Procura por oficinas musicais e de escrita cresce com a quarentena

Vários profissionais buscam na arte e na cultura uma fora de desopilar em meio à pandemia do novo coronavíris

Pedro Galvão 01/04/2020 08:00
Catarina Paulino/DivulgaÇÃO
Peça KA KA KA KA KA, do curso de teatro da PUC-MG: alunos gravam cenas em casa e interagem com professores nas plataformas digitais (foto: Catarina Paulino/DivulgaÇÃO)
Ao retornar da Inglaterra, onde vivia desde outubro, em função das incertezas geradas pela pandemia do novo coronavírus, a advogada Fernanda Amariz, de 27 anos, encontrou nas aulas de canto uma forma de tornar os dias na quarentena menos angustiantes. Há uma semana e meia de volta a Belo Horizonte, ela passa quarentena com a família, mas em isolamento pessoal dentro de um quarto. Espaço suficiente para aprimorar as técnicas vocais sob orientação da professora, via vídeo-chamada.

“Coincidentemente, uma amiga em comum me falou do caso de uma professora de canto que estava preocupada com a falta de aulas durante a epidemia. Ou seja, juntei a possibilidade de ajudar alguém e de fazer uma atividade que me trouxesse alguma distração nestes dias”, conta Fernanda. A segunda aula será nesta semana. Aprender canto era algo que a advogada “já tinha pensado várias vezes”, mas sem nunca iniciar. A aluna garante que não há nenhum incômodo no fato das aulas não serem presenciais e ainda celebra: “Poderei continuar, mesmo quando voltar para o exterior.”

Embora muitas vezes dependa dos encontros, o ensino das mais variadas artes encontra seus caminhos na quarentena, inclusive como ferramenta importante no bem-estar de muita gente. A servidora pública Camila Navarro, de 35, havia procurado a escola de escrita e literatura Estratégias Narrativas antes da epidemia estourar no Brasil. A ideia era fazer das aulas no “ateliê de escrita” um momento de relaxamento frente à correria rotineira. Com o isolamento residencial ocasionado pelo coronavírus, a atividade ganhou outro significado para ela, que é mãe de uma criança de 2 anos e nove meses.

“A escrita tem sido uma forma terapêutica de lidar com o isolamento, mas tive a ideia de fazer um diário, para ele ler no futuro. Estamos vivendo um momento histórico, que será estudado nas próximas décadas. Quando a gente vê a história, muitas vezes não entendemos como aconteceu, então pensei em deixar esse registro para ele compreender quando crescer, já que ele não deve se lembrar. É um registro para ele saber como estamos vivendo esses dias”, diz Camila.

Uma das responsáveis pelo ateliê, a professora de literatura Júlia Arantes diz que a procura foi grande durante a quarentena e alguns cursos da escola até se esgotaram, como da oficina Formas breves: Escrevendo contos. “Antes da COVID-19, já havia uma procura por parte de profissionais que têm uma rotina extenuante, que buscam na escrita e na leitura uma forma de desopilar. Durante a quarentena, ficou mais intenso. Na falta de contato social, nesses cursos você se encontra com pessoas diferentes, mas de interesse em comum pela literatura. Muita gente precisa disso agora”, esclarece a professora.

Júlia Arantes ainda destaca o caráter democrático da atividade. “Para aprender a tocar um violoncelo, é preciso comprar o instrumento. Escrita basta o papel e a caneta. Além disso, é uma forma de nos ajudar a compreender o que estamos vivendo, de registrar nossas próprias emoções. Nos nossos cursos ainda podemos trocar essas experiências, pois os alunos leem os textos uns dos outros, opinamos. Há uma grande cumplicidade nas turmas”, relata a professora, que está ministrando os encontros dos cursos via plataformas digitais de vídeo-chamada.

CRIAR NO CAOS

Para quem já lidava há mais tempo com o ensino de atividades artísticas, os tempos são de desafios e “reinvenção”, como define o professor coordenador dos cursos de teatro da PUC-MG, Luiz Arthur Oliveira. Com aulas presenciais interrompidas, as lições continuam com auxílio dos vídeos e da internet. Para Oliveira, se o contato físico é “matéria prima fundamental para o desenvolvimento do artista”, a capacidade de “improvisar e criar no caos”, tem a mesma importância. Os mais de 140 alunos das três modalidades de cursos teatrais da instituição têm seguido as aulas enviando cenas gravadas em casa e interagindo com colegas e professores nas plataformas digitais interativas.

“Não podemos interromper. Sobretudo agora, quando o que tem trazido serenidade às pessoas é justamente a cultura e a arte, tão depreciadas nos últimos tempos. O histórico e a genética do teatro é de lutar contra panoramas adversos. Foi assim na ditadura e será assim agora, que lutamos não só contra um vírus, mas também contra o totalitarismo de governantes que está junto com ele. Estamos reaprendendo e reinventando e os alunos têm que ter protagonismo nessa história”, argumenta o coordenador.

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