Arquiteta assume o comando do Iphan em Minas

Débora Maria Ramos do Nascimento foi nomeada para a superintendência do órgão que cuida do patrimônio em Minas, após sete meses de vacância no cargo

Gustavo Werneck 28/04/2020 07:54
Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press
Casa de Chica da Silva, em Diamantina, que abriga hoje o escritório técnico do Iphan (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press)

Bens culturais tombados pela União em Minas estão sob novo comando. Sete meses após a saída da museóloga Célia Corsino da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a autarquia federal no estado tem, finalmente, um profissional da área nomeado pelo governo federal para cuidar de um dos acervos mais ricos do país, incluindo quatro sítios reconhecidos como patrimônio da humanidade. Trata-se da arquiteta e urbanista mineira Débora Maria Ramos do Nascimento.

"Gosto muito de desafios – e este é um desafio, com certeza – e quero fazer um trabalho principalmente técnico", disse Débora ao Estado de Minas. Mineira de Belo Horizonte, de 40 anos, e funcionária concursada da Prefeitura de Diamantina, cidade onde tem raízes, a arquiteta pretende "realizar um bom trabalho e deixar uma marca, sempre focada nos aspectos técnicos".

A portaria assinada pelo ministro do Turismo, Marcelo Henrique Teixeira Dias, conhecido como Marcelo Álvaro Antônio, foi publicada nesta segunda-feira (27) no Diário Oficial da União (DOU). O cargo de superintendente estava sendo ocupado de forma provisória pelo arquiteto da própria instituição em Minas Matheus Cotta. Mesmo com a portaria, nomeações recentes para postos-chave na superintendência de Minas e nos estados da Paraíba e do Rio de Janeiro preocupam especialistas do setor, que consideram os indicados anteriormente sem o perfil profissional adequado à função.

Diante do quadro, as parlamentares mineiras do Psol Áurea Carolina (deputada federal) e Cida Falabella (vereadora em Belo Horizonte) oficializaram uma representação à chefe da Procuradoria da República de Minas Gerais, Isabela de Holanda Cavalcanti, pedindo "apuração de supostos atos ilegais cometidos, como o desvio de finalidade, relativo às nomeações para cargos estratégicos em Minas, na Paraíba e no Rio de Janeiro.”

Diz o documento: "É preciso frisar que nomeações políticas que vêm negligenciando aspectos técnico-científicos para cargos estratégicos têm sido comuns no que toca às ocupações dos cargos no Iphan". São citados Victor Fonseca Lucchesi, para o cargo comissionado de coordenador administrativo, e Marcelo Henrique Teixeira Dias, ambos para o Iphan em Minas; Zilfrank Antero de Araújo, para chefe de divisão técnica na superintendência do Iphan na Paraíba, e Monique Baptista Aguiar, como coordenadora no Rio de Janeiro. As parlamentares pedem que os atos sejam revogados.

Em Minas, após a saida de Célia Corsino, a superintendência foi alvo de grande polêmica, devido à indicação ao cargo de relevância do cinegrafista Jeyson Dias Cabral da Silva. Na época, a autarquia havia migrado da extinta pasta da Cultura para a da Cidadania, mas Jeyson declinou do convite, perto da posse, ao tomar conhecimento da abrangência das responsabilidades da instituição, que conta mais de 80 anos.

Na atual gestão do ministro do Turismo, tomaram posse na superintendência em Minas profissionais sem especialização na área. São eles Victor Fonseca Lucchesi, formado em direito, no cargo de coordenador administrativo; Henrique Santiago Lima, estudante de enfermagem, para chefe de gabinete; e Camila Mendes Kalid, coordenadora técnica da área de comunicação e marketing.


RECONHECIMENTO

"O Iphan tem reconhecimento internacional, com mais de oito décadas de trabalho exemplar e uma cultura dinâmica. Não se trata apenas de um cartório de tombamento", destaca o ex-presidente nacional da instituição (1985-1988) Angelo Oswaldo de Araújo, ex-secretário de Cultura de Minas e ex-prefeito de Ouro Preto. Ele acrescenta que "preservar o patrimônio implica programa amplo e abrangente em pesquisa, estudos mostras e publicações de maneira multidisciplinar e com apoio de pessoal qualificado".

Professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), Flávio Carsalade defende a presença de pessoal técnico especializado na área. "É o corpo técnico que tem garantido a longevidade e o reconhecimento internacional ao Iphan. Pessoas inexperientes colocam em risco não só o patrimônio cultural de Minas, um dos mais importantes do mundo, como  de outros estados brasileiros", afirma o arquiteto. Ele observa: "O que nos tranquilizava era a presença, à frente da superintendência do Iphan em Minas, embora interino, de um arquiteto (Matheus Cotta), que é da casa e muito conceituado".

Recentes nomeações para cargos técnicos no Rio de Janeiro e na Paraíba colocam em risco, segundo especialistas, os destinos do patrimônio brasileiro. Para a Divisão Administrativa no estado nordestino foi nomeado pelo ministro Marcelo Álvaro Antônio o pastor e blogueiro Zilfrank Antero, enquanto a blogueira e turismóloga Monique Aguiar foi designada para ocupar a coordenação técnica no estado fluminense.

A situação no Rio teve, como resposta, uma carta pública assinada por órgãos representativos de arquitetos e urbanistas, bem como de preservação de monumentos, advertindo que "profissionais sem a formação ou experiência minimamente adequada para a complexidade da tarefa colocam em risco o patrimônio do Rio de Janeiro".

A reportagem tentou ouvir o Ministério do Turismo sobre o assunto, sem sucesso.

Acervo pessoal
Débora Ramos do Nascimento faz mestrado em patrimônio cultural e trabalhou no projeto Monumenta (foto: Acervo pessoal)

Quem é a nova superintendente

Arquiteta e urbanista graduada em 2005 pela PUC Minas, Débora Maria Ramos do Nascimento é especialista em direito urbanístico pela mesma universidade. Foi funcionária da Prefeitura de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, passando a servidora concursada a partir de 2008, na mesma instituição. Ainda na atuação profissional, foi responsável pela análise e aprovação de projetos arquitetônicos em Diamantina, de 2005 a 2007.

A arquiteta integrou a Unidade Executora de Projetos (UEP) do programa Monumenta como especialista em patrimônio, sendo ainda responsável pela Revisão Participativa do Plano Diretor de Diamantina e participante da comissão de acompanhamento do Plano de Ação das Cidades Históricas.

Débora ocupou o cargo de presidente do Conselho de Desenvolvimento Municipal de 2012 a 2016 e foi também presidente da Comissão Permanente de Análise de Estudo de Impacto de Vizinhança. Foi responsável pela elaboração de diversos projetos dentro do Centro Histórico tombado de Diamantina e demais áreas da cidade.

Desde 2018, a nova superintendente cursa o mestrado profissional em patrimônio cultural do Iphan, com foco no tema "O tombamento da Serra dos Cristais e as consequências da ausência de um planejamento inclusivo".



Ouro Preto troca secretário de cultura

Em Ouro Preto, na Região Central de Minas, a semana começou com substituição no comando da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio. Para o lugar de Zaqueu Astoni Moreira foi nomeada Deise Lustosa, ex-diretora do Museu da Inconfidência. Em três anos e quatro meses, Zaqueu foi responsável pela reabertura da Casa da Ópera, retomada das ações do PAC com o restauro da igreja de Glaura e a segunda etapa do templo dedicado a Nossa Senhora da Conceição, restauro dos chafarizes dos Contos e das Águas Férreas, obra da Casa de Cultura Negra, registro como patrimônio imaterial da Festa do Reinado de Santa Efigênia e do Ofício de Bordadeiras e Rendeiras, criação do Fundo Municipal de Cultura e do Plano Municipal de Cultura. Ele agora deve se dedicar ao seu escritório de advocacia.

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