Inspirado em 'O diário de Anne Frank', 'Isso é para dor' conta a história de três mulheres que dividem um porão

Espetáculo entra em cartaz neste fim de semana no Teatro João Ceschiatti, no Palácio das Artes

por Carolina Braga 07/03/2014 06:00

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Fotos: Tomaz Arthuzzi/Divulgação
(foto: Fotos: Tomaz Arthuzzi/Divulgação)
Foi um exercício de deslocamentos. De um lado, Mariana Blanco, Marina Arthuzzi e Marina Viana, integrantes do coletivo Primeira Campainha, conhecidas por trabalhos repletos de referências pop como 'Elizabeth está atrasada' ou 'Sobre dinossauros, galinhas e dragões'. Do outro, Byron O’Neill, diretor, dramaturgo, fundador e integrante do grupo Cinco Cabeças e amante confesso de elementos do absurdo no teatro. 'Isso é para dor', espetáculo que estreia nesta sexta-feira na Sala João Ceschiatti do Palácio das Artes é o que nasce desse encontro. Sem dúvidas, há ali um salto na carreira de todo mundo.

O livro 'O diário de Anne Frank' serviu de norte para a criação do espetáculo vencedor do prêmio estímulo para artes cênicas entregue pela Fundação Clóvis Salgado. Escrito entre 1942 e 1944, a obra é o relato de Anne, menina de 13 anos que vivia escondida com sua família e outros judeus em Amsterdã, Holanda, durante a ocupação nazista. Mas a peça não fala especificamente de guerra ou de ideologias desumanas ligadas a ela. Independentemente de em que tempo for, há opressão e também formas de se livrar dela. É este o lugar explorado por 'Isso é para dor'.

“Byron encontrou no diário uma válvula de escape e uma linha para o que queríamos dizer”, explica Marina Arthuzzi. Ela conta que o desejo de estabelecer a parceria com o diretor é antigo. Da parte dele também. Byron fez um primeiro esboço de texto para a Primeira Campainha logo depois de ver 'Elizabeth está atrasada'. Quando decidiram finalmente levar a parceria adiante, o leque de assuntos com os quais gostariam de trabalhar era demasiadamente amplo. “Como foi um processo longo, ele foi se modificando e ainda está em transformação”, conta Mariana Blanco.

Ela, Marina Arthuzzi e Marina Viana dividem uma casa no Bairro Floresta. Byron passou a conviver com elas e assim surgiram várias versões para história. “O texto tem muito dessa nossa convivência”, ressalta Viana. Para finalizar o processo, os quatro embarcaram, no fim do ano passado, para a Holanda, onde frequentaram a casa de Anne Frank e detalharam a pesquisa.

“Resolvemos que seria importante estar com o Byron, nos impregnar daquelas memórias, para encontrar o tom. É uma atmosfera muito distinta da forma como costumamos trabalhar. Fomos encontrar essa paisagem, que é diferente”, comenta Mariana Blanco. Mantendo alguns elementos do teatro do absurdo, característico de Byron, 'Isso é para dor' conta a história de três pessoas presas no porão de uma suposta sala de espetáculos. Há um conflito explícito do lado de fora e a elas restam apenas a companhia umas das outras, o silêncio e batatas.

BOMBARDEIOS

A rotina só é quebrada em momentos de bombardeio, quando eles se permitem fazer do teatro alívio para a opressão. Enquanto bombas caem, o mundo delas é ocupado por referências da cultura pop, que mesclam personagens como Bambi, King Kong e o Cisne Negro a falas de filmes variados. Nas pequenas esquetes que apresentam, há desde fragmentos de 'E o vento levou', passando por 'O grande ditador' de Chaplin e 'Scarface'.

Desde que estreou nos palcos, a Primeira Campainha tem característica louvável, especialmente em uma época em que o teatro mineiro anda sisudo demais. Mariana Blanco, Marina Arthuzzi e Marina Viana têm o dom de não se levar tão a sério. Não significa, porém, que tenham discurso vazio. 'Isso é para dor' prova o contrário. Há um conflito como pano de fundo. À frente dele, fala-se sobre amor e também respeito às diferenças, sem que para isso tenha que ser pesado demais.

Trabalho difícil

Diferentemente dos outros processos da Primeira Campainha, pela primeira vez Arthuzzi, Vianna e Mariana Blanco trabalham com uma equipe completa nos bastidores. Tanto em 'Elizabeth está atrasada' como em 'Sobre dinossauros', o trio cuidou de tudo, da dramaturgia, direção, cenário, iluminação, cenários. “É a primeira vez que sou só atriz”, brinca Arthuzzi, colaboradora contumaz de várias companhias da cidade. A exclusividade não quer dizer que tenha sido tranquilo para as três. Elas concordam que foi um dos trabalhos mais difíceis.

Em 'Isso é para dor', o cenário leva a assinatura de Daniel Herthel; a iluminação é de Jésus Lataliza e Sabará Orlan; o figurino de Cynthia Paulino e Mariana Blanco; e trilha sonora de G.A. Barulhista e Ricardo Koctus. A música, aliás, tem papel fundamental na criação do clima proposto para a montagem. “Brinquei com o Byron. A peça é baseada nas três meninas com alguma coisa do diário de Anne Frank. Meu maior desafio era fazer o realismo e o fantástico. Hora separado, hora junto”, detalha Barulhista.

TRECHO DA PEÇA

Benjamim – Quer dizer que Margareth ronca? Nunca havia reparado! Você acredita que ela disse para Margareth, sem ao menos Margareth perguntar, ou melhor, sem ao menos Margareth implorar, que
ela me ama?

Vonda – Claro, ela diz que te ama pra todo mundo, o tempo todo. Nunca vi tamanha necessidade de dizer que ama alguém quanto a necessidade que ela tem de dizer que te ama. Eu mesma já estou cansada de ouvir que ela te ama, todos os dias.

Benjamin – Sério?

Vonda – Particularmente, creio que não seja necessário espalhar aos quatro ventos que se ama alguém, mas se ela acha isso necessário, quem sou eu para julgar. Aqui está o chá.

ISSO É PARA DOR
Espetáculo da Primeira Campainha. Hoje e amanhã, às 21h; domingo, às 19h. Teatro João Ceschiatti do Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Em cartaz até dia 16.

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