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Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, vira patrimônio histórico da humanidade

Decisão da Unesco contempla único vestígio material do desembarque dos negros escravizados nas Américas

AFP


Mauro Pimentel/AFP - Foto: Mauro Pimentel/AFP
Desde domingo, o Cais do Valongo, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, é o novo patrimônio histórico da humanidade. Com 350 metros de comprimento, o porto, que começou a ser erguido no fim do século 18, ficou pronto em 1811. À primeira vista, é um simples conjunto de blocos de pedras desgastadas pelo tempo. Mas elas estão carregadas da história dolorosa dos africanos que desembarcaram no Brasil. Apesar de seu alardeado multiculturalismo, este ainda é um país racista.

“Com as pesquisas arqueológicas que trouxeram à luz os vestígios do cais, imediatamente percebemos que estávamos diante de um local de memória único nas Américas, porque não há outro vestígio de desembarque”, explica o antropólogo Milton Guran, responsável pela candidatura do sítio carioca a patrimônio mundial da humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

A candidatura foi oficializada em março de 2016. Em 2012, a cidade do Rio de Janeiro já havia sido declarada patrimônio mundial da Unesco em razão de suas riquezas naturais, entre o mar e a montanha.

SENEGAL O reconhecimento do sítio permitirá ao Rio ser incluído na mesma lista em que está a Goreia. Declarada patrimônio mundial em 1978, essa ilha senegalesa é reconhecida como o ponto de partida simbólico dos escravos africanos para as Américas. A milhares de quilômetros de distância, do outro lado do Atlântico, os vestígios do Valongo permitem reconstruir o final de uma terrível viagem.

“Aqueles que sobreviviam à travessia tinham que percorrer apenas mais alguns passos para chegar a seu próximo destino, o mercado dos escravos, formado por várias lojas espalhadas em torno da praça”, informa o historiador Cláudio Honorato.
“Era um bairro inteiro transformado em um grande complexo em torno desse comércio, com locais de compra e venda de negros, lojas para fazer o ferro para prendê-los”, explica ele, integrante do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, que expõe milhares de ossadas de uma gigantesca fossa comum descoberta não muito longe do Cais do Valongo.

Os escravos não permaneciam muito tempo no Rio de Janeiro. Uma vez vendidos, eram rapidamente levados para as plantações de cana-de-açúcar do Nordeste, as minas de ouro de Minas Gerais ou para as plantações de café da região de São Paulo.

É difícil estabelecer números com precisão, mas historiadores acreditam que o Brasil recebeu mais de quatro milhões de escravos vindos da África – 40% do total das vítimas do tráfico para as Américas.

JOGOS OLÍMPICOS Principal porta de entrada dos escravos no Rio de Janeiro entre o final do século 18 e meados do século 19, o Cais do Valongo desapareceu progressivamente, sob várias camadas de coberturas. O sítio arqueológico foi revelado em 2011, durante escavações realizadas antes das obras de revitalização da Zona Portuária, um dos projetos faraônicos para os Jogos Olímpicos de 2016.

“Sabíamos que o Cais do Valongo se encontrava neste local, mas não esperávamos achar muita coisa. Foi absolutamente surpreendente a forma como ele se preservou, em função da grande profundidade em que está”, explica a arqueóloga Tânia Andrade Lima, responsável pelas escavações.

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