Grupo Primeiro Ato estreia peça 'InstHabilidade' no Teatro Bradesco

Companhia leva ao palco trabalho de pesquisa que busca atingir o público pela emoção

por Mariana Peixoto 22/05/2014 08:00

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Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press
Os bailarinos participaram coletivamente do processo criativo e se responsabilizaram também por figurino, maquiagem e produção (foto: Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Instabilidade. Substantivo feminino que pode remeter tanto a ações quanto a sensações. Coreógrafa e diretora do Primeiro Ato, Suely Machado conhece muito bem suas nuances. “Quando você tira o pé do chão já está diante da instabilidade. O passo nada mais é do que a interrupção da queda, mas não nos damos conta disso porque já estamos coordenados para tal.” Essa fala vem ao encontro de seu lado bailarina. Há outra que se casa com a pessoa que está à frente por três décadas de uma escola, companhia e projeto social, todos voltados para a dança. “A humanidade passa pela barbárie de tempos em tempos. Estamos vivendo um deles, com a mudança de valores éticos, morais, intelectuais, afetivos e a violência chegando ao ponto do extermínio.”

Foi a partir destas duas questões que ela chegou ao 'InstHabilidade', 18º espetáculo do Primeiro Ato, que estreia em 30 deste mês no Teatro Bradesco. “Ainda são as artes que nos permitem, de alguma maneira, tocar as pessoas”, afirma Suely. A letra H incluída no título acaba acrescentando um outro sentido a ele: “Quais são as habilidades que a gente tem que ter para lidar com as instabilidades hoje mundiais?”. E é para falar com o mundo que ela parte de sua própria experiência. Hoje sem apoio ou patrocínio, o Primeiro Ato se despe de artifícios para passar sua mensagem.

Num palco sem adereços, estão oito bailarinos-criadores: Alex Dias, também autor da pesquisa de movimentos que originou o espetáculo e codiretor de InstHabilidade, Ana Virgínia Guimarães, Danny Maia, Lucas Resende, Marcela Rosa, Pablo Ramon, Vanessa Liga e a convidada Erika Rosendo. Em figurinos sóbrios, que exploram diferentes tons de cinza, o grupo se choca por mais de uma vez. “Se chocar não tem problema”, interfere, com delicadeza, Suely, durante o ensaio a que o Estado de Minas assistiu no chamado Espaço Acervo e Criação Compartilhada, um galpão no Jardim Canadá que o grupo mantém há quatro anos – e de onde divide as atividades mantidas também na sede, na Cidade Jardim.

Além da conversa não verbal dos corpos, eles também falam, de maneira desencontraída, na primeira cena. Ninguém se entende e o burburinho causado pelas falas caminha num crescendo junto à movimentação. A coreografia é por vezes exaustiva e os bailarinos correm pelo espaço cênico em diferentes momentos. Ora em conjunto, ora sozinhos, ora em duo, são acompanhados por trilha sonora igualmente forte, em que se destaca a interpretação da cantora portuguesa Lula Pena. Os corpos estão sempre em tensão e só encontram respiro na parte final, com um encontro delicado entre os bailarinos Lucas Resende e Pablo Ramon, embalados pelo piano do alemão Walter Lang.

“O Primeiro Ato nunca foi um grupo que priorizou a técnica virtuosa na hora de ir para o palco. Os bailarinos têm que ter muita técnica para as aulas diárias, mas, no palco, a gente quer é que as pessoas se identifiquem conosco. Mexemos com a memória, com o afeto ou até mesmo com o desafeto. O ser humano tem buscado muito a narrativa, o espetáculo com historinha, começo, meio e fim, como numa novela. Isso acontece porque ele esqueceu a capacidade de sentir. Com o espetáculo, ele não tem nada que entender, tem que sentir”, continua Suely.

Não há qualquer cenografia em 'InstHabilidade' – à exceção de três cadeiras, herança de Desiderium, espetáculo montado pelo grupo em 1997. O palco será limpo e não haverá sequer cobertura para o fundo da caixa cênica. É um reflexo tanto da proposta da encenação quanto da carência de recursos com os quais a montagem foi concebida – os bailarinos, além da performance, se dividiram no figurino, maquiagem, produção etc. “O fundo (do palco) será o fundo de cada teatro. Quero mostrar a irregularidade também dos teatros do Brasil”, continua Suely, que, depois de BH, leva o espetáculo para o Sesc Pinheiros, em São Paulo (14 a 16 de junho). Seja como for, com a estreia ela deu certo. Os fundos do Teatro Bradesco são em quadrinhos pretos com um cano aparente, irregular e instável, como manda a cartilha atual. “Como se tivessem mandado fazer para mim”, brinca a coreógrafa.

INSTHABILIDADE
Espetáculo do Grupo de Dança Primeiro Ato. Temporada de estreia entre 30 e 31 de maio, às 21h, e 1º de junho, às 20h, no Teatro Bradesco, Rua da Bahia, 2.244, Lourdes, (31) 3296-4848. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia).




História passo a passo


A passarela é o fundo do palco do espetáculo 'Adorno' (2010); a mesa maior, de 'Carne viva' (1990), as cadeiras de 'Desiderium' (1997) e o tapete de 'Mundo perfumado' (2004). O passado se encontra com o presente na trajetória do Primeiro Ato, que levou para o EACC, no Jardim Canadá, partes de sua história. Além do novo espetáculo, Suely Machado lança em 10 de junho, no Sesc Palladium, o livro que celebra os 30 anos da companhia de dança. Bem, não 30, mas 32 que estão sendo completados neste 2014. “Até os 39 estou nos 30, não?”, faz graça Suely, lembrando que poucas empresas comerciais chegam a completar três décadas no país. “Fazer 32 anos de ação artística é, no mínimo, teimoso e corajoso”, completa ela.

O Primeiro Ato tem um livro que registra seus primeiros 20 anos. Agora, com a edição da terceira década, Suely convidou pessoas que de alguma forma atuaram ao lado do grupo para escreverem sobre ele. Há textos de historiadoras e críticas de dança como Glória Reis, Cássia Navas e Sandra Meyer; depoimentos de pessoas como o compositor Zeca Baleiro, as bailarinas Gisela Dória, Renata Celidônio, Alice Botelho, Luísa Braz Batista, o fotógrafo Guto Muniz e uma profusão de fotos que contam uma trajetória de um grupo com 18 espetáculos no currículo.

“Oito deles em repertório”, comenta Suely, que dirige uma iniciativa que conta com quatro braços. Há o Primeiro Ato grupo de dança, a escola de formação, o projeto social (Dançando na escola, há 15 anos atuando na Barragem Santa Lúcia e dando seus primeiros passos com bolsistas na região do Jardim Canadá) e o EACC, que serve também para promoção de diferentes encontros artísticos. “A gente insiste no coletivo como forma de construir alguma coisa. Seja no olhar, no afeto, no toque como maneira de sobrevivência. Sozinha, acho difícil”, conclui Suely.

PRIMEIRO ATO, 30 ANOS
No dia 10 de junho, haverá lançamento do livro comemorativo, às 19h30, no foyer do Sesc Palladium, Avenida Augusto de Lima, 420, Centro. Às 21h, no Grande Teatro, será apresentado o espetáculo Sem lugar. Ingressos: R$ 10 ou 1kg de alimento não perecível (os ingressos deverão ser retirados duas horas antes da apresentação).

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