Como o senhor se tornou cronista?
Fui cronista meio obrigado (risos). O Dacio Malta, que era diretor do jornal, cismou que eu tinha que ser cronista. Resisti a primeira vez, quando houve uma vaga e indiquei o Arhur Xexeu, que é um ótimo cronista. Na segunda vez, eles me disseram que não tinha mais jeito e que teria que ser cronista. Porque, na verdade, não gosto de escrever, gosto de ter escrito. Então, resisti muito até quando não teve mais jeito. E, realmente, é um gênero meio jornalismo, meio literatura e mais democrático. Na crônica, você pode fazer tudo: ensaio, humor, poesia… Então, tem essa liberdade. Sem falar que é um gênero sem paletó e gravata, em que se tem muita liberdade, muita descontração. Talvez, por isso, a crônica sobreviva. Mesmo com a internet, essas coisas todas, cada jornal tem o seu cronista, às vezes, mais de um. Porque o leitor busca esse olhar subjetivo, mais pessoal. É o que a máquina não dá, que é essa visão particular de cada um de nós. Esse é o segredo da crônica.
Acho que é isso, porque tem uma categoria chamada de jornalismo literário. O meu livro 1968 – o ano que não terminou foi muito classificado pelos críticos nessa categoria. Então, acho que é um jornalismo que você faz com mais cuidado, mais tempo e mais espaço. A diferença é esta: você tem mais tempo para apurar e escrever e, portanto, o resultado geral tem uma excelência maior do que o jornalismo que a gente faz diariamente. Não se pode exigir um nível de qualidade de quem faz duas ou três matérias por dia. No jornalismo literário, você tem, teoricamente, o tempo que você precisa para escrever.
Como foi a experiência de ser aluno do Manuel Bandeira?
Essa, modéstia à parte, é uma das experiências mais especiais. Dou muitas palestras – gosto de lecionar, a minha paixão, realmente, é o ensino. Quando eu digo que fui aluno do Manuel Bandeira, vejo caras meio incrédulas, aí digo que tenho testemunhas, não é mentira (risos). Na faculdade, no curso de letras, tinha professores como Manuel Bandeira, José Carlos Lisboa e um timaço de professores catedráticos, como se dizia na época. O Bandeira já era um dos maiores poetas de língua portuguesa. Muito informal, ele vinha conversar com a gente. Íamos ao apartamento dele, em frente à faculdade. Foi uma das experiências memoráveis. O Bandeira foi aquele poeta sujo de vida, a poesia dele é encharcada de vida. Na vida real, ele adorava a Lapa, um bairro boêmio. Naquela época, o intelectual vivia em uma torre de marfim e ele mostrou que não é nada disso, que a poesia é cheia de vida. Manuel Bandeira é muito jornalista também, ele fala intensamente do cotidiano. Enfim, ele me deixou isso. A humildade diante da vida talvez tenha sido o maior legado dele.
O senhor viveu mutações muito intensas no jornalismo. Como vê essas mudanças vertiginosas?
A gente está vivendo um momento de maior transformação tecnológica do jornalismo com a chegada da internet. É uma revolução e, como toda revolução, tem ganhos e perdas. Os ganhos são evidentes, porque se tem um jornalismo quase em tempo real. Mas, por outro lado, a gente precisa ter cuidado para não ser escravo disso. A gente não pode perder a perspectiva de que isto que a gente está fazendo agora, esta entrevista direta, é muito mais importante do que qualquer informação do Google. Uma amiga atriz estava reclamando que um jornalista chegava para entrevistá-la com um perfil pronto e pegava só aspas para completar. Isso é um perigo, porque você poderia, preguiçosamente, ir lá no Google e procurar tudo isso que está me perguntando. Nada substitui o corpo a corpo. A gente está vivendo uma transformação muito radical com a chegada da internet.
Qual será o futuro do jornalismo?
Não acho que ele vá acabar. Vários que disseram que o jornalismo vai acabar acabaram antes dele. Agora, é preciso acompanhar as transformações. O jornalismo que se faz hoje não é o mesmo que se fazia quando comecei na profissão.
