TV brasileira aposta em formato mais comercial para se reinventar

Emissoras investem em programas com estilos diferentes do tradicional e garantem audiência em ano marcado pela concorrência com o streaming

Estado de Minas 01/01/2020 04:00
Gabriel Cardoso/SBT
A jovem estrela Maisa Silva fez bonito na TV ao emplacar contrato com a Netflix e programa próprio nas tardes de sábado do SBT/Alterosa (foto: Gabriel Cardoso/SBT)

Definitivamente, o modo de assistir à televisão não é mais o mesmo. Mas nem por isso essa mídia perdeu relevância. O novo ano, certamente, será marcado por desafios, pois em 2019 a TV teve de se reinventar em vários aspectos, como ressalta o jornalista Rafael Barbosa Fialho Martins, doutorando em comunicação social e membro do podcast TV ao Cubo. “2019 foi ano emblemático para a televisão brasileira – aberta, fechada ou streaming –, sobretudo devido aos cortes de publicidade do governo federal. As emissoras tiveram de recriar e se transformar. Quem mais inovou nesse sentido foi a Globo”, afirma.
 
O pesquisador destaca ações publicitárias envolvendo a personagem Vivi Guedes (Paolla Oliveira), da novela A dona do pedaço, que não só ganhou perfil exclusivo no Instagram como estrelou comerciais de empresas reais. “Esses novos formatos comerciais serão uma tendência. Não só a Globo, mas a Record e o SBT estão investindo nisso”, aponta.
 
Por falar na trama de Walcyr Carrasco, mesmo a contragosto dos críticos, ela foi considerada o maior sucesso de audiência e faturamento da TV brasileira nos últimos 12 meses. Para Duh Secco, colunista, editor e redator do site de entretenimento RD1, 2019 foi um bom ano para a dramaturgia, sobretudo da Globo. “Apesar de não primar pelo bom texto, Walcyr mostrou que sabe ser popular, ampliando a audiência das 21h. Amor de mãe resgatou a qualidade da faixa, já que Aguinaldo Silva tropeçou feio com O sétimo guardião. Às 19h, Verão 90 deixou a desejar para quem esperava uma trama ligada à época. E Bom sucesso cumpriu a mesma função de Amor de mãe: trouxe qualidade ao horário, com enredo calcado nas referências à literatura”, detalha.
 
Raquel Cunha/Tv Globo/Divulgação
Vivi Guedes, personagem de Paolla Oliveira em A dona do pedaço, ganhou perfil no Instagram e fez comerciais (foto: Raquel Cunha/Tv Globo/Divulgação)
Com relação ao horário das 18h, ele aponta o “mais do mesmo”, sobretudo em Órfãos da terra. “Duca Rachid e Thelma Guedes tiveram excelente proposta, prejudicada pelos vícios de sempre das autoras, empregados à exaustão: o vilão que tudo pode, além de recursos já esgotados, como sequestros. Éramos seis merece nota pelo trabalho sensível de Glória Pires e alguns coadjuvantes. E Espelho da vida aplacou a crise de audiência com uma repercussão assustadora”, afirma o crítico. Ele ressalta as reprises de Vale a pena ver de novo que bombaram, sobretudo Por amor, Cordel encantado e, principalmente, Avenida Brasil.
 
Rafael Fialho Martins destaca as séries Sob pressão e Segunda chamada, que se voltaram para temas da realidade do país como os problemas nos setores de saúde e educação pública. “Produtos meramente para divertir não vêm tendo tanta relevância. É preciso fazer pensar, e essas duas produções fazem isso de maneira muito eficiente. É entretenimento de qualidade, levando à reflexão sem ser panfletário”, opina.
 
Depois de um hiato de quatro anos, a Record voltou a investir em tramas contemporâneas não-bíblicas. Topíssima, com boa aceitação do público, deve ganhar nova temporada em 2021. Sua substituta, Amor sem igual, segue no mesmo caminho.

João Raposo/SBT
As aventuras de Poliana (SBT/Alterosa) se tornou fenômeno de audiência e ganhará continuação (foto: João Raposo/SBT)
Já As aventuras de Poliana, atração do SBT/Alterosa, que estreou em 2018, vai ganhar continuação justamente por ser um fenômeno de audiência. A ideia é de que a trama de Iris Abravanel só termine em 2021. Ao comentar a performance da emissora de Silvio Santos, Duh Secco elogia os apresentadores Celso Portiolli e Rebeca Abravanel, filha do “Patrão”. Ele por colocar o Domingo legal na vice-liderança de audiência com folga, brigando com a Globo, e pela homenagem feita a Gugu Liberato, a grande perda da televisão em 2019.

