Entrevista: Luiz Ruffato fala sobre polêmico discurso e rebate críticas

Mineiro de Cataguases conta sobre as repercussões da fala na abertura do evento

por Ana Clara Brant 13/10/2013 09:22

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.

"Esse discurso serviu para mostrar quem pensa como eu, quem pensa diferente de mim, e respeito, e quem pensa diferente de mim e não respeito, aquelas pessoas que me agridem. Dessas não quero saber"
 

 

Frankfurt (Alemanha) – Inicialmente, o “astro” brasileiro na Feira do Livro de Frankfurt – que homenageia o Brasil e será encerrada hoje – seria Paulo Coelho, que cancelou sua participação com críticas aos critérios de seleção de autores adotados pelo governo federal. Mas um mineiro de Cataguases, na Zona da Mata, acabou roubando a cena: Luiz Ruffato, em seu discurso contundente na abertura do evento, realizada na terça-feira. O autor de Eles eram muitos cavalos afirmou que o Brasil nasceu sob o genocídio, disse que estupros foram a base da democracia racial brasileira e destacou que impunidade e intolerância são regras no país. “Não queria me transformar na ‘vedete’ do evento dessa maneira, mas virei, de forma involuntária. A última coisa que queria é todo esse constrangimento. E o constrangimento era meu: de ter de falar, aqui na Alemanha, que o meu país tem todos esses problemas. Não é bom, não é agradável. Mas, enfim...”, afirmou ele em entrevista concedida na Estação Central de Frankfurt. Nada mais mineiro do que a conversa entre trens e um cafezinho num lugar em que Ruffato é apenas mais um dos milhares de transeuntes. A poucos metros dali, no espaço equivalente a 14 campos de futebol, está o pavilhão brasileiro da feira, o maior evento do mercado editorial do mundo. Depois de seu polêmico discurso, o escritor até evitou aparecer por lá. Na Alemanha desde o começo do mês, Ruffato tem agenda intensa: 62 eventos em 15 cidades. “É bacana esse reconhecimento aqui. Tenho livros traduzidos para o alemão e isso ajudou a me a dar alguma visibilidade. Sou mais divulgado aqui do que no Brasil”, afirma.

Você esperava toda essa reação a seu discurso?

Evidentemente, esperava que o discurso fosse provocar reações. Mas não que provocasse reações, digamos assim, pessoais. Isso para mim é realmente desagradável. Teve gente que falou que eu deveria ir embora do país, outros disseram que só mesmo o filho de uma lavadeira e de um pipoqueiro para falar uma bobagem dessas. Até a TFP (Tradição, Família e Propriedade) soltou aqui nota, em alemão, muito agressiva, falando que sou comunista, que estou incentivando a luta de classes. Como se tivesse de incentivar alguma coisa. Enfim, acho que, de certa maneira, infelizmente, tanto a esquerda quanto a direita estão desfavoráveis a mim.

Mas tem muita gente a favor também.

Sim. A maioria está a favor. Aqui na Alemanha, da parte dos alemães, tive total apoio. Dos meus colegas escritores, a maioria me apoia, mas sempre há os que não apoiam.

E essa história de que você chegou a ser agredido?

Não me agrediram, mas tentaram. Pessoas comuns. Brasileiros que estão aqui na feira e vieram me abordar de maneira extremamente agressiva. Não sabem a diferença entre Estado e governo. Falaram que eu estava falando mal do governo e fui pago pelo governo. Não fui pago pelo governo, mas pelo Estado. Se o governo tivesse me pagado, claro que não poderia falar mal. Esse espírito brasileiro de defender: ah, roupa suja lava-se em casa. Sim, lava em casa. Exatamente por isso somos o oitavo país em que as mulheres mais apanham no mundo.

Quando você escreveu esse discurso, imaginava que ele provocaria algum efeito de certa maneira? Ainda mais num evento cheio de holofotes.

Olha, falo isso há 10 anos no Brasil. Os meus livros falam isso. Mas como li o discurso fora do Brasil, na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, acabou tendo maior repercussão. Não falei mal do Brasil. Se alguém falar mal do Brasil perto de mim, brigo. Só dei um retrato não hipócrita do que é o nosso país.

Você não tem sido visto no pavilhão brasileiro da feira depois de toda essa história. Há até uma piada de bastidores dizendo que você se escondeu num bunker (abrigo subterrâneo antinuclear) para evitar esse assédio. Você evitou ir lá?
Tenho ido à feira, aos outros pavilhões, mas tenho evitado ir ao do Brasil para não criar constrangimentos ou algum tipo de problema. Mas, sabe, não entendo esses ataques pessoais. De minha parte não houve nenhum ataque a ninguém e a governo algum. E as reações boas foram muito boas. Mas as ruins também foram muito ruins.

