Grupo teatral ZAP 18 convive há 10 anos com moradores do Bairro Serrano, na periferia de BH

Experiência influencia peças da trupe, ajuda a formar público e a educar jovens da região

por Carolina Braga 30/07/2012 08:46

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Fotos: Leandro Couri/EM/D.A Press
Thiago José, Cida e Gustavo Falabella com Elisa Santana e Tainá Rosa (embaixo) no galpão do grupo ZAP 18 (foto: Fotos: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Há 10 anos, o terreno na Rua João Donada, 18, no Bairro Serrano, não era mais que mero beco de passagem para a Rua Antônio Falabella, nome do avô de Cida Falabella. Propriedade da família e usado para despejo de entulhos, o terreno chamou a atenção da diretora de teatro. Não seria o momento propício de a companhia ZAP 18 – Zona de Arte da Periferia ter a própria sede? 
“Estávamos procurando um lugar, pois havíamos sido expulsos de vários espaços – o último, na estação de trem de Santa Luzia”, lembra Cida. Ao se dar conta do potencial do Serrano, ela não hesitou em chamar a colega Elisa Santana para conhecer a área. “Vendemos a nossa van e fizemos o galpão”, relembra Elisa. 
Instalados há uma década no Serrano, os artistas não se sentem isolados da cena teatral de BH, concentrada na Região Central da cidade. Afinal, não há do que reclamar. O acolhimento foi total. “Um lugar de arte sempre muda algo. Estamos na confluência de vários bairros. Na ZAP 18, cabem cento e poucas pessoas e sempre ficou cheio”, comemora Elisa Santana. Apesar de a falta de patrocínio complicar um pouco, a relação com a comunidade é cada vez mais rica. “Considero este local como a extensão da minha casa. É uma família mesmo”, diz Rosimeire Macedo, vizinha do grupo. 
A Zap 18 chegou ao Bairro Serrano em momento delicado da vida de Rosimeire. Ela havia acabado de perder o marido, sentia-se insegura em relação ao futuro dos filhos, Thiago, na época com 6 anos, e Thaís, de 4. “Ficava me perguntando o que fazer. A morte do pai deixou um buraco grande”, conta. Falante, Rose, como é tratada na comunidade, não hesitou em perguntar o que seria feito lá. “O pessoal da rua me falou que era teatro. Vim e perguntei como participar.” 
Na época, Thaís não tinha a idade mínima para frequentar os cursos, mas o problema se resolveu em uma rápida conversa com Cida e Elisa. “Isto aqui ajudou meus meninos a terem formação”, garante a orgulhosa mãe. Thaís não faz mais aulas, dedica-se aos estudos para prestar vestibular para engenharia. Thiago nunca saiu daquele galpão: de aluno passou a integrante do elenco da ZAP 18. Em 2006, estreou na peça Esta noite mãe coragem. 
“Estou aqui desde os 8 anos. Hoje, tenho 19. Grande parte das coisas que tenho como perspectiva de vida nasceu aqui dentro, tanto na relação com os professores quanto com os alunos, pessoas da comunidade. Este espaço me formou enquanto sujeito, como cidadão. A ZAP me ajudou e ajuda muita gente”, comenta o jovem ator Thiago Macedo, estudante de design gráfico.
Antes de abrir a própria sede, o grupo já se dedicava à arte-educação. A opção pela periferia, de certa forma, coroou a filosofia adotada desde a década de 1990, quando a trupe tinha outra formação e se chamava Companhia Sonho e Drama. Naquela época, Belo Horizonte era dividida em nove regionais. A então secretária de Cultura, Berenice Menegale, convidou alguns artistas para mapearem as áreas artísticas da cidade. “Ao fazer isso, descobrimos a periferia muito carente de arte. Começamos a dar oficinas”, conta Elisa. 
“A relação com a comunidade se dá olho no olho, no dia a dia. É impressionante o público que a gente mobiliza sem ter uma nota em jornal. Mas não podemos dar mole: às vezes, as pessoas somem, nosso embate é diário. Usamos carro de som, espalhamos cartazes no bairro. As oficinas também mobilizam muito”, diz Cida Falabella. 
Os cursos são ininterruptos. Pelos cálculos de Cida Falabella, cerca de 1 mil alunos frequentaram as aulas nos últimos 10 anos. O espaço também é usado para ensaios e apresentações das montagens da companhia. Quando está desocupado, é cedido a outros grupos.
LEI A ZAP 18 aprovou projeto nas leis de incentivo para as comemorações dos 10 anos de sua sede, mas nenhum real foi captado. “Numa economia em que tantos recursos passam para todos os lados, é um absurdo não ter dinheiro destinado, de fato, à cultura e à educação”, protesta a diretora Elisa Santana. 
“As leis de incentivo foram jogadas no mercado. Mas como o mercado regula essa legislação?”, questiona Elisa. “Trabalhamos com elas, vivemos delas, não vamos cuspir no prato em que comemos. Mas as leis promovem distorção absurda na produção cultural ao ocupar o espaço da política pública”, critica Cida Falabella. Na opinião da diretora, as leis deveriam ser transformadas em investimento direto dos patrocinadores. “Se as empresas já tiverem criado algum juízo no sentido de achar que cultura é algo importante, que tirem dinheiro do próprio bolso. Não se está criando nenhuma cultura nesse sentido. Se a lei acabar amanhã, vai acabar tudo”, prevê.
A carência de recursos não reduziu a oferta de atividades, mas a ZAP 18 precisa cobrar R$ 50 dos alunos. “É para pagar as contas de água e luz. O nosso trabalho é voluntário”, explica Cida. As inscrições para as oficinas do segundo semestre serão abertas em agosto. Informações: www.zap18.com.br e (31) 3475-6131.
 
Rito de passagem 
 
A próxima estreia da ZAP 18 será o monólogo O ano em que eu virei adulto, prevista para o fim do mês que vem. Dirigida por Cida Falabella e com Gustavo Falabella Rocha em cena, a peça se baseia no livro 1933 foi um ano ruim, de John Fante. A decisão por um espetáculo solo reflete o momento de aperto financeiro, mas reafirma a proposta de linguagem teatral desenvolvida pela trupe. 
 
Cida Falabella explica que o fato de a ZAP 18 estar inserida em uma comunidade da periferia influencia o trabalho, apesar de não mudar a sua forma de fazer teatro. “Já estávamos voltados para a questão da cultura brasileira. Sempre gostamos de adaptações literárias, mas, quando viemos para o Serrano, era como se a realidade da violência urbana, das drogas, enfim, todas as questões conflituosas da periferia também se manifestassem aqui”, observa. 
 
A primeira montagem para público adulto a partir da experiência no Serrano foi Esta noite mãe coragem. Com dramaturgia de Antônio Hildebrando, a peça usou a obra de Bertolt Brecht como ponto de partida para falar da guerra do tráfico na periferia.
 
O ano em que eu virei adulto também espelha a vivência no Bairro Serrano, ainda que de maneira mais contida. Fala do rito de passagem de um jovem, às vésperas de se transformar em estrela do esporte. “Tentamos trabalhar o teatro épico sob a perspectiva do encontro com o sujeito. Assim, temos uma leitura crítica da sociedade. Sempre há o momento em que a pessoa se coloca, algo do tipo ‘a minha história bate com aquela’. De certa forma, o monólogo tem a ver com isso. Fala da transição de um adolescente para a vida adulta”, conclui Cida. 


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