O complexo da Lagoa da Pampulha reúne algumas das mais belas obras de arte do Brasil, como os painéis de Candido Portinari (1903-1962), na Igreja de São Francisco de Assis, inspirados na Via Sacra; e esculturas de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), August Zamoyski (1893-1970) e de José Pedrosa (1915-2002), instaladas no Museu de Arte da Pampulha (MAP). Reconhecidos internacionalmente e bem conservados, esses trabalhos convivem com o estado precário dos jardins de Burle Marx (1909-1994), outra joia do conjunto modernista. Anunciadas pela Prefeitura de Belo Horizonte em meados do ano passado, a restauração e manutenção por cinco anos da obra paisagística que emoldura os prédios de Oscar Niemeyer (1907-2012) foram muito comemoradas. Entretanto, ali apenas começava uma novela.
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Arquiteto e urbanista, Lana explica que seu objetivo é fazer renascer no entorno de prédios como o museu, a Casa do Baile e a igrejinha a obra de um dos maiores paisagistas do século 20. Burle Marx, lembra o especialista, inspirou-se nas artes plásticas e na vegetação nativa para criar um paisagismo que rompia com influências internacionais. Entretanto, com dinheiro e projeto de reforma definidos, a iniciativa ainda não saiu do papel por causa da burocracia.
“Quem está perdendo é a cidade. Trata-se de algo importantíssimo, porque se refere a um dos primeiros jardins modernistas do mundo. Burle Marx inova aqui em BH, usando a vegetação de campos rupestres e se adequando totalmente ao espírito modernista”, salienta Lana. De acordo com ele, várias instâncias do poder público retardaram essa revitalização. “Eles não têm deixado o projeto caminhar. Todo mundo dá um palpite”, reclama.
O paisagista explica que as obras deveriam ser iniciadas em setembro. Por conta disso, agendas dos equipamentos culturais onde haverá intervenções, como a Casa do Baile e o Museu de Arte da Pampulha, foram modificadas. “O projeto está saindo de graça e abarca tudo: recomposição dos jardins, irrigação, iluminação e mobiliário. Por causa da burocracia, está se perdendo esta oportunidade”, alerta.
Além da ação da Prefeitura de Belo Horizonte e da vontade de Ricardo Lana, contratado como consultor técnico, a revitalização exige uma série de autorizações. Como se trata de intervenção em complexo tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a documentação e a autorização podem demorar meses. Só no Iphan, o projeto tramita desde junho. Não saiu do papel até agora, de acordo com Ricardo Lana, porque a proposta incluía adequações com o objetivo de tornar os jardins aptos ao uso.
A decisão do Iphan é o sinal verde para a reforma. “Já podem começar”, avisa Rafael Arrelaro à Prefeitura de Belo Horizonte. O projeto original foi aprovado no Iphan com modificações. De acordo com Arrelaro, elas qualificam as intervenções propostas e as justificam. O especialista reconhece a importância da iniciativa. “Recuperados, os jardins poderão atrair novamente a atenção das pessoas para os bens no entorno da orla da Pampulha. Hoje, infelizmente e por motivos diversos, vários deles perderam a atratividade. Além da revitalização dos jardins e do museu de arte, a prefeitura prometeu inaugurar a Casa Kubitschek e despoluir a lagoa. Tudo isso deve trazer qualidade para aquele conjunto”, afirma Arrelaro.
Carlos Henrique Bicalho, diretor de Patrimônio Cultural da Fundação Municipal de Cultura, diz que não há risco de a revitalização não ser realizada. Agora, explica ele, faltam apenas a oficialização da aprovação do Iepha e o fim do período chuvoso. Bicalho atribuiu o atraso à complexidade da operação. “Restauração de jardins modernos não é iniciativa usual. De jardins historicistas, como os ingleses e os franceses, temos muitos exemplos, mas a restauração dos modernos é mais rara. Várias questões tiveram que ser elucidadas antes de o trabalho ser apresentado efetivamente. Os trâmites estão em andamento, mas precisamos respeitar o tempo necessário, pois a iniciativa é complexa”, conclui.
ENTENDA O CASO
A oportunidade de revitalizar e recuperar os jardins criados por Burle Marx na orla da Lagoa da Pampulha surgiu depois de acordo firmado entre a Prefeitura de Belo Horizonte e uma construtora. Como medida compensatória a dano que causou na capital, a empresa concordou em arcar com os custos do trabalho, cerca de R$ 4 milhões. Concluído o projeto, a cargo do urbanista Ricardo Lana, foi necessário obter a aprovação de órgãos municipais, estaduais e federais ligados à área de patrimônio.
O início das obras estava previsto para setembro, mas isso não ocorreu devido a entraves burocráticos. A liberação por parte do Iphan só foi confirmada na semana passada, depois de a reportagem do Estado de Minas questionar técnicos do órgão sobre a demora.