Feitos para colorir, livros 'Jardim secreto' e 'Floresta encantada' se tornam best-seller

Publicações impulsionam onda dos lançamentos interativos. Livreiro diz que leitor "se sente um Monet por segundos"

por Ailton Magioli 11/04/2015 08:00

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FLORESTA ENCANTADA/REPRODUÇÃO
(foto: FLORESTA ENCANTADA/REPRODUÇÃO)
“Olha que passatempo mais agradável”, diz, em tom divertido, o artista plástico Luís Matuto, de 26 anos, depois de colorir, durante quase uma hora, a raposa de Floresta encantada. O desenho do animal está no novo livro (de colorir) de Johanna Basford, autora de Jardim secreto, fenômeno editorial que, desde dezembro passado, vendeu mais de 100 mil exemplares somente no Brasil, e 1 milhão no mundo.

 

Clique para baixar a capa do Estado de Minas feita para colorir

 

Johanna é uma ilustradora que cria desenhos intrincados e feitos a mão, inspirados na flora e fauna do lugar onde vive – uma área rural na Escócia. Mas se o leitor procurar por Jardim secreto ou Floresta encantada (lançado na última quinta) nas livrarias da capital mineira, provavelmente terá dificuldades para encontrar tanto um quanto o outro. O primeiro está esgotado em diversas lojas e, para o segundo, há listas de espera.

O sucesso das obras de Basford impulsionou o lançamento de similares (nacionais e estrangeiros). Com isso, o segmento dos livros interativos está aquecendo o mercado editorial, em plena era da internet e no contexto de uma crise econômico-financeira. Atentos à tendência, grupos editoriais como o Autêntica, de Belo Horizonte, criaram seus próprios produtos do gênero para disputar uma fatia desse mercado. O selo Gutenberg, que pertence ao grupo, anuncia para junho, mês dos namorados, o segundo volume de O livro do bem, da dupla Ariane Freitas e Jessica Grecco, da fanpage Indiretas do bem. Aqui, além de colorir, o leitor tem as alternativas de preencher, pintar e recortar, além de interagir virtualmente com a obra, desdobrada na internet.

“Não há como negar a força do público jovem, que nos últimos anos vem se destacando como um segmento que produz muitos best-sellers”, afirma Nana Vaz de Castro, gerente de aquisição da Editora Sextante, que lança os livros de Johanna Basford no Brasil. No entanto, ela observa, os livros de colorir desafiam a própria segmentação, ficando na fronteira entre gêneros ou mesmo transcendendo-os.

JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS
O artista Luís Matuto colore página de 'Floresta encantada', a convite do Estado de Minas (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)
FOCO
“Por seu caráter antiestressante, os livros de Johanna aumentam o foco e estimulam a concentração, o que os coloca na gaveta da autoajuda. Ao mesmo tempo, podem ser considerados livros de arte. Afinal, trazem as obras de uma ilustradora”, diz Vaz de Castro. “Muitos livros excepcionais e inesperados, como Jardim secreto, de vez em quando surgem para dar uma sacudida saudável na lista dos mais vendidos.”

“Depois de comprar Jardim secreto por indicação de uma amiga do Clube do Livro, tornei a comprar vários exemplares para presentear”, afirma a advogada Tatiana Gabrich Couto, de 40. Ela já deu o livro de presente para uma amiga, para uma criança de 9 anos e para a própria mãe. Tatiana ainda não teve tempo de colorir o próprio exemplar. “Deve ficar lindo”, imagina.

“Estou apaixonada pelos livros de Johanna, que são extremamente bem desenhados. Eles não têm fronteiras. Atingem desde a minha sobrinha de 7 anos à minha sogra, de 70, que também estão colorindo”, diz a advogada Mariana Franzen de Lima Abreu Fonseca, de 40. “Na hora em que estou colorindo, não penso em nada”, afirma. Outro efeito do livro, segundo diz, é o de conseguir afastá-la do celular e das redes sociais.

Convidado pelo Estado de Minas para colorir uma das páginas de Floresta encantada, Matuto escolheu o desenho da raposa e optou por usar aquarela alemã (Schmincke) e lápis de cor suíço (Carand’ache). “No caso da aquarela, é mais rápido para pintar”, explica o artista, salientando que qualquer material pode ser usado para colorir os livros de Johanna Basford, porque o papel (pólen) é muito bom e agradável para desenhar.

