Sarah Thornton revela o processo criativo das maiores celebridades da arte

Em livro, ela destrincha os modos de produção e como os próprios artistas se enxergam

por Nahima Maciel 02/06/2015 11:20

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Margo Moritz/Divulgação
Sarah Thornton queria que os artistas refletissem sobre suas obras (foto: Margo Moritz/Divulgação)
Ai Weiwei não evita a política nem teme a perseguição. O artista que ficou três meses preso e foi torturado pela polícia chinesa faz questão de mostrar a cara quando se trata de palestras, encontros e entrevistas sobre temas polêmicos. Já Jeff Koons, que ficou bilionário com obras carregadas no tom pornográfico como as fotografias de sexo com a ex-mulher Cicciolina, tem pavor de política e ama a fama. Para ele, não há lado ruim em ser famoso e o mercado conquistado a partir desta condição não pode ser maculado com discussões políticas. Só os depoimentos de dois dos nomes mais badalados da arte contemporânea já valem a leitura de O que é um artista?, o livro mais recente da crítica de arte Sarah Thornton, que acaba de ganhar tradução em português pela Zahar.

Sarah é experiente. Ex-editora e atual colaboradora da revista The Economist e de publicações como The New Yorker e Art Forum, tem um texto que faz a arte contemporânea parecer de fácil acesso independente do quão abstrata ou minimalista sejam as ideias do artista. Seu Seven days in the art world (“Sete dias no mundo da arte”) fez tanto sucesso que foi traduzido em 16 idiomas. Durante os últimos seis anos, Sarah rodou o mundo numa maratona de entrevistas com os artistas mais bem-sucedidos da cena contemporânea. No roteiro entraram Marina Abramovic, Damien Hirst, Gabriel Orozco, Maurizio Cattelan, Lena Dunham e seus pais, Laurie Simmons e Carroll Dunham, além de Koons e Weiwei. Beatriz Milhazes foi a única brasileira do time.

 Sarah queria um olhar diferentete, que fugisse das análises críticas e desse voz ao artista, mas que também mostrasse seus modos de produção, a maneira como transitam no jet set das artes, que olhar têm de si mesmos e o que entendem por ser um artista. Para isso, a autora dividiu o livro em segmentos intitulados Política, Filiação e Ofício. Não há nada de linear na maneira como Sarah organiza o O que é um artista?. Cenas, como se fossem esquetes de um filme, se intercalam e vão e vêm. Alguns artistas aparecem em vários segmentos ou ganham vários capítulos dentro de um mesmo segmento, o que dá certo dinamismo à narrativa.

 O que é um artista? não é um livro sobre conceitos filosóficos nem sobre a crítica de arte, é um livro sobre como os artistas enxergam a si mesmos. “Decidi comparar e contrastar certos artistas, colocá-los como antagonistas e criar um livro que é como um quebra-cabeça de cenas intercaladas”, conta a autora, em entrevista ao Diversão & Arte. Veja alguns dos artistas entrevistados e o que Sarah fala a respeito.

Zahar/Reprodução
(foto: Zahar/Reprodução)
O que é um artista?

De Sarah Thornton. Tradução: Alexandre Barbosa de Souza. Zahar, 444 páginas. R$ 59,90.


Três perguntas/ Sarah Thornton

O que é um artista?
Ser um artista não é apenas um trabalho, é uma identidade. É sobre ter uma reputação única e crível que cresce o tempo inteiro. Há muitas respostas para essa pergunta porque esse papel é altamente individual.

Por que decidiu escrever o livro? O que a levou nessa direção e como lhe ocorreu a estrutura do livro?
No verão de 2009, comecei uma pesquisa sobre o papel do artista. Depois de três anos entrevistando, eu havia falado com 100 artistas do mundo inteiro. Minha estrutura narrativa emergiu dessa pesquisa. Nesse ponto, decidi comparar e contrastar certos artistas, colocá-los como antagonistas e criar um livro que é como um quebra-cabeça de cenas intercaladas.

