Crise alavanca apresentações na Campanha de Popularização do Teatro e da Dança

Situação econômica acentua preocupação de produtores de artes cênicas com preço de ingressos. Festival popular começa hoje, com entradas a menos de R$ 15

por Carolina Braga 06/01/2016 08:00
Janeiro chega e com ele a velha máxima de que é hora de promoções teatrais. Quem pensa assim ainda compra uma ideia antiga de que no restante do ano paga-se muito mais para ver teatro em Belo Horizonte. Não é bem assim. A Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, que dá início hoje à sua 42ª edição, tem o mérito de reunir nos dois primeiros meses do ano uma quantidade recorde de montagens, sejam elas estreantes ou veteranas. No quesito quantidade de opções, a oferta proporcionada pela Campanha é ímpar. Já em relação ao preço dos ingressos, é possível conferir muitos dos trabalhos, que voltam ao cartaz ao longo do ano, com ingressos equivalentes aos da promoção.

Quinho
(foto: Quinho)
Neste 2016, a Campanha apresenta 159 espetáculos, sendo 62 inéditos. Há 103 peças voltadas ao público adulto, 43 espetáculos infantis, 11 de dança e duas montagens concebidas para a rua. Quem entra nessa maratona sabe que a concorrência é grande. E em tempos de crise financeira, o valor do ingresso ganha caráter ainda mais decisivo na escolha do público. Um aviso para quem busca alívio no riso: as comédias estão mais caras.

Ao contrário de anos anteriores, em que a Campanha adotava valor único de ingressos para todos os espetáculos participantes, agora há uma escala – de R$ 5 a R$ 15. Quem define o valor a ser cobrado é o produtor da peça, e não o Sinparc (Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais), responsável pela organização do evento. Essa flexibilidade passou a vigorar a pedido da categoria. “Foi uma ação para beneficiar os produtores”, afirma o coordenador-geral, Rômulo Duque.

No ano passado, algumas montagens registraram diminuição de público. O Grupo Galpão, por exemplo, acostumado a fazer sessões extras, não teve todas as sessões esgotadas. Em 2016, a companhia vai adotar estratégia diferente. Em vez de R$ 15, as entradas para Os gigantes da montanha e Till, a saga de um herói torto, as duas montagens que apresenta na Campanha, custarão R$ 12. “Entendemos que, por não serem espetáculos estreantes, que tradicionalmente são apresentados na rua, a diferenciação de preço seria uma possibilidade de ter a casa mais cheia”, afirma Beatriz Radicchi, produtora do Galpão.

Veterana na Campanha, Joselma Luchini, criadora da dupla Jojô e Palito, também optou pelo desconto. Como o infantil Dona Baratinha quer se casar estará em cartaz na sede da companhia, no Bairro Ouro Preto, espaço com capacidade para no máximo 80 pessoas, os ingressos custam R$ 15. Já O mágico de Oz, que provavelmente encerrará sua trajetória em 2016, terá sessões no Teatro Francisco Nunes (543 lugares), com ingressos a R$ 10.

“Acho que a situação está difícil. Vamos para um teatro grande e achei que valia a pena colocar a R$ 10. Como vou pagar pouco de aluguel, vou retornar isso para a população”, diz a atriz e produtora. Na avaliação de Joselma, a Campanha nunca teve resultados tão bons para as produções infantis como tem para as comédias.

SUSTO Mas até para o gênero campeão de público a situação não está lá essas coisas. O produtor Luiz Henrique Moura tomou um susto no ano passado. Teve prejuízo com as temporadas na Campanha das peças Velório à brasileira e Divas no divã, que agendaram, respectivamente, 30 e 28 apresentações. Em 2016, ele retorna com as duas peças ao cartaz, porém em teatros menores e com um número bem mais modesto de sessões: sete e cinco. “Preferi condensar o público. Se esgotar, posso abrir sessão extra. É uma tática que adotei para não ter muito prejuízo”, diz.

Se em 2015 Moura participou apenas como produtor, neste ano ele diversifica o cardápio e comparece também como diretor (Meu adorável genro) e ator nos infantis Meu malvado predileto, Água – joia rara e A bela adormecida. Segundo Moura, outros colegas optaram por diminuir o número de apresentações e diversificar os postos de atuação para poder cobrar o ingresso mais barato. “Meu custo é muito alto. Não tenho nenhuma lei de incentivo à cultura”, justifica-se.

“Nosso objetivo não é ter resultado em termos financeiros, mas atingir o público. Para a gente (participar da Campanha) não tem um peso econômico, é uma questão artística mesmo”, diz o diretor Julio Vianna. Ele criou, em parceria com o cineasta Rafael Conde, a montagem multimídia A brincadeira. Em cartaz em fevereiro no Centro Cultural do Banco do Brasil, os ingressos custarão R$ 5. Aliás, todos os espetáculos em cartaz no espaço na Praça da Liberdade terão este preço, em respeito a uma política da casa.

Os teatros do CCBB, assim como as salas da Funarte, participam de mostras especiais inseridas na programação da Campanha. Abrigam, em geral, montagens de grupos teatrais regulares ou que desenvolvam  pesquisa cênica. Serão 14 espetáculos apresentados nesses espaços, divididos em cinco formatos: solos, teatro cênico-musical, multimídia, realidades, aproximação com a literatura. Todos foram convidados pela organização da Campanha para fazer parte do evento. Na Funarte, os ingressos custam R$ 10.

O ator Leonardo Fernandes foi convidado a apresentar o solo Cachorro enterrado vivo na Mostra solos. Para ele, estar na Campanha é a oportunidade de encontrar um público que já introjetou que apenas janeiro é tempo de ir ao teatro. “No meio do ano o cara já lhe pergunta se você vai estar na Campanha e se prepara para ir. Acho que vai ter um público diferente”, afirma o ator.

Nova meta é incentivar temporadas regulares

 

Sempre um grande entusiasta da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, Rômulo Duque, presidente do Sinparc, reconhece a necessidade de ações para estimular a atividade teatral no restante do ano e não apenas no início. “Estamos devendo para a cidade temporadas regulares de apresentações”, afirma. Segundo ele, o evento realizado nos meses de janeiro e fevereiro é tratado como “resolvido” para a diretoria do sindicato. “A cidade já absorveu. Temos um outro problema que é de março a dezembro. O que podemos fazer?”, questiona.

Segundo Duque, as primeiras iniciativas nesse sentido incluem reuniões com os administradores das casas de espetáculos da capital. O aluguel do espaço é considerado um grande empecilho, já que as taxas cobradas por apresentação são consideradas altas pelos produtores. De acordo com o presidente do Sinparc, podem variar entre R$ 600 e R$ 3 mil por dia.

Como conquista, Duque cita o acordo firmado com a Fundação Municipal de Cultura para não cobrar taxa mínima nos espaços municipais, ou seja, nos teatros Francisco Nunes e Marília. Outra proposta – mais polêmica – é tornar obrigatório o mínimo de quatro semanas de apresentações para todos os projetos beneficiados por leis de incentivo (nos âmbitos municipal, estadual e federal). “Aí são discussões mais profundas. O princípio que o Sinparc defende é de que Belo Horizonte não comporta mais não haver teatro profissional fazendo temporada”, conclui.



QUER COBRAR QUANTO?
Veja distribuição dos valores de ingressos na 42ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança

118 espetáculos a R$ 15
19 espetáculos a R$ 10
13 espetáculos a R$ 12
7 espetáculos a R$ 5
2 espetáculos gratuitos

MAIS SOBRE E-MAIS