabalhou junto com seus colegas Davi Rodrigues e Sérgio Nunes: eles pretendem formar uma startup na área de games. Davi, de BH, estudou com Daniel no Canadá e foi o amigo que uniu os três.

Dentre eles, quem estava mais à vontade era Sérgio: ele se formou na PUC Minas, responsável por organizar e ser anfitriã do evento na capital mineira. A iniciativa partiu do Curso de Jogos Digitais: “Já tínhamos feito algo semelhante internamente na PUC, mas é a primeira vez que entramos no global. O curso está perto de completar 9 anos e acho que já estamos maduros o suficiente para abraçar essa ideia”, destacou o coordenador do curso, Marcelo Nery, um dos professores responsáveis por que planejar e organizar o evento.

O trio Daniel, Davi e Sérgio criou o Orbies, um jogo no qual a estratégia pode mudar conforme as mudanças do personagem

Para quem não conhece, vale a pena explicar: Global Game Jam é um evento anual que surgiu em 2009. Nele, desenvolvedores espalhados pelo mundo todo são informados de um tema pela organização e precisam, em apenas 48 horas, criar um jogo. Em BH, o local escolhido foi o prédio do curso de educação física da PUC Minas. Lá, 30 participantes se dividiram em 10 grupos e, durante 48 horas, entre sexta-feira e domingo, focaram apenas no desenvolvimento dos seus jogos.

Criatividade sem limites

Todos os anos, o tema da Global Game Jam é algo que ajuda o processo criativo ao invés de limitar. Neste ano, a frase “Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos” gerou interpretações bem artísticas dos participantes, como foi o caso do próprio Orbies: “Lidamos com o tema da seguinte maneira: percebemos o mundo do jeito que somos. Mas estamos sempre mudando, então um dia posso me sentir como uma pessoa diferente. Assim, no nosso jogo existe um mundo que segue sempre as mesmas regras, mas conforme o personagem vai mudando, a estratégia muda. Então, o que antes era uma oportunidade, hoje pode ser uma ameaça”, explicou Daniel, acrescentando que o trio se esforçou para criar algo realmente jogável, que fosse além dos ‘experimentos de jogabilidade e arte’ que costumam sair das game jams.

Essa, no entanto, não foi a preocupação de outro grupo de desenvolvedores de BH. Formados na PUC, Thiago de Araújo, Tiago de Oliveira e Éder Ferreira, criaram o Trust: uma experiência multiplayer sem rede e nenhum tipo de conectividade entre os dois jogadores, que ficam em computadores separados. “Desde o momento em que surgiu a ideia, deixamos claro que era mais um experimento artístico que algo comercial”, contou Éder.

Usando Journey, de PS3, como principal inspiração, Trust é sobre duas pessoas que andam juntas e, apenas confiando uma na outra, conseguem superar seus obstáculos. A jogabilidade é tão poética quanto a sua concepção. Como não existe conexão entre as máquinas, os jogadores conversam entre si para tentar seguir o mesmo caminho. Mas em determinado momento, um deles vai encontrar um obstáculo intransponível. Para seguir em frente, ele precisa pressionar um botão para ‘fechar os olhos’, o que faz com que o jogo desapareça. A partir dai, ele deve confiar nas coordenadas do colega para seguir o caminho e superar o desafio. Não existe um objetivo final: a ideia é apenas curtir a exploração.

“Como você está fazendo por diversão, você não tem medo de arriscar ou de tentar algo que não seja comercialmente viável. Ou medo de fazer a sua ideia que é legal mas é igual a qualquer jogo por aí. São só três dias e, depois você volta para sua vida normal”, avaliou Éder, que em sua ‘vida normal’ é desenvolvedor na Overpower Studios, empresa de games de BH.

O professor Marcelo Nery também enfatizou esse aspecto: “o espírito do Game Jam é centrado em algumas coisas. Entre elas, fazer um jogo que é diferente do dia a dia deles. O interessante é que façam algo completamente novo. O evento instiga a criatividade e a amizade”, reforçou.

Até o fim

Além da chance de deixar a criatividade solta, os participantes da Game Jam também ganham outra grande lição com a experiência: ver um jogo do começo ao fim e saber como terminar um projeto. Não é incomum que desenvolvedores, como em qualquer outra profissão criativa, passem meses e anos ‘agarrados’ em um mesmo desafio, sem saber para onde caminhar e com um baixo nível de produção. Mas em Game Jam, com toda a pressão e o foco das 48 horas dedicadas ao desenvolvimento, as melhores ideias nascem e crescem em instantes.

“O Game Jam é uma experiência muito boa em que você vê o jogo surgir na sua frente. Você dorme mal, come mal, você mal toma banho, mas no final vale a pena”, destacou Hugo Moraleida, que fez parte da equipe do Cloudwalker, em que o jogador controla um personagem que alterna entre criança e adulto, alterando junto o mundo de nuvens ao seu redor.

A sensação é a mesma da equipe do Trust. Quando perguntado se esse era o primeiro jogo feito pelo trio, a resposta veio quase em coro: “Até o fim, sim!”.

Mais no ano que vem

Mesmo antes dos dez jogos estarem prontos, o professor Marcelo Nery já estava contente com a resposta gerada pela Game Jam: “Foi muito gratificante. Em pouquíssimos dias tivemos três vezes mais inscritos que o nosso local permitia, foi muito bacana”, comemorou, já prometendo que em 2015 a PUC deve ser sede de outra edição. “Vamos fazer de novo e vamos fazer maior”, completou, aproveitando também para elogiar o apoio pela estrutura da universidade.

Além do legado no aprendizado do participantes, também ficaram os 10 jogos produzidos por eles, todos disponíveis para download.

A possibilidade de investir mais no desenvolvimento dos jogos para chegar em uma versão comercial, seguindo o exemplo do Surgeon Simulator 2013, feito na Global Game Jam daquele ano e hoje vendido no Steam, é algo até considerado por muitos dos participantes do evento em BH. Mas segundo Sérgio, da equipe do Orbies, a decisão pode ficar para depois: “Vamos pensar nisso depois de dormir um pouco”, respondeu.