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Em 121 anos, BH foi uma das cidades que mais destruíram seu patrimônio

Elaborada por João Salles, em 1895, a planta geral da Cidade de Minas, como era designada a nova capital, antes de se chamar Belo Horizonte - Foto: Acervo da Comissão Construtora da Nova Capital/Reprodução

 

Há sempre algo a acontecer na capital mineira, algo a desmontar, a esquecer. Belo Horizonte, construída no fim do século 19 e inaugurada em 1897, é uma cidade pensada, arquitetada e moldada no ideário da modernidade. É um terreno jovem se comparado a outras capitais pelo Brasil, que tenta, sempre, reconstruir-se às custas de sua própria história.

Heloísa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das mais respeitadas intelectuais do Brasil, explica que a modernidade, como conceito, foi muito influenciada pelas quatro grandes revoluções dos séculos 17 e 18. “Há uma série de mudanças que interferem na vida política, na vida cultural e na vida cotidiana das pessoas. A relação com o tempo muda, se acelera. A Revolução Inglesa diz que não é necessário um rei absolutista, a Revolução Francesa introduz a ideia da inclusão dos miseráveis na vida pública, a americana funda a República, e a do Haiti diz que os homens não são escravos. Mudam-se todas as direções”, explica.

Belo Horizonte e a modernidade, afirma Starling, estáo muito relacionadas com o projeto que se instaurou no Brasil com a Primeira República – fundada por um golpe militar deflagrado por grupos ligados ao pensamento positivista. A capital, inspirada em Washington, trouxe tanto na ideia quanto no processo de construção, o que a pesquisadora classifica como uma “modernidade autoritária”.
Há símbolos em Belo Horizonte que denunciam essa relação, explica Heloísa. “Você chega em BH pela Praça da Estação e o centro do poder está no ponto, até então, mais alto da capital, no Palácio da Liberdade, como se estivesse acima de você”, afirma.

Belo Horizonte foi uma cidade pensada nessa tensão entre o ideário de modernidade e a autoridade positivista que, no meio do caminho, precisava representar a recém-nascida República. Além disso, a lógica da destruição, na capital, começa ainda antes dela própria – com a demolição do antigo Curral D’el Rey, que existia no lugar onde hoje há Belo Horizonte.

A modernidade belo-horizontina, baseada em um progresso que se engole e não permite acumulação de memória, tem um caráter canibal. “A cidade surge dessa destruição. Não sobra nada e não há nenhuma intenção de incorporar aquilo que existia. Isso traduz muito de Belo Horizonte”, explica a historiadora. Ela cita os versos de Fora da ordem, canção de Caetano Veloso – “Aqui tudo parece/ que era ainda construção/ e já é ruína” –, afirmando que são muito representativos da forma como a capital lida com sua própria história.
“Em Belo Horizonte, muitas vezes, não foi necessário nem terminar uma construção para destruí-la, como se a cidade tivesse que produzir o novo todo o tempo e, principalmente, como se fosse uma cidade sem memória.”



Parte dessa destruição, que é estudada pela pesquisadora há tempos, será contada em um livro que Heloísa pretende publicar em março. Nele, conta-se a história do que existia antes da criação do câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na região da Pampulha. De acordo com ela, havia uma gigantesca fazenda, que foi completamente destruída, mas que ainda deixa algumas cicatrizes no local.

O professor da Faculdade de Arquitetura da UFMG Flávio Carsalade, explica que, no século 19, o urbanismo, como ciência, estava nascendo e que o projeto de Belo Horizonte veio nos moldes das cidades que emergiram na época, como La Plata, na Argentina, e Washington, nos Estados Unidos. “Ruas largas, lugares devidos para a burocracia estatal, zoneamento, lugar para hospitais. Era uma cidade que tinha essa característica das novas ciências e desse século que nasceu”, explica.

Carsalade afirma que essa ânsia modernizadora na capital acabou por proporcionar a convivência de vários estilos arquitetônicos no mesmo espaço. Esse processo, diz Carsalade, vem da ideia de que a identidade do projeto belo-horizontino sempre acabou por classificar coisas como ultrapassadas. “Belo Horizonte é uma cidade do século 20, quando víamos uma transformação muito grande dos estilos arquitetônicos. A capital nasceu com o estilo eclético, de inspiração neoclássica, mas logo veio o art déco, que era uma reação contra o eclético.

Depois, começaram a aparecer o estilo moderno, tudo em uma correria muito grande. Sempre havia uma nova corrente arquitetônica que estava em voga, que substituía a anterior”, explica, acrescentando que o projeto implicava “ser o último grito da modernidade”. “BH sempre procurou esse ‘avanço’ e isso significa destruir coisas antigas, que, afinal de contas, nem eram tão antigas assim.” Como afirma Heloísa: “É como se dissesse: sou tão moderna que as coisas aqui não podem ficar velhas”.

*Estagiário sob supervisão do subeditor Pablo Pires Fernandes.

“É como se dissesse: sou tão moderna 
que as coisas aqui não podem ficar velhas”
Heloísa Starling, historiadora

“BH sempre procurou o avanço modernista e isso significa destruir coisas antigas, que, afinal de contas, nem eram tão antigas assim”
Flávio Carsalade, arquiteto
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