O mundo emburreceu ou a internet abriu portais para a cultura e para a inteligência?
As duas coisas. Quando digo que a revolução tecnológica teve perdas e ganhos, quero marcar que houve muita coisa ruim. O fato de um internauta assistir a um acidente e poder relatar no blog dele não o transforma em jornalista. A gente sabe que jornalismo exige muito mais do que apenas a nossa visão. No jornalismo, a gente sabe quem sabe. Essa é a grande questão. Então, nosso trabalho não é só transmitir aquilo quer a gente viu, mas ouvir pessoas que sabem mais do que a gente, pois há uma hierarquia do saber. Há muito equívoco em relação ao jornalismo. A internet é importante como instrumento, como meio. Então, tem muitos ganhos com a velocidade, essa coisa quase que onipresente do jornalismo em tempo real. Por outro lado, há o perigo de achar que tudo é internet, como o exemplo do repórter que chega com a matéria pronta com informações do Google. Não é assim que se faz jornalismo.
A internet mudou sua avaliação de que a geração de 1968 foi a última geração literária?
Isso também foi uma mudança muito grande. Umberto Eco dizia que a televisão tinha acabado com a palavra escrita. No entanto, a verdade é que nunca se escreveu tanto como hoje. Não há, hoje, quem não passe vários e-mails por dia. O problema é o que é escrito, a linguagem está muito estropiada. Mas, ao mesmo tempo, é melhor você escrever errado do que não escrever, porque, com a prática, você melhora a qualidade do seu texto. Há outro lado que nos faz pensar, porque, com a velocidade do mundo de hoje, as pessoas não têm mais paciência para ler livros. O jovem acha que a mensagem com mais de 140 toques é demais. E não é bem assim. Não se escreve Os lusíadas ou a Odisseia em 140 toques. O livro ainda é fundamental. Essa subserviência à internet é preocupante. Há quem fique 24 horas por dia conectado e não lê livro nenhum. É uma pena quando se pensa em uma geração que não vai ler Os lusíadas, que não vai ler Dom Casmurro. É importante ler os clássicos.
Gabriel García Márquez disse que o jornalismo é a melhor profissão do mundo. Ainda é?
Para quem gosta, sim. Para quem gosta, é uma paixão. Então, as horas que você passa acordado, as dificuldades, os furos, as intempéries – para quem não gosta, é a pior profissão do mundo. Mas falando de quem gosta, não tem coisa melhor no mundo. Tem que se apaixonar.
Por que o senhor desistiu da biografia do Glauber, depois do roubo dos originais?
Um pouco de superstição. O Glauber era macumbeiro, cheio de superstição. Então, chegou um momento que ele ensina, e isso é uma mensagem para mim, dizendo: ‘Para com isso’. Claro que isso não é verdade, estou brincando (risos). Foi uma decepção perder os originais, porque tinha dois anos de pesquisa. Havia muito material e perder isso foi muito desagradável. Tinha uma relação com ele de amizade muito profunda. Foi um pouco por causa desse choque que desisti. Não sei se hoje valeria a pena retomar, porque a vida da gente começa a ser atropelada pelo presente, pelos acontecimentos. Se me perguntarem hoje qual o meu projeto de vida, não sei. Trabalho muito por encomenda, então, é possível que amanhã surja uma ideia ou uma proposta de livro.
Como foi a experiência de cobrir a morte de Chico Mendes?
Foi uma das experiências mais importantes para mim, não só do ponto de vista profissional, mas também existencial. Frequentei durante 10 meses uma fazenda, conheci o Acre e a vida do Chico Mendes. Foram experiências radicais e fundamentais.
O senhor acredita no Brasil? Ou o país não tem solução?
Acredito muito. Acho, realmente, que o Brasil vai dar certo. Não sei se será no meu tempo, mas será certamente no tempo de Alice e Erick, meus netinhos queridos.