Nicette Bruno encena espetáculo que homenageia o marido Paulo Goulart

Montagem tem direção da filha Beth Goulart

por Carolina Braga 22/05/2015 09:28

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LENISE PINHEIRO/DIVULGAÇÃO
A atriz Nicette Bruno em cena de Perdas e ganhos, que tem sessões hoje e amanhã. No sábado à tarde, ela e Beth Goulart também promovem bate-papo com o público (foto: LENISE PINHEIRO/DIVULGAÇÃO)
É logo na primeira frase da conversa que o nome dele aparece. Natural. Nicette Bruno e Paulo Goulart completaram 62 anos de casamento, interrompido com a morte dele, em março do ano passado. A fala sobre o companheiro do palco e da vida não vem acompanhada de saudosismo. “A dor existe, o vazio acontece, a saudade é imensa, mas não tem a revolta”, diz a atriz, em tom seguro.

Neste final de semana, Nicette chega a Belo Horizonte com o espetáculo 'Perdas e ganhos', adaptação do livro de Lya Luft dirigida por sua filha do meio, Beth Goulart. A montagem não é só uma grande homenagem ao companheiro, mas também o ponto de partida para muitas coisas inéditas na vida da atriz, que iniciou a carreira aos 14 anos, na então famosa Cia. de Dulcina de Moraes.

São 68 anos de trajetória artística e eis agora o primeiro monólogo. É novo também o encontro profissional com a filha. “É uma experiência diferente, e isso é um eterno aprendizado. Exercitar isso é fundamental para a nossa trajetória. O teatro sempre foi tão importante para mim e agora está sendo ainda mais”, afirma. Na coxia e nos palcos, criou os filhos – os três são atores –, casou-se e também se despediu do marido.

Por mais que 'Perdas e ganhos', com ensaios e memórias da escritora gaúcha, aborde o luto, o desejo de levar o livro para o teatro existe há pelo menos cinco anos. Inicialmente, seria a continuidade da pesquisa de Beth Goulart sobre escritoras brasileiras. “Quando Beth terminou o primeiro tratamento do texto, leu pra nós, e o Paulo se entusiasmou”, conta Nicette.

“Quando terminei a primeira versão, ele me disse: ‘Só tenho um pedido para você: quero que ela toque piano’. Mamãe ia ser concertista antes de ser atriz. Quando ele partiu, o projeto ganhou outra dimensão”, diz Beth Goulart. O pedido do pai foi atendido, e Nicette apresenta-se ao piano, porém, em vídeo. 'Perdas e ganhos' propõe diversos diálogos. Entre o teatro, a literatura e também o cinema. Uma condição para a diretora é que a delicadeza fosse um norte da montagem.

NÓ NA GARGANTA

Nicette reconhece que o processo na sala de ensaio foi difícil. Houve momentos em que a experiente atriz não conseguia ir adiante. “A coisa apertava a garganta”, confessa. Beth, com muita tolerância, paciência e cumplicidade, até porque estava sofrendo o mesmo processo, fez com que a mãe, pouco a pouco, dominasse o texto. “Foi a melhor coisa que podíamos fazer. Nos deu força e estrutura para suportar a dor que estamos sentindo”, comenta Nicette.

'Perdas e ganhos' estreou em dezembro, em Porto Alegre, terra da autora. Desde então, a repercussão tem surpreendido a artista. Como acredita, as perdas são inerentes à vida. Neste caso, ela e Beth estão falando sobre o Paulo, mas podemos perder tudo. “Saúde, dinheiro, juventude, afetos. Em todas as perdas, nós ganhamos também, em experiências, possibilidades de crescimento. Se pensarmos nesses ganhos, isso faz com que a dor da perda fique menor.”

Na “transformação” do livro em peça, Beth Goulart foca três histórias de personagens saídos de outro livro de Lya, 'O silêncio dos amantes'. É uma mãe que perde o filho, uma mulher traída pelo marido que encontra um homem atravessado por uma tragédia e uma dona de casa que descobre que tem algo estranho nas costas e vira anjo.

A encenação se completa com projeções e até um curta-metragem. “Beth usa toda linguagem moderna. As coisas se entrelaçam e se comunicam com a plateia. Quando começa, faço um convite para que o público venha refletir comigo. Existe um entrosamento de palco e plateia que é muito interessante”, diz Nicette.

“Não se conversa mais”

Quando as bisnetas chegam à casa de Nicette Bruno, já sabem: ali não é lugar de joguinhos no celular. “Digo para elas: vamos aproveitar este momento para conversar. Quando vocês estiverem sozinhas, aí vocês usam”, conta a avó de sete netos e com o terceiro bisneto a caminho. “Pior que fui eu que dei de presente (o celular), mas foi para se comunicarem, e não para ficarem com essa febre”, continua.

Com o jeitinho simples e muita lucidez na forma como interpreta o mundo atual, a atriz que fez Dona Benta no remake de 'O sítio do pica-pau amarelo' confessa que tem sido difícil compreender os dias de hoje. “As coisas não vão poder continuar como estão. As pessoas vão começar a ficar em alerta sobre tudo e sobre si mesmas.”

Para Nicette, é assustador como a internet, “essa comunicação importantíssima”, tem sido usada para resolver certas carências sociais. “Isso me assusta muito”, confessa. Outro dia, em um restaurante, presenciou uma cena que relata em tom de incredulidade. “Vi um casal sentado, ele com um celular na mão, ela com outro. Os dois fazendo a refeição. Meu Deus, não se conversa mais”, lamenta.

Cenas como essa a fazem pensar tanto que o mundo está conturbado como também que mudanças estão a caminho. “Vamos parar para pensar: quem somos, o que somos, para onde vamos. Essa é a maior reflexão da vida. E dificilmente a gente se coloca à disposição desse pensamento.”

'Perdas e ganhos'
Sexta, às 20h, e sábado, às 19h e às 21h. Teatro Bradesco. Rua da Bahia, 2.244, Funcionários, (31) 3516-1360. R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia). No sábado, às 16h, no Café do Centro Cultural Minas Tênis Clube, as atrizes receberão o público para um bate-papo, com entrada franca.



Três perguntas para...

Beth Goulart
atriz

Como lidar com a emoção em um processo tão íntimo como este?

Chegou um momento que eu disse: “Poxa, como será a vida da minha mãe sem ele (Paulo Goulart)?”. Pensei que a melhor ajuda que eu poderia dar era pelo trabalho. A meu ver, trabalho é vida. Ao invés de a gente se fechar nesse sentimento, quem sabe transformar essa dor em arte, em amor, não nos ajude a passar por isso de uma forma melhor. Foi o que acabou acontecendo.

A relação de mãe e filha se inverteu em algum momento?

Naturalmente, isso começa a acontecer. Chega uma hora em que a gente começa a cuidar mais deles, e a relação se inverte. Sou uma filha muito dedicada. Acho que todo processo de morte propõe à família uma união. É a forma que a gente tem de passar por isso de maneira menos sofrida. Nós vivenciamos tudo juntos. E, além disso, sou vizinha da mamãe, moramos no mesmo condomínio, e essa proximidade foi muito importante.

Qual foi o maior aprendizado que teve ao dirigir sua mãe?

Como pessoa e como atriz, mamãe tem uma energia de criança. Está sempre aberta para aprender. É a primeira vez que faz um monólogo, que lida com uma linguagem visual, e ela foi lindamente absorvendo essas novidades e acrescentando sua experiência. É muito bonito ver uma mulher de 82 anos aberta para o novo. Poder acompanhar todo esse processo foi um privilégio.

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