“Já Rebeca conseguiu manter os dois dígitos com o formato já desgastado do Roda a Roda Jequiti, em pleno horário nobre, apostando na interação com o auditório. Ela tem presença e talento. Merece voos mais altos”, afirma Duh.
 
Maisa Silva é outra que fez bonito, provando que não só cresceu e amadureceu, mas tem talento. A jovem estrela emplacou um contrato com a Netflix e programa próprio nas tardes de sábado do SBT/Alterosa, recebendo nomes como Xuxa, Anitta e Pedro Bial. Duh Secco destaca a posição da Globo em relação à gestão Jair Bolsonaro, enquanto as concorrentes não fazem questão, segundo ele, de esconder “a obediência ao atual governo”. Isso ocorre tanto nos telejornais quanto no humor, especialmente em Zorra e Isso a Globo não mostra, do Fantástico. “A emissora não sucumbiu ao jogo político”, observa o especialista.

CNN no Brasil

Ao comentar o jornalismo na telinha, o redator do RD1 cita Maju Coutinho, que, apesar das críticas, vem imprimindo seu estilo ao Jornal Hoje. “Também há a chegada da CNN Brasil, que já se coloca como uma das atrações mais interessantes de 2020. Ela movimentou o mercado, valorizando 'peças' como Reinaldo Gottino, Monalisa Perrone e Daniel Adjuto”, diz.
 
2019 também foi o ano dos realities gastronômicos. Até a Globo se rendeu a eles. Apesar de já ter garantido uma segunda temporada, faltou tempero a Mestre do sabor, apresentado por Claude Troisgros e Batista. “É um programa sem sal, apático e entendiante. O Claude se esforça, os jurados idem, mas a dinâmica é fria demais para uma batalha na cozinha, lugar de afeto, quente”, diz Duh. Mudanças podem vir em 2020. “O ano passado foi de baixas para os realities, o que indica esgotamento de fórmulas como o BBB e A fazenda. Já o MasterChef tentou reverter a queda na audiência com a mudança para os domingos e acabou caindo ainda mais”, observa Duh.
 

Programação de domingo

Rafael Martins aponta a precarização da programação de domingo. Segundo ele, muitas atrações retomaram as velhas fórmulas de exploração desmedida de pessoas pobres e do drama exagerado. “Eram temas que já achávamos superados ou reformulados, mas que voltaram. Tudo em nome da audiência”, afirma. Duh também lastima o sensacionalismo, sobretudo na Record. Para o colunista, o apresentador Geraldo Luís não foi um substituto à altura de Reinaldo Gottino e Balanço geral perdeu o tom “harmônico”, especialmente no quadro A hora da venenosa. “Já Luiz Bacci parece sempre querer ser maior do que a notícia, com aquele famigerado caderninho, posando de investigador quando está claro que o papel ali é explorar casos dramáticos em prol da audiência.”
 
De acordo com Martins, o momento mais degradante de 2019 foi Rodrigo Faro perguntando pelos índices de audiência durante a homenagem ao recém-falecido Gugu em seu programa. “Pareceu claro que não havia a menor comoção, como ele parecia demonstrar. Exagerado e fake, Faro deixou o posto de promessa, cotado até para substituir Faustão. É um ator, que agora soa canastra em todos os momentos do programa. A audiência já vinha correndo dele e agora o negócio tende a piorar”, acredita.
 
Duh Secco analisa também o SBT e a RedeTV.! “Silvio Santos é ainda um mito, mas resistente às mudanças da sociedade. Promove concursos da década de 1960 e pensa como um homem daquela época. Pior é que Patrícia Abravanel parece seguir o mesmo caminho”, afirma. De acordo com ele, a RedeTV! é incapaz de angariar audiência, “mobilizando peças já antiquadas e atacando concorrentes, através de Marcelo de Carvalho, como se fosse uma grande produtora de conteúdo, uma emissora de relevância. Não é.”
 
Duh e Rafael acreditam que a TV convencional terá de provar sua importância e isso pode ser impulsionado por grandes coberturas. “O ao vivo ainda é muito forte, aquela coisa do minuto a minuto, sobretudo com relação a grandes acontecimentos. Isso terá de ser aprimorado em 2020 para que as emissoras tradicionais se firmem e reafirmem frente a outros modelos de assistir à TV”, conclui Rafael Martins.

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