Com acentuado caráter político, 31ª Bienal de SP desembarca nesta sexta em BH

Exposição convida espectador a completar o sentido do tema 'Como (...) coisas que não existem'

por Walter Sebastião 26/06/2015 10:30

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FOTOS: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D. A. PRESS
A obra 'Voto!' (2012), da pernambucana Ana Lira, que reúne cartazes de propaganda política desgastados pelo tempo ou com intervenções (foto: FOTOS: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D. A. PRESS)
O que você considera urgente ser tratado neste momento? A resposta a essa pergunta está nos trabalhos apresentados na exposição '31ª Bienal de São Paulo/Obras selecionadas', aberta ao público a partir desta sexta-feira e que ocupa todas as galerias do Palácio das Artes. Dentro do projeto de itinerância da Bienal, a mostra em BH é composta por um recorte do evento paulista realizado em 2014. Estão reunidos 24 trabalhos de artistas de 16 países e do Brasil, abrigados sob o título “Como (…) coisas que não existem”.

O que se investiga com os trabalhos é como falar de questões, pessoas, conceitos, problemas que estão no cotidiano, mas permanecem como se fossem invisíveis. Os parênteses do título deixam espaço para que cada um complete a frase com o verbo que quiser.

O espanhol Pablo Lafuente, integrante do coletivo que fez a curadoria geral do evento, dá exemplos de como os artistas responderam à questão. A pernambucana Ana Lira mostra fotos de cartazes de propaganda política destruídos pelo tempo ou que ganharam intervenções sobre as imagens. A paulista Clara Ianni, por sua vez, fez um filme com um manifesto de Débora Maria da Silva, ativista do grupo Mães de Maio (SP), que luta contra a violência dos grupos de extermínio no Brasil, em especial, contra a juventude negra. A turca Gulsun Karamustafa criou um grande tapete, a partir de tapetes domésticos considerados cafonas, para falar da hostilidade a imigrantes (especialmente rurais) e da cultura deles nas metrópoles (no caso, Istambul).

Na opinião de Lafuente, são obras que, abordando aspectos que marcam o cotidiano de qualquer cidade do mundo, pontuam questões múltiplas: história, memória, utopias, preconceitos, sonhos, modos de viver, questões de gênero, reivindicações, relações de poder etc. “São, ainda, modos diferentes de olhar o mundo pensando como podemos viver juntos”, acrescenta. Na origem do projeto, esteve a vontade de mostrar uma arte que tivesse interlocução com o mundo contemporâneo. “Estamos falando não só de arte, mas de trocas entre arte e o mundo que não sejam impregnadas de preconceitos. Coisas, pessoas, problemas, sonhos que não existem são, de fato, o que não conseguimos ver”, afirma.

“A arte acontece no mundo. É construção de relações sociais. As obras são, sempre, respostas a momentos específicos, têm relação com o que está acontecendo ao redor dos artistas. O mercado de arte tenta, sempre, fazer delas algo só estético, o que nós recusamos”, argumenta. “Hoje, existem no Brasil, na Turquia, em Viena ou no México, em todo o mundo, artistas que se dedicam ao trabalho político”, observa. O curador anota ainda que a política não é um tema estranho à arte. “Há, na produção europeia, toda uma longa tradição que procura pensar como o poder pode ser mostrado”, diz, citando o exemplo de Goya (1746-1828).

Não há, para Lafuente, um meio de expressão artística mais apto para expressar temas sociais e políticos. “Todas as linguagens podem ser ativadas no sentido de criar novas visões do mundo. Os artistas que mostramos trabalham com os meios que eles escolheram, mas com desejo de diversidade.”

OS ARTISTAS

A exposição 31ª Bienal de São Paulo/Obras selecionadas conta com trabalhos de Agnieska Piksa (Polônia); Asger Jorn (Dinamarca); Bruno Pacheco (Portugal), Danica Daki (Saravejo/Alemanha), Edward Krasiki (Polônia), Gülsün Karamustafa (Turquia), Ines Doujak (Austria), John Barker (Inglaterra), Johanna Calle (Colômbia), Juan Carlos Romero (Argentina), Juan Downey (Chile/Estados Unidos), Nilbar Güre (Turquia/Áustria), Teresa Lanceta (Espanha), Voluspa Jarpa (Chile), Walid Raad (Líbano/Estados Unidos), Yael Barana (Israel/Holanda/Alemanha). Os brasileiros são: Ana Lira (PE), Arthur Scovino (BA), Clara Ianni e Debora Maria da Silva (SP), Gabriel Mascaro (PE), Gabriela Kunsch (SP), Liliam Kelian (SP), Marta Neves (MG) e Virginia Medeiros (BA/SP).

31ª Bienal de São Paulo/Obras selecionadas

Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena,1.537, Centro, (31) 3236-7400. Abertura nesta sexta-feira. De terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h. Domingo, das 16h às 20h. Entrada gratuita. Até 9/8. Classificação: livre, com exceção da obra Sergio e Simone, de Virginia Medeiros, que tem classificação indicativa para 18 anos.

Três perguntas para...

MARTA NEVES E ARTHUR SCOVINO
artistas participantes da mostra 31ª Bienal de São Paulo/Obras selecionadas


Gosta de Bienal?

Marta Neves –
Não. São megaeventos, que lidam com vaidades múltiplas: dos artistas, dos curadores, dos mercados, institucionais, o que às vezes atrapalha a ideia de arte. Não estou cuspindo no prato. Também vi, nas bienais, coisas maravilhosas, interessantes, instigantes.

Arthur Scovino – Gosto. São oportunidades de conhecer coisas diferentes. Até porque bienais são, sempre, um tema e várias possibilidades de falar dele. Criam, ainda, possibilidade de questionar a própria arte.

Há um método para ver as obras na Bienal?


Marta Neves – Vejo sem preocupação de saber quem é famoso ou não, mas com olhos livres, sem preconceitos, sem noções preestabelecidas ou regras, abrindo-me ao máximo para as novas ideias. É a mesma atitude que tenho com a arte em geral.

Arthur Scovino – Tento ver duas vezes. Uma caminhando, sem ler nada. Outra, dedicando tempo grande às obras. Às vezes, anotando nomes de artistas para depois pesquisar mais sobre eles na internet.

Já viu, em exposições, alguma obra que não entendeu?

Marta Neves – Já. É comum acontecer isso. Arte é difícil mesmo, o que tem que ser claro é jornalismo. Não é só a arte contemporânea que é difícil. O que entendemos, por exemplo, da arte egípcia antiga?

Arthur Scovino – Já. Quanto pinto quadros, a minha família entende. Quando faço instalações, eles dizem que não entenderam. Acho que exposições são, muitas vezes, oportunidades de experimentar outros sentimentos que não o do entendimento.

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