Mineiro Zuenir Ventura toma posse na ABL. Confira entrevista exclusiva:

Jornalista e escritor mineiro vai ocupar a cadeira número 32 que pertencia a Ariano Suassuna

por Vanessa Aquino Severino Francisco 09/03/2015 09:52

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Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Em seu discurso, o escritor homenageou seus antecessores (foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo)
O jornalista mineiro Zuenir Ventura, de 83 anos, assumiu na noite de sexta-feira a cadeira número 32 da Academia Brasileira de Letras (ABL), sucedendo o dramaturgo, poeta e romancista Ariano Suassuna (1927-2014). Com uma modéstia típica dos melhores mineiros, Ventura, em seu discurso, falou sobre a vida e a obra de Suassuna e homenageou seus antecessores. “Suassuna é insubstituível. Eu venho apenas sucedê-lo. Fiz uma homenagem modesta, incompleta”, disse. O seu discurso também foi marcado pela emoção. “Suassuna já disse que desde os 9 anos já sabia que estaria aqui um dia, ao contrário de mim, que nunca imaginei esta glória.” Ventura foi eleito em 2014 com 35 dos 37 votos. Os poetas Thiago de Mello e Olga Savary receberam um voto cada. O escritor nasceu na cidade mineira de Além Paraíba, que fica na Zona da Mata. Ele já havia se candidatado à ABL, à vaga de Luiz Paulo Horta, mas retirou-se do pleito para evitar competir com Antônio Torres, que acabou eleito. Outras vezes Zuenir cogitou se candidatar, mas desistiu pelo mesmo motivo.
 
Entre os convidados do evento, que aconteceu no salão nobre do Petit Trianon, a sede da academia, no Centro do Rio, estavam a ministra do Supremo Tibunal Federal (STF) Carmen Lucia, a atriz Fernanda Montenegro e os secretários de Cultura do Rio, onde Ventura vive desde 1954, e de Minas, onde nasceu, respectivamente Eva Doris Rosental e Ângelo Oswaldo. Ventura foi repórter, editor e chefe de redação de veículos como as revistas 'Visão' e 'Veja' e o 'Jornal do Brasil'. Hoje é colunista do jornal O Globo. Seu livro mais conhecido é '1968 – O ano que não terminou' (1988), que narra os acontecimentos no Brasil desse ano de efervescência política e cultural, com mais de 400 mil exemplares vendidos. Venceu o Prêmio Jabuti (o mais importante do mercado editorial do país) de 1995 na categoria reportagem pelo livro 'Cidade partida'. Ganhou ainda os prêmios Esso de Jornalismo e Vladimir Herzog pela série de reportagens que escreveu para o 'Jornal do Brasil' sobre o assassinato do seringueiro Chico Mendes, em 1988. A série foi reunida no livro 'Chico Mendes: crime e castigo' (2003). Ventura é casado com Mary Ventura, com quem tem dois filhos: Elisa e Mauro. Confira a entrevista do mais novo “imortal” brasileiro.


Como o senhor se tornou cronista?
Fui cronista meio obrigado (risos). O Dacio Malta, que era diretor do jornal, cismou que eu tinha que ser cronista. Resisti a primeira vez, quando houve uma vaga e indiquei o Arhur Xexeu, que é um ótimo cronista. Na segunda vez, eles me disseram que não tinha mais jeito e que teria que ser cronista. Porque, na verdade, não gosto de escrever, gosto de ter escrito. Então, resisti muito até quando não teve mais jeito. E, realmente, é um gênero meio jornalismo, meio literatura e mais democrático. Na crônica, você pode fazer tudo: ensaio, humor, poesia… Então, tem essa liberdade. Sem falar que é um gênero sem paletó e gravata, em que se tem muita liberdade, muita descontração. Talvez, por isso, a crônica sobreviva. Mesmo com a internet, essas coisas todas, cada jornal tem o seu cronista, às vezes, mais de um. Porque o leitor busca esse olhar subjetivo, mais pessoal. É o que a máquina não dá, que é essa visão particular de cada um de nós. Esse é o segredo da crônica.

O senhor se considera um jornalista literário?
Acho que é isso, porque tem uma categoria chamada de jornalismo literário. O meu livro 1968 – o ano que não terminou foi muito classificado pelos críticos nessa categoria. Então, acho que é um jornalismo que você faz com mais cuidado, mais tempo e mais espaço. A diferença é esta: você tem mais tempo para apurar e escrever e, portanto, o resultado geral tem uma excelência maior do que o jornalismo que a gente faz diariamente. Não se pode exigir um nível de qualidade de quem faz duas ou três matérias por dia. No jornalismo literário, você tem, teoricamente, o tempo que você precisa para escrever.

Como foi a experiência de ser aluno do Manuel Bandeira?
Essa, modéstia à parte, é uma das experiências mais especiais. Dou muitas palestras – gosto de lecionar, a minha paixão, realmente, é o ensino. Quando eu digo que fui aluno do Manuel Bandeira, vejo caras meio incrédulas, aí digo que tenho testemunhas, não é mentira (risos). Na faculdade, no curso de letras, tinha professores como Manuel Bandeira, José Carlos Lisboa e um timaço de professores catedráticos, como se dizia na época. O Bandeira já era um dos maiores poetas de língua portuguesa. Muito informal, ele vinha conversar com a gente. Íamos ao apartamento dele, em frente à faculdade. Foi uma das experiências memoráveis. O Bandeira foi aquele poeta sujo de vida, a poesia dele é encharcada de vida. Na vida real, ele adorava a Lapa, um bairro boêmio. Naquela época, o intelectual vivia em uma torre de marfim e ele mostrou que não é nada disso, que a poesia é cheia de vida. Manuel Bandeira é muito jornalista também, ele fala intensamente do cotidiano. Enfim, ele me deixou isso. A humildade diante da vida talvez tenha sido o maior legado dele.