Como você elaborou o discurso?

Esse discurso ampliado foi publicado num jornal suíço, de Zurique, dos três jornais mais importantes em língua alemã, o Neue Zürcher. É um artigo imenso, de quase duas páginas, escrito no começo do ano a pedido do jornal. Naquela época, nem sabia que faria esse discurso. Não havia sido convidado ainda. O editor me encomendou um ensaio sobre São Paulo. Depois, ele pediu para transformá-lo num ensaio sobre o Brasil. Nesse meio-tempo, surgiu o convite para abrir a feira. Então, percebi que o discurso que queria fazer estava ali naquele artigo. O que fiz foi pegar uma parte dele, reescrever, juntar algumas estatísticas mais atualizadas. Na verdade, ele foi publicado no sábado anterior à abertura da feira.

Você não ficou constrangido de fazer esse discurso ao lado do vice-presidente da República, Michel Temer, e da ministra da Cultura, Marta Suplicy?
De jeito nenhum. Até porque não estava criticando o governo. Muito pelo contrário, até defendo o governo. Tanto que em vários momentos cito os avanços registrados ao longo dos anos. Por isso, não poderia me sentir constrangido. E mesmo que estivesse criticando o governo, não teria problema algum. O meu papel é esse. O meu dever é esse.

Estamos vivendo uma certa regressão? Tudo está politicamente correto demais?

Estamos vivendo um momento muito curioso. É um momento importante em que, até por razões alheias à nossa vontade, as coisas estão ficando mais escancaradas. Nós, no Brasil, temos essa mania de ser hipócritas e ficar de nhe-nhe-nhem: todo mundo é bonitinho, e a gente nunca sabe exatamente com quem está falando. No meu caso, esse discurso serviu para mostrar quem pensa como eu, quem pensa diferente de mim, e respeito, e quem pensa diferente de mim e não respeito, aquelas pessoas que me agridem. Dessas não quero saber. Mas com quem pensa diferente de mim, e respeito, quero debater. Nesse sentido, foi importante tudo isso que aconteceu comigo.

Você soube que o Ziraldo passou mal.

Alguém me falou. E ainda teve uma pessoa maldosa que insinuou que ele tinha passado mal por minha culpa. Fiquei horrorizado com isso, nem o conheço pessoalmente. No dia do discurso, alguns autores ficaram berrando, mandando-me ir embora, mas nem ouvi direito. Naquele dia estava tão nervoso, tão ansioso, que nem as palmas cheguei a ouvir. Mas tive cinco minutos de aplausos. No auditório, eram umas duas mil pessoas. Tanto os brasileiros quanto os alemães me aplaudiram. (NR Depois do discurso de Luiz Ruffatto, Ziraldo mandou o colega calar a boca, gritando que se ele estava tão insatisfeito deveria se mudar do Brasil).

E como o discurso repercutiu em sua terra, Cataguases? Alguém ligou para você?

Que nada. Em Cataguases, não sou nada (risos). Certamente, não tenho nenhuma dúvida de que é mais fácil ganhar o título de cidadão honorário de Hofheim, aqui na Alemanha, do que o de Cataguases, por exemplo. Isso porque sou filho da lavadeira e do pipoqueiro. Não sou filho da burguesia de Cataguases. Vou muito pouco à cidade, agora só tenho uma irmã morando lá. Nunca recebi um muito obrigado por falar da cidade. A ponte de Cataguases, inclusive, estampa as capas dos meus livros.

*A repórter viajou a convite do Governo de Minas

Imagem desconstruída


“A participação brasileira destruiu a imagem que se fazia aqui na Alemanha de um país colorido no qual ninguém trabalha, que é como 90% dos alemães viam o Brasil”, afirmou ontem Juergen Boos, diretor da Feira do Livro de Frankfurt, que homenageou o Brasil, em referência ao discurso polêmico do escritor Luiz Ruffato na abertura da feira. Boos reforçou: “A variedade de discursos mostra como o Brasil é uma sociedade dinâmica, que reinventa a si própria. A abertura foi extraordinária: muito literária e muito política”. Ontem, foi a foi a vez de o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro falar no evento, sem poupar críticas. Chamou os políticos de “população desordeira e parasitária” e Brasília de “um monumento a ideologias passadas” , arrancando aplausos. A boa notícia ficou por conta do cartunista Ziraldo, que completa 81 anos no dia 24. Ele recebeu alta do hospital em que estava internado na Alemanha, onde passou por um cateterismo de emergência.

MAIS SOBRE E-MAIS