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Lalinha e Montaigne

'Literatura e animalidade' investiga como escritores subvertem e expandem o olhar humano

Obra é lançamento da escritora Maria Esther Maciel

Pablo Pires Fernandes
Há cerca de um mês, a escritora e pesquisadora Maria Esther Maciel tinha acabado de sepultar Lalinha, sua cadela de 15 anos, quando voltou para casa e, ao ligar o computador, recebeu a notícia que seu livro Literatura e animalidade tinha saído da gráfica.
“Desabei, claro”, conta a professora da UFMG. Maria Esther relata que Lalinha foi importante para a pesquisa que resultou no livro. “Aprendi muito com ela, Lalinha foi cúmplice desse projeto”, afirma. De certa maneira, Lalinha será homenageada hoje no lançamento de Literatura e animalidade, que ocorre na Livraria Scriptum, às 11h30. O livro é uma inédita investigação sobre os limites do ser humano, suas relações com seu lado bicho e com os animais. E como a literatura é capaz de transcender conceitos arraigados e estabelecer novos sentidos e modos de ver.

A coincidência justifica o pranto da escritora e, por isto mesmo, escapa dos domínios da razão. É a própria razão, ou racionalidade humana que Maria Esther coloca em questão em seu livro.
Desde a Grécia clássica, a oposição entre humano racional, de um lado, e o animal, de outro, serve para definir o que é o homem. Ela explica que essa dualidade tem origens antigas e está bastante sólida no pensamento ocidental. A filosofia, reforçada pelos ideais cristãos, sempre tendeu a opor o ser humano dos animais. Afinal,  palavras como animalidade, bestialidade, animalesco, por exemplo, todas têm conotação negativa.

A cisão definitiva, explica Maria Esther, foi efetivada com a lógica cartesiana do “penso, logo existo”. “O animal foi alijado do campo das relações e da condição humana”, diz, explicando que a associação ao terreno e ao que não tem alma romonta à Idade Média. “Com Descartes, o animal foi excluído por não ter razão ou consciência e, portanto, convertido em uma espécie de máquina, passível de ser dominado, maltratado. A ciência cartesiana do século 18 legitimou essa exclusão”, afirma.

A escritora explica que a racionalidade iluminista foi imperativa e destaca o papel de Michel de Mantaigne como exceção a esta lógica. “Como cético, Montaigne expôs a prepotência humana e questionou muitos atributos do homem, sobretudo a razão colocada acima de tudo e capaz de explicar tudo”, aponta, acrescentando que o francês fez uma grande apologia dos animais, discorrendo sobre as habilidades de se relacionar, por exemplo. Maria Esther diz que o filósofo expandiu a ideia de racionalidade, conferindo a ela uma multiplicidade de formas e diferenças. Além de Montaigne, a escritora se serve de outros pensadores – Derrida, Deleuze e Guatarri, entre outros – para relativizar a noção de sujeito. “Foi a partir do século 20 que houve uma tentativa de recuperação dessa animalidade dentro da filosofia como forma de reconfigurar o conceito de humanidade. A partir desse deslocamento conceitual, Maria Esther se volta então para a literatura para mostrar como Borges, Kafka, Rosa, Clarice, Drummond, Coetzee e tantos outros artistas da palavra conseguem olhar além da nossa vã filosofia.

Literatura e animalidade
De Maria Esther Maciel
Civilização Brasileira, 172 págs., R$ 34,90

LANÇAMENTO
Hoje, às 11h30, na Livraria Scriptum – Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi (31) 3223.1789.

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