A comoção nacional em torno da tragédia de Brumadinho acendeu, nesta semana, um debate sobre os limites que separam a empatia do oportunismo. Publicações de artistas, aparentemente solidários às vítimas e às famílias atingidas pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, tiveram suas boas intenções colocadas sob suspeita nas redes sociais. Muitos perceberam as manifestações como mera forma de ampliar popularidade, a fim de engajar e atrair novos seguidores, e não se furtaram a fazer comentários nesse sentido diretamente para as celebridades.
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Maroon 5 está em meio a polêmica racial sobre o show do Super BowlDivulgado o depoimento de Lady Gaga no caso Kesha versus Dr. LukeCanadá pede que Netflix tire de 'Bird Box' imagens reais de acidenteSamuel Rosa e Rogério Flausino cobram justiça por BrumadinhoMário de Andrade revela angústia religiosa em cartas a Tristão de AthaydeArtistas convidam público a participar de instalação no CCBBHistoriadora da UFMG diz que punir o Memorial da Vale é errar o alvoAlém de comentários em respaldo à opinião da atriz – e mais de 800 mil curtidas registradas em menos de uma semana –, a postagem também recebeu variadas críticas.
PRECES
A top model Gisele Bündchen também enfrentou cobranças nas redes sociais na última semana.
Não soou bem para parte de seus seguidores, críticos à aura glamourosa da foto. “A Gisele posta sobre Brumadinho com a primeira foto sendo dela para não estragar o feed”, comentou uma internauta, no Twitter. Diante da repercussão, a modelo apagou a mensagem. Vale lembrar que Gisele é ativista ambiental e voz constante de apoio a projetos e causas de preservação do ecossistema.
Outro que não escapou do olhar desconfiado do público foi o funkeiro Nego do Borel. Em publicação, ele faz orações e lamenta a tragédia de Brumadinho e a recente morte do apresentador Wagner Montes. “Meu Deus, que começo de ano é esse, pai?”, indagou.
COMPORTAMENTO
O psicólogo Marcelo Drummond, atuante na comissão de emergências e desastres, observa que ações de personalidades atingem grandes proporções, mas em pouco se distanciam das atitudes de anônimos. “Os comportamentos humanos possuem determinações principais e secundárias. É absolutamente possível apresentar empatia, lamentar o ocorrido, colocar-se no lugar das vítimas e, ao mesmo tempo, incluir um desejo de se promover”, afirma.
Ele diz ser impossível avaliar em que medida esses dois fatores opositores – empatia e oportunismo – são determinantes em uma postagem em rede social. “Quando se tem vida pública, qualquer manifestação serve como promoção, para o bem ou para o mal. Com qualquer ato público (a pessoa famosa) estará se divulgando, mesmo que não queira”, aponta. “Artistas mais conscientes aproveitam dessa imagem para fazer valer suas opiniões de cidadão. Assim, ganham público que pensa como eles e também algumas discordâncias.”
Em sua experiência no ciberespaço, o psicólogo se depara com pessoas que se colocam apaixonadamente contra a Vale, outras que se manifestam de forma moderada, enquanto alguns, por razões diversas, evitam a culpabilização da empresa. Como no ambiente virtual impera uma vigilância constante em relação ao comportamento alheio, é possível que os famosos se sintam pressionados a controlar rigidamente a exposição de suas opiniões.
“Cria-se uma onda, levando ao pensamento de que ‘eu também tenho que me manifestar’. O sentimento de grupo permite a liberação de alguns freios, que geralmente se mantêm em situações solitárias. Surge um sentimento de que não se está sozinho, porque outras pessoas também falam o que querem e me apoiam no que falo.
DIREITOS
Todos têm direito de vir a público apresentar opiniões sobre qualquer fato, desde que respeitem as normas democráticas. É o que relembra a professora Rousiley Maia, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública, da UFMG, com estudos que envolvem comunicação pública e solução de conflitos. “É legítimo que diversos atores, de diferentes áreas da sociedade, se pronunciem na esfera pública, desde que respeitem as normas democráticas. As celebridades têm uma notoriedade e reputação social diferenciadas, mas podem, inclusive, auxiliar causas de ativistas, na medida em que demandam fiscalização e prestação de contas”, observa Rousiley.
Segundo a professora, é preciso considerar menos o status de quem fala e mais o conteúdo daquilo que é dito publicamente, o quanto a fala agrega ao contexto. Se, de um lado, o fato de se manifestar pode soar como oportunismo; de outro, o silêncio pode ser entendido como insensibilidade. “É difícil apontar qual seria a justa medida nessas situações. Não existe uma maneira geral e necessária de se comportar, nem uma linha demarcatória quando se enfrenta pressões de ambos os lados”, opina. “Essas pessoas nunca estarão isentas da crítica de que estão usando a fama e a visibilidade para autopromoção. É inevitável a qualquer personalidade pública.”
A professora avalia que “esses desvios de discussão do público – se há ou não autopromoção ou interesse de marketing –, costumam funcionar frequentemente para despolitizar uma questão”. Ela observa que, “ao atacar o caráter dessas pessoas públicas, bem ou mal-intencionadas, desvia-se de um debate mais substantivo sobre o que é o problema, quais suas consequências e se o que ela disse contribui para o avanço do bem comum, para a responsabilização da empresa e para a questão ecológica”.
VISIBILIDADE
A apresentadora e ativista dos animais Luisa Mell se dirigiu ao local do desastre no início da semana e compartilhou sua rotina no local em seu perfil no Instagram.
"Os comportamentos humanos possuem determinações principais e secundárias. É absolutamente possível apresentar empatia, lamentar o ocorrido, colocar-se no lugar das vítimas e, ao mesmo tempo, incluir um desejo de se promover"
. Marcelo Drummond, psicólogo
"É difícil apontar qual seria a justa medida nessas situações. Não existe uma maneira geral e necessária de se comportar, nem uma linha demarcatória quando se enfrenta pressões de ambos os lados. Essas pessoas nunca estarão isentas da crítica de que estão usando a fama e a visibilidade para autopromoção. É inevitável a qualquer personalidade pública"
. Rousiley Maia, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública da UFMG.