Representado pela Galeria Quartoamado, Matuto diz ter descoberto os livros de colorir via internet. “Atualmente, qualquer pessoa pode ser artista e livros assim acabam tornando a prática acessível”, diz ele, cujo trabalho principal é com gravura.

Depois de ilustrar livros como O Guarani em cordel, de Klévisson Amarilys, inspirado em José de Alencar, e Um rio como um pássaro, de Carlos Rodrigues Brandão, o artista prepara duas exposições internacionais (San Marino e Itália) e uma no Brasil. “Se ficar reclamando demais, você não consegue nada”, afirma, dispensando referência à propalada crise.

Livrarias têm demanda maior do que a oferta

Na livraria Ouvidor da Savassi, a vendedora Simone Pessoa diz que a lista de espera para os dois livros de Johanna inclui donas de casa, jovens e aposentados. “Eles vêm na onda dos livros de bordado e patchwork, que, além de ter preços acessíveis (R$ 29,90 cada um, no caso de Jardim secreto e Floresta encantada), são indicados por profissionais da área como terapêuticos e antiestressantes”, diz a vendedora. A pedido de clientes, a Ouvidor providenciou a venda também de lápis de cor.

O proprietário da livraria Quixote Savassi, Alencar Perdigão, diz que não consegue ter uma pilha de livros de Johanna Basford que dure um dia. “É uma loucura”, diz ele, observando que o ritmo de distribuição dos livros não está conseguindo acompanhar a demanda. Para Perdigão, os livros de colorir podem levar as pessoas a se sentirem “um Claude Monet por segundos”. Mas, para ele, não necessariamente a tendência irá se consolidar. “Minha pergunta é: até quando vai durar o fenômeno?”.

Na Leitura Savassi, o gerente Carlos Aguiar afirma que a situação é a mesma. “Chegam 50, 100 livros de Johanna e vendem rapidamente.” Ele conta que, aproveitando “a onda e, de olho no mês de maio, a Editora Record está lançando Mãe, eu te amo”. “Acho que vai salvar as vendas”, prevê.



Três perguntas para...

NANA VAZ DE CASTRO
Gerente de aquisição da Editora Sextante

Foi difícil o processo de aquisição dos direitos de publicação dos livros de Johanna Basford? Houve disputa?

Não foi dos mais difíceis. Percebemos rapidamente que o Jardim secreto era o título de maior destaque na área de livros de colorir para adultos e, como isso se deu às vésperas da Feira de Frankfurt (outubro de 2014), tivemos a oportunidade de fechar a contratação no encontro durante a feira. Como é um livro com muito pouco texto a traduzir, pudemos lançar nossa edição em novembro, a tempo para o Natal.

Consegue vislumbrar algo específico sobre esse mercado literário no Brasil? Até que ponto o brasileiro se encanta por esse tipo de livro e por quê?
Acredito que a tendência tenha começado com os livros interativos, como Destrua este diário (de Keri Smith, editora Intrínseca, 2013), que fez muito sucesso. Desde então, as pessoas têm procurado uma forma de interagir mais com os livros e torná-los únicos, personalizados. Se 10 pessoas compram 10 exemplares do Jardim Secreto em um dia, uma semana depois teremos 10 livros completamente diferentes. Isso é uma novidade que os leitores estão adorando e que pode ser compartilhada com os amigos.

Qual é o perfil do leitor brasileiro consumidor desse tipo de literatura?

Um dos atrativos do Jardim secreto é que ele não atinge apenas uma faixa etária específica. É um livro que abrange desde o público infantil ao sênior. Temos visto de tudo nas redes sociais e por meio dos depoimentos dos livreiros. Mesmo quem acha que não tem muito talento artístico consegue criar resultados maravilhosos. Além disso, colorir é extremamente viciante! Os desenhos são complexos e demoram a ser completados, mas sempre dá vontade de pintar “só mais uma florzinha”. A diferença maior é justamente a complexidade dos desenhos, todos os detalhes. Mas o benefício da concentração é o mesmo para crianças e adultos.

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