Primeiro Ato encena espetáculo construído a partir de textos autobiográficos de Hilda Hilst

'Três luas' ainda teve contribuição de textos dos próprios bailarinos. Trilha é assinada por Zeca Baleiro

por Carolina Braga 21/08/2015 10:20

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LEANDRO COURI/EM/D.A.PRESS
Bailarinos do Primeiro Ato ensaiam 'Três luas', que tem estreia agendada para o próximo dia 18, em Belo Horizonte (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A.PRESS )
Trabalhar numa linha tênue que une e não separa as artes. Esse sempre foi o objetivo do Grupo Primeiro Ato, fundado em 1988. Se ao longo de seus 33 anos de dança o grupo desenvolveu romances variados com o teatro, as artes plásticas e a literatura, pela primeira vez a palavra é protagonista do processo criativo.

'Três luas', espetáculo com estreia marcada para 18 de setembro no Centro Cultural Banco do Brasil, nasceu a partir da versão musicada por Zeca Baleiro do livro 'Júbilo, memória, noviciado da paixão' (1974), de Hilda Hilst. As músicas, interpretadas por Rita Ribeiro, Verônica Sabino, Maria Bethânia, Jussara Silveira, Ângela Ro Ro, Ná Ozzetti, Zélia Duncan, Olívia Byington, Mônica Salmaso e Ângela Maria, foram lançadas no álbum 'Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio' (2007).



“Quando Zeca me deu o CD, logo que escutei, falei: ‘Quero isso para mim’”, lembra a diretora artística da companhia, Suely Machado. Foram sete anos pensando em como traduzir a poesia de Hilda Hilst e a música de Zeca na linguagem da dança. O novo espetáculo está prestes a marcar um passo diferente na história do Primeiro Ato. A companhia, que sempre adotou o palco italiano, abre agora mão do espaço tradicional e se apresenta em formato de arena.

“É perigoso a gente ficar se repetindo. Eu queria muito que um espaço desse outra dimensão à nossa criação”, afirma Suely. Depois de 25 anos afastada dos palcos como bailarina, ela volta a dividir a cena com os bailarinos Alex Dias, Ana Virgínia Guimarães, Danny Maia, Lucas Resende, Marcella Gozzi, Marcela Rosa, Pablo Ramon, Vanessa Liga e Carlos Antônio.

'Três luas' é cheio de sutilezas, e isso é fruto da entrega dos bailarinos-intérpretes. Como o desejo foi partir da palavra, o primeiro desafio proposto pela diretora foi usá-la como estímulo. 'Júbilo, memória, noviciado da paixão' tem dez poemas autobiográficos de Hilda Hilst. “Óbvio que eu queria pegar a autobiografia dela, mas também de todos nós, para que essas palavras tivessem força de vida, vivência e experiência”, afirma a diretora e bailarina.

CARTA Suely pediu aos artistas que escrevessem cada um uma carta para uma pessoa ausente. “Deveriam dizer tudo o que gostariam de ter dito e não disseram ou dizer algo que disseram e não gostariam de ter dito”, explica. “Pedir isso para um bailarino é a mesma coisa que enfiar uma faca no peito”, brinca ela.

Foi a partir do material escrito por cada um que os movimentos começaram a se delinear. 'Três luas' carrega, assim, mensagens sutis e bastante pessoais. “Não é um trabalho de exibição técnica. Ela existe, mas está a serviço daquilo que a gente quer dizer. Isso pra mim é muito importante”, diz a diretora.

Como o espaço da sala 2 do CCBB pode ser montado em formato de arena, a ideia é que os bailarinos fiquem rodeados pelos espectadores. Serão cerca de 120 espectadores a cada sessão.

Mesmo faltando quatro semanas para a estreia, 'Três luas' dá sinais de sua potência no ensaio que o Estado de Minas acompanhou, anteontem. Além dos dez poemas musicados lançados em disco, Zeca Baleiro – que já trabalhou com o Primeiro Ato na trilha de 'Geraldas e avencas' (2007), criou outros dois temas instrumentais. Foram compostos para atender a um clima de procura, ausência e espera que a diretora considerava primordial para a aproximação entre bailarinos e o público.

“Meu desejo é que toda obra seja aberta o suficiente para que as pessoas possam completá-las com a própria leitura. Existe a nossa, um pouco autobiográfica, também inspirada na Hilda, mas também a de cada um. Trabalhamos com sensações, memórias, sentimentos, reações. Isso, todo mundo tem.”

"Também quero  brincar"


“Eu me devia isso”, resume Suely Machado. A bailarina de 61 anos se manteve 25 deles fora de cena. Gerald Thomas, Tuca Pinheiro e Angel Vianna são alguns dos colegas das artes cênicas que não se cansaram de insistir na sugestão “volta, Suely!”. “Não estava na hora. Agora eu me pedi isso. É diferente”, afirma ela.

A bailarina não nega o peso da maturidade nessa decisão. É como se agora tivesse mais o que dizer. “Sou apaixonada pela direção. Só voltaria se pudesse fazer da maneira como estou fazendo.” Suely Machado não dança todo o tempo, mas desempenha papel importante na dramaturgia de 'Três luas'. É ela quem literalmente ‘empalavra’ a poesia de Hilda Hilst.

“Tenho muito respeito pela entrada dela. É algo muito precioso, como uma pedra de diamante, mas, ao mesmo tempo, é uma coisa tão orgânica e natural”, comenta a bailarina Marcela Rosa, veterana no Primeiro Ato. “É meu primeiro espetáculo com a companhia e com as pessoas que são referência na dança para mim. A palavra que define este momento é gratidão. Não há outra”, diz o bailarino Carlos Antônio.

Nos oito primeiros anos na trajetória de 33 do Primeiro Ato, Suely Machado dançou todas as coreografias. Por um problema de saúde, ela se afastou do palco, para tratamento médico, no momento em que o Primeiro Ato se dedicava à construção de mais uma obra. “Não dei conta de ficar dentro e tive que sair. Quando saí, vi uma quantidade de coisas que não estavam sendo vistas ou vistas de uma maneira que não correspondiam à assinatura do Primeiro Ato”, recorda.

Assumiu a direção e tomou gosto pela função. “Sou realizada com o que faço, só que também quero brincar. Faz 25 anos que, generosamente, doo meu olhar. Está na hora de doar a mim mesma. Acho que eles todos podem me doar também.”

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