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Laymert voltou para São Paulo satisfeito, depois de conferir cerca de 200 trabalhos. “Foi o início de uma paixão. A grandeza de Lorenzato aparece no que é um paradoxo: a simplicidade complexa da composição. Aparentemente, é pintura proveniente de olhar modesto e despretensioso, mas se trata de uma visão direta do mundo. Ele pinta o que vê, não o que imagina, transformando esse encontro em acontecimento pictórico”, elogia. “É um artista inimitável”, resume.
O pesquisador compara Lorenzato a Paul Cezanne, pois ele também estuda os motivos que pinta por meio de desenhos e aquarelas, buscando captar atmosferas com estruturação e presença concreta. Para Laymert, o mineiro, com fartura pictórica e cor, “traduz para o espectador, com precisão de percepção, o encantamento com o mundo que é dele”.
A peculiaridade dessa visualidade remete à lida de Lorenzato com materiais da pintura enquanto trabalhava na construção civil. Uma viagem à Itália, porém, permitiu-lhe conviver com obras de Michelangelo, Masaccio, Leonardo da Vinci e Cimabue, especialmente. Dessa experiência veio o contato com os princípios do afresco – técnica retrabalhada de modo pessoal pelo mineiro.
CONTEMPORÂNEO
“Lorenzato é arte contemporânea que escapa a rótulos”, garante Laymert. A expressão sinaliza o cuidado em não aprisionar o pintor em categorias. Ele chama a atenção tanto para a singularidade do mineiro quanto para preconceitos e equívocos inerentes a rótulos. Atualmente, reforça o curador, busca-se outra caracterização para a arte contemporânea. “Vêm sendo revistas as fronteiras entre o erudito e o popular, entre o periférico e o mainstream, entre o que é ou não étnico. Acabou a hegemonia das definições de arte a partir de critérios ocidentais”, avisa.
De acordo com ele, são consideradas arte contemporânea tanto obras vindas da tradição ocidental quanto aquelas ligadas ao universo da etnologia e de instituições etnográficas. “A contemporaneidade é composta de várias temporalidades distintas, vindas de lugares e culturas diferentes”, enfatiza. Para o sociólogo, reações como incompreensão, preconceito, desconhecimento e a falta de estudos sobre várias manifestações artísticas se devem ao fato de essa produção não caber no sistema da arte com referências tradicionais. “Para mudar essa mentalidade é preciso levar criações a sério, profundamente, com olhar sem preconceito e analisando a consistência da obra”, conclui.
Ex-diretor da Fundação Bienal de São Paulo e coordenador do Laboratório de Cultura e Tecnologia em Rede do Instituto Século 21, Laymert Garcia integra a rede mundial de especialistas do Humboldt Forum. A instituição desenvolve projeto ambicioso: um centro de culturas não europeias que será instalado na praça central em Berlim, na Alemanha.
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DE BH À ITÁLIA
Filho de imigrantes italianos radicados em Minas Gerais, Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995) trabalhou na construção civil em BH, onde nasceu. Ele pintava temas decorativos em residências. Na década de 1920, voltou para a Itália e frequentou a Real Academia de Arte de Vicenza. Na Europa, conviveu com os artistas plásticos Cornelius Keesman e Gino Severini, além de frequentar cafés onde Picasso e Matisse eram habituês. Lorenzato voltou definitivamente ao Brasil durante a 2ª Guerra Mundial. Morou em Petrópolis e em BH, onde se dedicou à pintura artística.
EM CARTAZ
Pequena mostra de desenhos e aquarelas de Lorenzato será aberta sábado, às 10h, na Manoel Macedo Galeria de Arte (Rua Lima Duarte, 158, Carlos Prates). O conjunto traz trabalhos da primeira metade dos anos 1970. Publicados em livro, esses registros das andanças do artista por BH nunca ficaram expostos. A mostra pode ser conferida até 20 de janeiro.
O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e aos sábados, das 10h às 14h. Informações: (31) 3411-1012.