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Gloria Groove diz que a cultura drag no Brasil ainda precisa de valorização

Em entrevista, a artista fala preconceitos e mensagens no universo das drag queens

Rebeca Oliveira Correio Braziliense
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Esqueça a imagem de uma drag queen focada apenas nas dublagens e versões de Michael Jackson, Beyoncé e Amy Winehouse. Desde o início da carreira, a paulista Gloria Groove destoou do trabalho da maioria delas. Em vez de covers, a paulista expõem como funciona a rotina da noite por meio do hip-hop. Justamente um meio musical dominado por homens — e que, não raramente, esbarra no machismo.

Com forte crítica social, Gloria viu a carreira decolar rapidamente. Ela passou a se montar há pouco mais de dois anos e conseguiu conquistar um público para além do LGBT com o single Dona. Os versos tocam em questões que, até então, não chegavam ao mainstream. “Corro com vocês, eu sei que fácil não é nunca. Lembra dos ‘cara’ achando que consumação paga peruca?”, indaga a artista, afirmando, na sequência, que não se submeteria situações injustas que acontecem em boates e casas noturnas de todo o país.

Prestes a lançar um novo videoclipe, Gloria Groove conversou com o Correio sobre Império, em fase de finalização e que, em breve, fará parte do primeiro EP da artista.
Gravado na última semana, foi fruto de trabalho coletivo com João Monteiro, diretor de Dona e que conheceu nas filmagens do documentário Tupiniqueens. Detentor de vários prêmios, o filme mistura a cena drag de São Paulo a depoimentos de integrantes do reality show RuPaul’ Drags Race. Império também tem cunho político. É, segundo a artista, um “hino da resistência” com ares de revolução futurista.

A cena do hip-hop é machista?
Passo a maior parte do tempo tentando não me preocupar com isso. Costumo pensar mais assim do que focar no que os grandes nomes do hip-hop podem achar de uma drag cantando. O público para quem falo entende essa linguagem. Minha música conversa com o universo drag, com o trans e o gay negro de periferia. Se você vive isso, entende o que eu falo.

“Consumação não paga peruca” remete a algum caso específico?
É uma realidade comum e de muitas amigas. A cultura drag no nosso país ainda é sobre ‘bater cabelo’, fazer lip sync e ter uma pegada de humor. Drag na balada pop não existia, era só em festas eletrônicas, com gogo boy. Hoje, elas já marcam presença em festas mais modernas. Isso começou após o boom do RuPaul. A demanda ficou maior e, de olho nisso, os donos de festa começaram a trabalhar conosco de forma diferente.

Como era antes?
Não era valorizado.
O DJ ganha R$ 300 e a drag, que faz porta a noite toda, ganhava R$ 50 de consumação. É justo? Não, mas é o que acontece. Ainda hoje, a drag é vista como um acessório de festa, um “veado montado”. Isso puxa muito para o nosso próprio preconceito, é um tal de um não gostar do outro que reflete nas nossas inter-relações.
Podemos dizer que o país tem passado por um processo de valorização da cultura drag?
Temos passado por um processo de curiosidade. As pessoas querem saber o que é. Não diria que o público parou, abriu os braços e falou: “vem, drag queen” (risos). Isso só vai acontecer quando eles valorizarem quem faz esse trampo aqui. Por enquanto, esses mesmos braços se abrem para as drags americanas, que estão na tevê, nos Estados Unidos. Nós, na grande maioria, não venderíamos um ingresso por R$ 150. As pessoas que moram aqui achariam esse valor inconcebível.
Mais que respeitar, temos que começar a apoiar. Encorajar. Pouco importa aceitar a arte drag e pensar “mas aqui em casa, não”. Tente entender se tiver alguém próximo a você que quer se montar.

E quando decidiu enfrentar isso?
Depois de assistir RuPaul's, vi que poderia fazer aquilo. Eu vi o programa e vi que aquilo podia me libertar de alguma forma. Nunca me encaixei e me enxerguei dentro do que as pessoas esperavam para mim. Quando se olha, não se sabe se é homem, mulher, meio do caminho, se chama de ele ou de ela. Algumas pessoas ainda têm essa dúvida. Ser drag me tirou desse limbo, me permitiu me ver pela primeira vez como artista. Ali dentro, posso explorar o que quiser. Mas a minha rotina, além da montação, envolve trabalhos com dublagem, backing vocals e jingles.

O que te motivou a se tornar uma drag?
Fui criado por mulheres e em ambiente cercado por mulheres. Minha mãe e minha tia eram cantoras. Morei em muitos lugares, mudei de casa e de escola várias vezes. Comecei a trabalhar com arte aos sete anos. Em 2002, participei da nova formação do Balão Mágico. Também passei parte da infância na igreja (onde tive uma forte referência de soul e de black music). Isso foi determinante para saber a base do meu gosto musical. Também participei do programa do Raul Gil, na Band, além de uma novela chamada Bicho do Mato, na Record. Entre todos esses projetos, passei a trabalhar com dublagem, meu “trabalho de menino” até hoje. Ser drag, para mim, sempre foi uma manifestação artística, não envolve questões de gênero.

Muito tem se falado sobre empoderamento. Como é, hoje, a vida de uma drag brasileira?
Para parte da população, como somos muito marginalizados, muitas vezes somos colocados no mesmo pacote que transgêneros. As pessoas não separam trans, drag, travestis e não entendem a função de cada uma delas. Qualquer pessoa pode ser drag. Meu processo começou porque, desde criança, sempre gostei de brincar de cantora com a toalha no cabelo. Era repreendido por isso, fui pego inúmeras vezes com uma boneca, escondido. Sempre tive fascínio pelo universo feminino. Crescendo, percebi que minhas maiores referências sempre foram mulheres fortes, cantoras. Quando me descobri gay, tive uma disposição maior para desvendar os mistérios do universo feminino. Não entendia por que algumas barreiras de gênero me faziam imaginar querer isso, porque pregam para a gente, desde criança, que qualquer sinal de “afeminado” em um garoto não é legal, tem que ser evitado, não é uma coisa boa. Mas a vontade e a naturalidade com o que se acha isso bonito vai dizer quem você é.
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