O senhor viveu mutações muito intensas no jornalismo. Como vê essas mudanças vertiginosas?
A gente está vivendo um momento de maior transformação tecnológica do jornalismo com a chegada da internet. É uma revolução e, como toda revolução, tem ganhos e perdas. Os ganhos são evidentes, porque se tem um jornalismo quase em tempo real. Mas, por outro lado, a gente precisa ter cuidado para não ser escravo disso. A gente não pode perder a perspectiva de que isto que a gente está fazendo agora, esta entrevista direta, é muito mais importante do que qualquer informação do Google. Uma amiga atriz estava reclamando que um jornalista chegava para entrevistá-la com um perfil pronto e pegava só aspas para completar. Isso é um perigo, porque você poderia, preguiçosamente, ir lá no Google e procurar tudo isso que está me perguntando. Nada substitui o corpo a corpo. A gente está vivendo uma transformação muito radical com a chegada da internet.

Qual será o futuro do jornalismo?
Não acho que ele vá acabar. Vários que disseram que o jornalismo vai acabar acabaram antes dele. Agora, é preciso acompanhar as transformações. O jornalismo que se faz hoje não é o mesmo que se fazia quando comecei na profissão.

O mundo emburreceu ou a internet abriu portais para a cultura e para a inteligência?

As duas coisas. Quando digo que a revolução tecnológica teve perdas e ganhos, quero marcar que houve muita coisa ruim. O fato de um internauta assistir a um acidente e poder relatar no blog dele não o transforma em jornalista. A gente sabe que jornalismo exige muito mais do que apenas a nossa visão. No jornalismo, a gente sabe quem sabe. Essa é a grande questão. Então, nosso trabalho não é só transmitir aquilo quer a gente viu, mas ouvir pessoas que sabem mais do que a gente, pois há uma hierarquia do saber. Há muito equívoco em relação ao jornalismo. A internet é importante como instrumento, como meio. Então, tem muitos ganhos com a velocidade, essa coisa quase que onipresente do jornalismo em tempo real. Por outro lado, há o perigo de achar que tudo é internet, como o exemplo do repórter que chega com a matéria pronta com informações do Google. Não é assim que se faz jornalismo.

A internet mudou sua avaliação de que a geração de 1968 foi a última geração literária?
Isso também foi uma mudança muito grande. Umberto Eco dizia que a televisão tinha acabado com a palavra escrita. No entanto, a verdade é que nunca se escreveu tanto como hoje. Não há, hoje, quem não passe vários e-mails por dia. O problema é o que é escrito, a linguagem está muito estropiada. Mas, ao mesmo tempo, é melhor você escrever errado do que não escrever, porque, com a prática, você melhora a qualidade do seu texto. Há outro lado que nos faz pensar, porque, com a velocidade do mundo de hoje, as pessoas não têm mais paciência para ler livros. O jovem acha que a mensagem com mais de 140 toques é demais. E não é bem assim. Não se escreve Os lusíadas ou a Odisseia em 140 toques. O livro ainda é fundamental. Essa subserviência à internet é preocupante. Há quem fique 24 horas por dia conectado e não lê livro nenhum. É uma pena quando se pensa em uma geração que não vai ler Os lusíadas, que não vai ler Dom Casmurro. É importante ler os clássicos.

Gabriel García Márquez disse que o jornalismo é a melhor profissão do mundo. Ainda é?
Para quem gosta, sim. Para quem gosta, é uma paixão. Então, as horas que você passa acordado, as dificuldades, os furos, as intempéries – para quem não gosta, é a pior profissão do mundo. Mas falando de quem gosta, não tem coisa melhor no mundo. Tem que se apaixonar.

Por que o senhor desistiu da biografia do Glauber, depois do roubo dos originais?
Um pouco de superstição. O Glauber era macumbeiro, cheio de superstição. Então, chegou um momento que ele ensina, e isso é uma mensagem para mim, dizendo: ‘Para com isso’. Claro que isso não é verdade, estou brincando (risos). Foi uma decepção perder os originais, porque tinha dois anos de pesquisa. Havia muito material e perder isso foi muito desagradável. Tinha uma relação com ele de amizade muito profunda. Foi um pouco por causa desse choque que desisti. Não sei se hoje valeria a pena retomar, porque a vida da gente começa a ser atropelada pelo presente, pelos acontecimentos. Se me perguntarem hoje qual o meu projeto de vida, não sei. Trabalho muito por encomenda, então, é possível que amanhã surja uma ideia ou uma proposta de livro.

Como foi a experiência de cobrir a morte de Chico Mendes?
Foi uma das experiências mais importantes para mim, não só do ponto de vista profissional, mas também existencial. Frequentei durante 10 meses uma fazenda, conheci o Acre e a vida do Chico Mendes. Foram experiências radicais e fundamentais.

O senhor acredita no Brasil? Ou o país não tem solução?
Acredito muito. Acho, realmente, que o Brasil vai dar certo. Não sei se será no meu tempo, mas será certamente no tempo de Alice e Erick, meus netinhos queridos.

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