Conhecer os artistas e suas histórias de vida é importante para compreender as obras?Você acha que esse tipo de informação ajuda a penetrar na arte contemporânea?
Nem sempre os artistas entendem o que estão fazendo, logo deveríamos ser céticos em relação ao que dizem sobre o próprio trabalho. No entanto, observá-los enquanto fazem seus trabalhos nos guia por insights e pode torná-los muito mais acessíveis ao público em geral.

Marina Abramovic
É na cozinha da casa da artista, com planta em formato de estrela e paredes livres de arte, que a entrevista acontece. No cômodo repleto de janelas que dão para bosques densos em uma pequena cidade do estado de Nova York, Marina conta nunca ter tido influência de nenhum artista e confessa preferir a natureza. A entrevista acontece depois The artist is present, performance realizada no MoMA em 2010. Foram mais de 700 horas sentada em uma cadeira de madeira de frente para qualquer um do público que quisesse encará-la. A Sarah, Marina revela que nunca mais fará a performance porque odeia repetição. “Quando você se repete, perde o respeito por si mesma”, acredita.

Ai Weiwei
A postura de ativista do artista chinês é também parte de sua existência artística. A obra de Weiwei tem a ver com contestação e por isso ele acabou na prisão em abril de 2011. Foram três meses de interrogatório durante os quais os policiais queriam saber o que ele fazia e não aceitavam arte como resposta. Sarah Thornton dá voz ao artista para falar sobre o que pensa do governo chinês e Weiwei não mede palavras. “Nosso governo é totalitário, usa meios monopolistas para atingir seus objetivos. A China pode parecer brilhante e reluzente, mas na verdade é selvagem e sombria”, diz. Ele irritou o governo chinês com obras como Remembering, em que lista os nomes dos estudantes mortos no terremoto de Sichuan de 2009 e atribuiu a catástrofe à condição precária das escolas mantidas pelo governo chinês.

Damien Hirst
Hirst é o enfant terrible da Young British Generation, termo cunhado pelo galerista Charles Saatchi para identificar uma geração que considerava promissora nos anos 1990. Todos viriam a vender muito, mas muito bem mesmo. E Hirst escalaria a montanha para sentar no topo. Ao lado de Koons, é o artista contemporâneo vivo mais caro do mundo. Em 1991, chocou o planeta com a escultura de uma vaca e um bezerro cortados ao meio, o início de uma série de “naturezas mortas” que conquistaram as manchetes da arte. Desafiador e provocador, ele passou a irritar a crítica na mesma proporção em que a fascinava e intrigava. Hirst, diziam, parecia não ter respeito pelo mundo da arte e ter um gosto exarcerbado pelos cifrões e pelo kitsch. “O mercado de arte é muito maior do que as pessoas se dão conta”, confessa a Sarah Thornton, que decidiu alocar o artista no segmento Ofício. “Se você tem interesse no mercado de arte, é vantajoso fazer mais.” E ele fez. Em 2008, arrematou US$ 198 milhões ao vender cerca de 200 obras em um leilão. Em O que é um artista?, Hirst garante que a venda teve, em primeiro lugar, um motivo filosófico e não financeiro: ele queria deixar para trás as “naturezas-mortas” e voltar à pintura. E é o resultado dessa mudança de rumo que a autora procura explorar na entrevista: agora, Hirst estaria fazendo ele mesmo suas próprias pinturas, sem delegar a ajudantes. “Na verdade, não é do dinheiro que eu gosto, é da linguagem do dinheiro”, avisa.

Jeff Koons
Koons ama o mercado e cultiva a fama com muito zelo. Suas obras valem milhões e seus temas giram em torno do pop e do pornográfico. Milionário, ele prefere não se arriscar em declarações polêmicas ou políticas e mantém postura esquiva. Pode não ser levado muito a sério por boa parte da cena artística mais conceitual, mas tem seu lugar em museus e galerias de renome como Tate Modern, MoMA e Serpentine. Na entrevista a Sarah, Koons revela que gosta de fazer arte que não precise de legendas e longos textos para ser compreendida. “Quero que o espectador sinta que sua própria histórica cultural é absolutamente perfeita”, confessa. A fala traduz também o perfil proposto no livro.

 

MAIS SOBRE E-MAIS